domingo, 17 de fevereiro de 2013

Faxina étnica, faxina social (Roberto Beling)


O prefeito de Vitória resolveu radicalizar. Foi peremptório na afirmação:
"Não vou admitir morador de rua em Vitória. 
Nem na praça, nem debaixo da ponte, nem na calçada".
Assustador? Mais que assustador, CHOCANTE.
Afinal, Luciano Rezende é um político que tem origem na esquerda, foi militante dedicado do PT, integra os quados do PPS, partido de forte tradição democrática (o que diria Roberto Freire dessa frase?) e é genro do deputado Claudio Verezza, nome histórico da luta pelos direitos humanos no ES.
Esse discurso é reacionário, discriminador e preconceituoso. Retoma concepções racistas e higienistas  que vigoraram nos inícios do século passado.
Não é gratuito que militantes dos direitos humanos venham a campo, através das redes sociais, denunciar essa visão retrógrada e segregacionista com o bordão  de que "os ghettos de Vitória  são os ghettos de Varsóvia".
Essas histórias a gente sabe como começam, o problema é que não sabemos  como terminam. Vale lembrar aquela história de Pedro Aleixo sobre o "guarda da esquina".
Nesses desdobramentos temos histórias nada exemplares dessas "faxinas sociais", desde o recolhimento de mendigos e sua exportação para outras cidades ou devolução as cidades de origem até ações de extermínio de populações de rua.
Leitor voraz da revista O Cruzeiro nunca esqueci de uma célebre série de reportagens, publicadas nos início dos anos 60, sobre a matança de mendigos na antiga Cidade Maravilhosa, então Estado da Guanabara, durante o governo de Carlos Lacerda. A visão higienista e policialesca da questão social levou a uma política aparentemente "simples e definitiva": esquadrões policiais recolhiam os mendigos na madruga e os atiravam da ponte no Rio Guandu.
Naquele tempo existia na imprensa brasileira uma coisa chamada reportagem e os grandes repórteres que farejavam as notícias. Acho que Octávio Costa era  o nome do repórter que ousadamente trouxe a tona "Os crimes do rio Guandu", colocando na parede o governo de Carlos Lacerda. 
Era isso que queria dizer com essa coisa de que isso a gente sabe como começa mas não sabe o que pode ser produzido pelos "guardas de esquina".
Essa era a leitura que queria recomendar ao prefeito de Vitória. Mas como o livro é raro e as coleções de O Cruzeiro só são encontráveis na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, acabei encontrando o comentário de Fausto Barreira, publicado em 2009, sobre o filme "Topografia de um desnudo" (que confesso não conhecer, ao contrário do livro que ganhei de meu tio César Pinheiro, repórter de O Globo e amigo do autor) que se reporta aos fatos comentados acima.
Se o livro está fora do mercado, o filme  talvez seja acessível aos que conhecem os circuitos do cinema. Então se o prefeito não pode ler o livro que assista ao filme.
Abaixo, em homenagem a Andressa Veloso, reproduzo o artigo de Fausto Barreira: 

"Baseado em fatos reais, o filme desvenda um fato pouco conhecido: a ?Operação mata-mendigos?, que ocorreu no RJ entre 1962 e 1963. O filme, muito atual, mostra o governo, a imprensa e interesses imobiliários por trás dos assassinatos dos moradores de rua. Como se vê, a política de "higienização" das grandes cidades é antiga
Assisti numa sala pequena, no único horário da tarde, ao filme "Topografia de um Desnudo". O filme dirigido por Teresa Aguiar baseia-se numa peça de teatro do chileno Jorge Díaz e não teve nenhuma menção de críticos na grande imprensa. Trata-se da adaptação de uma peça de teatro e versa sobre o massacre de moradores de rua no governo de Carlos Lacerda (um dos líderes civis do golpe de 1964) entre os anos de 1962 e 1963.

Teresa Aguiar é diretora de teatro em Campinas. No final da década de 1970, assistiu a uma peça, em um festival universitário da Colômbia. Há vinte anos ela resolveu transformar a ideia da peça em um projeto de cinema e hoje, aos quase setenta anos, apresenta seu primeiro longa metragem: ?Topografia de um Desnudo?.

Rio de Janeiro, anos 1960. A cidade se prepara para receber a visita da rainha Elizabeth. Num clima de tensão social e política que antecede o golpe militar, uma jornalista investiga a morte de moradores de rua e se envolve num perigoso jogo de interesses. Baseado em fatos reais, desvenda um lado pouco conhecido da História: a ?Operação mata-mendigos?, que ocorreu no Rio de Janeiro entre 1962 e 1963 e um dos motivos era a necessidade de limpar a cidade para a visita da rainha.

No filme, a diretora expõe o intrincado jogo do governo do estado da Guanabara, de setores da imprensa e de especuladores imobiliários interessados em um grande empreendimento num lixão onde habitavam moradores de rua.Intercalando cenas realistas com imagens oníricas, Teresa Aguiar conseguiu criar um painel convincente das articulações e dos crimes da elite carioca, ao mesmo tempo em que soube dar muita humanidade aos personagens dos moradores de rua.

Com atores importantes como Lima Duarte, Gracindo Júnior e José de Abreu o filme foi massacrado. Segundo um dos poucos expectadores presentes na plateia, o qual participou das filmagens há alguns anos, o filme, nessa época, já estava sendo feito há dez anos e não conseguia nenhum patrocínio, apesar de ter sido aprovado pela Lei Rouanet. Vê-se por aí como funciona a censura do capital.

O filme é atualíssimo, pois mostra a gênese dos programas de "higienização" das grandes cidades brasileiras, que têm como expoentes Gilberto Kassab em São Paulo e Eduardo Paes no Rio de Janeiro, nos quais as populações pobres são expulsas de locais que interessam aos planos de "revitalização", ou seja, à especulação imibiliária.
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Pode-se assistir ao trailler do filme no You Tube. 

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