sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Um ano do governo Dilma (Alberto Carlos Almeida)

Os detratores de carteirinha vão dizer que a grande marca do primeiro ano do governo Dilma foi a enorme quantidade de escândalos de corrupção e o consequente recorde de queda de ministros. Os analistas chapa-branca vão afirmar que o PT é um celeiro de talentos e que a grande prova disso é o bom desempenho de uma presidente que nunca havia disputado uma eleição antes. Detratores e defensores têm ampla margem de manobra para falar o que quiserem porque, de um modo geral, só veem o que querem ver, ignoram os fatos que contrariam suas crenças e dão peso exagerado àquilo que está do lado de sua visão de mundo. Mais do que isso, com frequência não há um parâmetro de avaliação, não há uma métrica para se avaliar se o governo está indo bem ou não.

Governos considerados bons enquanto duraram podem deixar heranças ruins. É provável que vários governos de países europeus muito bem avaliados, tanto pela opinião pública, quanto por historiadores, tenham sido os responsáveis pela crise que o Velho Continente vive hoje. O inverso também acontece: governos que fazem ajustes são muitas vezes mal vistos por seus contemporâneos, mas deixam uma herança bendita que é colhida por seus sucessores.

No Brasil, espera-se muito de qualquer governo. A sociedade quer que o governo resolva todos os seus problemas e os políticos atendem a esse desejo prometendo de tudo. Uma das coisas mais absurdas é a promessa de verão de nossos prefeitos de cidades grandes de resolver o problema das enchentes. Não adianta exigir demais dos governos. Prometer muito em campanhas eleitorais é simples atendimento a uma demanda dos eleitores, a demanda por muitas promessas. Governos fazem poucas coisas. Ainda bem.

O critério minimalista de avaliação nos permite afirmar que os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso foram bons para o Brasil, tanto enquanto ele era presidente quanto na herança deixada. Pode-se criticar seu governo por não ter perseguido desde o início a meta de superávit primário, que foi estabelecida somente no segundo mandato. Não é possível ter tudo. Se Fernando Henrique tivesse buscado a austeridade fiscal desde o início, não teria feito as reformas que fez, pois a maioria necessária para isso dificilmente seria atingida em uma situação de contenção de gastos. Fernando Henrique reduziu a inflação, manteve-a contida e fez várias reformas importantes para que o país se tornasse viável. No critério minimalista, isto é, o sábio guia que indica que não devemos esperar muito de nenhum governo, Fernando Henrique foi um excelente presidente.

Lula teve que lidar com uma agenda diferente. Com se sabe, já há muito tempo a estabilidade da moeda não é tudo, mas tudo sem a estabilidade não é nada. Baixada a poeira da inflação elevada, o país começou a olhar outros problemas. Aquele que se sobressaiu foi o da desigualdade, pobreza e crise social. A política pública para enfrentar esses problemas foi o Bolsa Família. Lula domesticou o radicalismo do PT e manteve tudo que foi estabelecido no período de Fernando Henrique. Não foi pouca coisa. Isso permitiu que o Brasil aproveitasse a bonança internacional e tirasse da miséria milhões de pessoas. A classe "C" aumentou muito e demos mais um passo rumo a um mercado consumidor de massas. Lula também passa bem pelo critério minimalista de avaliação.

Aplicando-o ao governo Dilma em seu primeiro ano, é possível dizer que essa marinheira de primeira eleição saiu-se muito bem. O ano legislativo teve início com a aprovação do salário mínimo que o Poder Executivo queria e está terminando com a quase certeza de que a Desvinculação de Receitas da União será aprovada antes que ele se encerre. Dilma definiu uma meta de economia para o governo e, para aplauso do mercado financeiro, a está cumprindo. É bem possível que o superávit primário de 3,1%, ou um pouco menos, seja perseguido e cumprido em 2012. A política de austeridade fiscal, com o parêntesis motivado pela crise financeira de 2008 e a eleição de 2010, poderá alcançar em breve a longevidade de 16 anos. Não é pouca coisa quando nos recordamos de nosso histórico irresponsável, pré-governo Fernando Henrique, no que tange aos gastos públicos.

A domesticação do apetite gastador de deputados e senadores é fundamental para o bem-estar do país. Controlar gastos é o caminho viável e mais curto para a redução sustentável dos juros. Isso está sendo feito. Sob esse ponto de vista, Dilma teve, em 2011, um excelente desempenho. Todo governo pode fazer melhor, mas também poderia ser pior. No que tange aos gastos públicos, Dilma se esforçou para fazer o possível. Não que os gastos públicos tenham sido reduzidos, isso é raríssimo na democracia, mas as finanças retomaram o rumo do equilíbrio.

Os detratores de carteirinha têm insistido muito no tema da corrupção e queda de ministros. A mídia não tem ajudado a enfatizar que agora não se trata de denúncias vazias, mas de investigações judiciais que estão em andamento e são vazadas para a imprensa. Com o passar do tempo, as instituições judiciárias se tornarão cada vez mais ativas. Hoje, há mais investigações do que no passado e muito menos do que ocorrerá no futuro. Ao mesmo tempo, a escolaridade média da população vem aumentando e torna a população mais exigente no que diz respeito à questão da corrupção. Dilma apenas reagiu a essa macromudança.

Há uma velha geração de políticos saindo de cena, que foram socializados em um contexto de menor controle social e institucional contra a corrupção e que por isso mesmo foram pegos com a boca na botija. Lentamente, essa geração será substituída por políticos mais jovens, nascidos e criados sob a égide da lei da ficha limpa, do ativismo judicial e das ações do Ministério Público e da Polícia Federal. Estamos presenciando uma grande mudança, que independe deste ou daquele governo. Não pode ser, portanto, atribuído mérito ou demérito a Dilma nesse quesito.

A era Lula poderia ter sido diferente se José Dirceu não tivesse sido abatido pelo mensalão. É possível, igualmente, que o primeiro ano de Dilma pudesse ter sido diferente se Palocci não tivesse sido abatido por suas atividades de consultoria. O governo Dilma, aliás, como a grande maioria dos governos no Brasil e em qualquer outro país, não tem uma agenda de reformas modernizantes, uma agenda coerente que articule quatro ou cinco medidas que, se combinadas, levarão o país a outro patamar de desenvolvimento econômico e social. O mais próximo que se chegou dessa agenda estava na cabeça de Palocci. Sua queda sepultou qualquer chance de que uma agenda legislativa modernizante fosse levada à frente já em 2011.

Lula tem sido um dos maiores empreendedores (no sentido schumpeteriano) políticos do Brasil contemporâneo. Fundou um partido político e o fez crescer com enorme sucesso. É um símbolo e teve ao seu lado, sempre, uma ideologia. Dilma não tem essas características. Dilma sequer foi petista de primeira hora, parte importante de sua socialização política ocorreu dentro do PDT. Dilma entrou no partido fundado por Lula somente no século XXI. Isso, de alguma maneira, condiciona parte das diferenças que separam os dois. Dilma é menos petista que Lula.

O governo Lula foi o governo do social. Trata-se de uma marca do PT e de qualquer governo de centro-esquerda. Por isso, Dilma mantém essa marca. Mas ela agrega algo bem diferente, uma visão difusa de desenvolvimentismo. Em 2011 e provavelmente nos próximos anos, Dilma trará de volta à memória das pessoas mais velhas, daqueles que acompanham a política brasileira já há 30 anos, a agenda que em algum momento marcou parte do PMDB: a da busca incessante por mais desenvolvimento econômico. Dilma, em relação a Lula, significa uma inflexão em direção a mais pemedebismo e menos petismo.

Uma interpretação diferente para esse fenômeno é que não resta outro caminho para o PT, a não ser ir mais para o centro. Sendo isso verdade, nada melhor para o partido de Lula do que ter agora uma presidente oriunda de outra socialização política. O desenvolvimentismo de Dilma e do PT é liderado pelo Estado, pelo governo. Vimos isso no governo Lula e no primeiro ano de Dilma. Não será surpreendente se o que aconteceu em 2011 venha a se tornar a grande marca de Dilma até 2014.

Quanto à avaliação do governo pela opinião pública: 50% na soma de ótimo e bom é uma excelente avaliação.

Alberto Carlos Almeida, sociólogo e professor universitário, é autor de "A Cabeça do Brasileiro" e "O Dedo na Ferida: Menos Imposto, Mais Consumo".

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