ENTREVISTA/Edgar Morin.
Sociólogo francês e professor da Universidade Paris VIII defende o
resgate do valor da solidariedade e o exercício da democracia para
combater a pobreza
Aos 93 anos, Edgar Morin é
contundente ao dizer que a erradicação da pobreza passa pelo resgate de
um valor que precisa ser acordado nos seres humanos: o da solidariedade.
Para o sociólogo francês, presidente do Institut Internacional de
Recherche Politique de Civilisation (IIRPC), é preciso haver, de um
lado, solidariedade entre as nações e, de outro, o incentivo à criação
do que ele chama de democracia direta. Ou, como explicou ao GLOBO,
fóruns regionais que amplifiquem a voz das populações pobres e funcionem
como um elo entre elas e os governantes.
Martha Neiva Moreira
O GLOBO: A erradicação da
pobreza é um dos desafios para se atingir o desenvolvimento
sustentável. Ainda hoje há povos em situação de pobreza extrema e as
nações não conseguem solucionar. Por quê?
EDGAR MORIN: É uma
lacuna. Não se pode isolar a questão ecológica da questão social. A
pobreza é um problema mundial e pressupõe a adoção de políticas que
combatam a exclusão. Mas as nações parecem que estão isoladas umas das
outras e não conseguem se aliar para enfrentar questões globais como
esta.
Por quê?
MORIN: Por um lado, não
temos ainda uma realidade supranacional capaz de impor medidas adequadas
aos Estados. Por outro, os Estados estão atrelados à especulação
financeira. É preciso uma reforma política para que Estados exerçam o
papel para o qual foram criados: o de garantir os direitos básicos à
população.
O que falta para isso?
MORIN: Mudar o modelo de
civilização para suscitar o surgimento de uma nova via política para as
nações e a Humanidade. Para enfrentar a pobreza e a pobreza extrema,
tanto no campo quanto na cidade, é necessário uma democracia direta.
Como assim?
MORIN: É preciso criar
conselhos regionais com a participação da população pobre e de
profissionais de várias áreas. Os pobres não têm voz, ficam isolados na
hora de decidir seus destinos. Ao incentivar a criação desses fóruns,
que discutirão temas regionais, os governos estarão dando voz a essas
populações e criando um elo entre o Estado e os que sofrem com a
pobreza. Isso é respeito.
Há diferença entre a pobreza dos países do Norte e os do Sul?
MORIN: Os atuais pobres
dos países do Norte são os que já fizeram parte do sistema industrial.
Eles estavam incluídos no sistema econômico formal e agora, por causa da
crise econômica, estão à margem. Mesmo à margem, é uma pobreza
assistida, que conta com alguma proteção assistencial dos governos. Os
pobres dos países do Sul, ao contrário, jamais foram incluídos no
sistema formal. Eles nasceram excluídos, não contam com assistência e
não têm acesso aos direitos básicos.
Um dos instrumentos de combate à pobreza é a participação popular. O brasileiro ocupa os espaços de participação?
MORIN: Participar da vida
social é um exercício e o meio mais legítimo de fazer pressão nos
governos. Mas exige prática e conhecimento das formas de participação. A
democracia no Brasil é recente e ainda é preciso vencer o medo de
falar. As minorias, em geral, estão frequentemente ausentes das
assembleias de participação. Por isso que digo que a prática da
democracia direta deve fazer parte da educação do cidadão. Só assim
aprendemos, aos poucos, a tomar a palavra.
Como incentivar a participação?
MORIN: Com um modelo de
educação que ensine as crianças a viver, a ter mais compreensão dos
outros, entender o significado do valor do conhecimento para enfrentar
as questões que se impõem. As crianças e jovens precisam pensar o que
significa ser humano no contexto de sua época para que fiquem aptos a
pensar soluções para os desafios que virão. Esses ensinamentos ajudam a
constituir o valor da solidariedade e, hoje, para combater a pobreza, é
preciso ser solidário. Falo de solidariedade entre pessoas e, sobretudo,
entre países.
As nações ricas alegam que a crise econômica os impede de ajudar os países pobres...
MORIN: Há países ricos em
crise, mas ainda assim eles têm meios de ajudar os pobres parando de
explorar as riquezas do solo e subsolo dessas nações com suas
multinacionais.
Como a Economia Verde pode resolver as desigualdades sociais?
MORIN: A água é um bem
comum e não tenho que pagar por ela. Economia Verde é a que oferece uma
energia limpa, que favorece pequenos agricultores, a agricultura menos
nociva ao meio ambiente, que protege a biodiversidade, mas é também
aquela que deve dar trabalho para muitas pessoas.
Qual o desafio do Brasil para erradicar a pobreza?
MORIN: O Brasil é
complexo. Há questões que requerem micropolíticas públicas regionais e
uma dose de solidariedade entre os seres humanos.
FONTE: O GLOBO
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