quarta-feira, 20 de junho de 2012

O PT no seu pior labirinto (Rosângela Bittar)

Se ganhar São Paulo, as dores cessarão, tramas fortes cerrarão as principais fissuras, instalando-se a expectativa de seguir adiante com o poder conquistado. Mas se perder, o PT carregará o estado febril de hoje para o pós-eleitoral e dificilmente logrará recompor suas forças para a complicada vida dos dois anos seguintes, o que fará do imponderável uma certeza.

Tudo, hoje, no PT, é extremo, da preocupação com o julgamento do mensalão e as possíveis condenações à interminável sucessão de erros, nos últimos dois meses, do comandante in pectore do partido, Luiz Inácio Lula da Silva.

Creem os benevolentes amigos que o ex-presidente parece ter uma similitude entre seu comportamento e aquele de fase lendária de Ulysses Guimarães, então presidente da Câmara, do PMDB e da Constituinte, quando, acometido de uma dosagem inadequada do medicamento lítio, falava sem freios. Lula está passando essa imagem aos seus próprios subordinados petistas, vai falando, vai fazendo, decisões em demasia, com uma ideia na cabeça e um índice de popularidade nas mãos, atropelando gregos e troianos. Embora tudo já tenha merecido o devido destaque, o caráter ilimitado das trapalhadas, com resultados negativos visíveis para o PT, renovam as preocupações.

Articulações de Lula resultam em fraturas

Com facilidade relaciona-se, em hostes petistas, três, quatro, dez erros políticos cometidos pelo antecessor de Dilma Rousseff, que peca sempre por excesso. Antes, José Dirceu, seu fiel executivo nesse quesito, formava as alianças, compunha o PT, acalmava os revoltosos, explicava a filosofia do pragmatismo do momento e o poder, no fim do túnel, a justificar os meios. Agora cabe a Lula mais que a figuração, é o ex-presidente quem sai a campo e embrenha-se em problemas.

Em Sergipe, Ceará, Pernambuco, já estão notórias as imposições que fez ao PT, desfazendo prévias, remontando coligações, destituindo e nomeando candidatos. Nessa pré-campanha passou por cima de Luizianne Lins, de Marcelo Déda, de João da Costa, e não se sabe se o candidato às eleições municipais, seja do PT ou de um dos partidos aliados, nessas capitais, será aquele que no momento o ex-presidente quer. Transitou como um trator no Nordeste, não se evidenciou ainda sua mão de ferro no Sul, mas espera-se que chegue lá a qualquer momento.

São Paulo, entretanto, é uma evidência de sua capacidade de provocar fraturas e fazer a terra arrasada.

Lula abusa do seu prestígio, é como se define no PT o voluntarismo do ex. A intervenção que fez foi um desastre, cindiu o partido e está longe de conseguir as condições para reunificá-lo.

Primeiro, ali haveria uma prévia entre quatro candidatos. Depois, com um pequeno toque, o ex-presidente tirou do caminho os dois que considerava mais fracos, Jilmar Tatto e Carlos Zarattini, dizendo a eles que o momento era para profissionais e não para fazer campanha de apresentação para daqui a quatro anos. Mandou uma funcionária do instituto que leva o seu nome avisar a Marta Suplicy, senadora da República, que o governo precisaria dela mais no Senado que na Prefeitura de São Paulo, portanto deveria ser afastar também.

Marta agradeceu mas não saiu. Aí Lula reforçou a ordem dando a missão à presidente Dilma. A presidente falou que precisava muito de Marta no Senado mas não ofereceu ministério. Com o apelo, Marta retirou sua candidatura a prefeita, mas saiu do episódio absolutamente melindrada.

Essa parte do enredo da candidatura do PT paulista é conhecida, mas não se tinha a dimensão do efeito das decisões de Lula sobre Marta. São marcas profundas.

A senadora passou a fazer ironias, mandou o candidato gastar sola de sapato, não compareceu ao lançamento de sua candidatura, resistiu ao cerco, inclusive quando apelaram ao seu ex-marido, e multiplicou por dois, com a aliança do PT com Paulo Maluf, o desdém que expressou quando Lula tratava de articular-se com Gilberto Kassab.

Marta já está fazendo algumas brincadeiras com a situação do PT na capital. Quando Lula, no lançamento de Fernando Haddad como candidato, mencionou os injustiçados do PT, entre eles Erenice Guerra, a subchefe da Casa Civil, ex-amiga íntima de Dilma, flagrada em tráfico de influência no palco de atuação mais próximo ao presidente, não só Marta, mas um grande número de petistas, não conteve a perplexidade.

Mais um registro da ilimitada capacidade de bagunçar o cenário foi o de Lula, no 'Programa do Ratinho', dizendo que se Dilma não quiser se candidatar à reeleição ele assume o encargo. O fato detonou de vez o delicado equilíbrio que vinha sendo preservado entre o PT de Dilma e o PT de Lula, e a presidente passou a ser alertada para o fato de que Lula está tentando antecipar sua sucessão, embaralhando mais ainda as cartas partidárias.

A maioria de suas interferências mais atrapalhadas, do ponto de vista do PT, teve o PSB do governador pernambucano Eduardo Campos no meio da articulação, e todos os ventos nesse partido, seja em direção a Lula, seja a Dilma, correm para 2014.

O que houve ontem, com a troca de Erundina no cargo de vice de Haddad, por causa da aliança com Paulo Maluf, foi apenas mais um episódio em que o ex-presidente não mediu consequências porque agiu, como sempre, sem ater-se às mudanças nas condições do tempo e da temperatura.

Fora das eleições, o ex-presidente está sendo considerado também algoz de boa parte do PT, principalmente do que se encontra no governo, ao lado de Dilma, enquanto age para tentar salvar seus amigos. Criou a CPI para atrapalhar o julgamento do mensalão, mas pegou a Delta, de profunda parceria com o governo federal, que pode ser atingido. A CPI como manobra diversionista do maior escândalo de corrupção no governo petista não funcionou, mas teve efeito contrário ao apressar o julgamento que até então poderia 'descoincidir' do período eleitoral, evitando prejudicar o maior partido do país. Agora todos temem os resultados do julgamento no Supremo Tribunal Federal, principalmente com o partido em luta eleitoral. A condenação está sendo, como nunca o fora, muito considerada no PT

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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