sábado, 17 de dezembro de 2011

Olhando além da vontade política (Cláudio Gonçalves Couto)

É bom o desempenho da presidente Dilma no primeiro ano de seu mandato?

Ao avaliar-se o primeiro ano de uma Presidência, duas dimensões podem ser consideradas: o desempenho do governo (obra coletiva) ou o do chefe de governo (obra individual, sobretudo).

Digo "sobretudo" porque o desempenho pessoal de um presidente sujeita-se à atuação de consultores de imagem, assessores próximos, conselheiros íntimos etc. Pesquisa CNI-Ibope divulgada ontem evidencia que a população faz a distinção: enquanto 56% aprovam o governo, 72% aprovam a presidenta -superando os antecessores em igual período, desde FHC.

Só analisarei a atuação da presidenta, considerando três aspectos: (1) o perfil da liderança, (2) o contexto institucional e (3) o contexto econômico. Tornou-se lugar-comum comparar o recato de Dilma à exuberância de Lula. Se o recato fosse a contraparte da falta de carisma, seria uma desvantagem.

Todavia, Dilma aproveitou-se da característica, aparentando maior austeridade e severidade no trato da coisa pública, algo útil no enfrentamento da série de crises envolvendo ministros, abatidos um a um. Obteve ganhos de reputação (sobretudo entre os setores de altas renda e escolaridade, cansados do espalhafato lulista), acumulando fôlego político para restringir práticas predatórias de aliados e correligionários.

Como o presidencialismo de coalizão impõe custos e riscos, não era operação simples. Ao contrário do que preconiza certo moralismo voluntarista e ingênuo (se não dissimulado), é impossível governar o Brasil sem o apoio estável de 46% do Congresso, composto pelo conjunto dos partidos de adesão -que tem no PMDB a expressão mais significativa, mas compõe-se também de PR, PP e congêneres.

Também não seria possível renunciar à sustentação de "parceiros ideológicos" do partido da presidenta, como PDT e PC do B, que, não obstante a maior afinidade programática, incorreram nas mesmas práticas predatórias dos fisiológicos de direita.

É cinismo sugerir ao governante que busque se entender com a oposição para fazer avançar sua agenda. Fosse possível, não apenas Dilma e Lula teriam se entendido com PSDB e DEM, mas o governo FHC, liderado por esses partidos, teria abdicado de sua aliança com o PMDB de Sarney e com o PTB de Roberto Jefferson -o que não fez.

Diante das restrições, Dilma saiu-se bem: iniciou um processo de redução do espaço para a predação partidária do Estado, sem comprar todas as brigas de uma vez, o que inviabilizaria politicamente o governo. A rede de combate à corrupção tem se aprimorado no Brasil: no Executivo, com o reforço institucional da Polícia Federal e da Controladoria-Geral da União; no sistema de Justiça, com a consolidação de um Ministério Público independente e ativo; na sociedade, com uma imprensa plural e diligente.

Em tal cenário, o melhor que faz um presidente hábil é -sem assumir a quixotesca condição de algoz- deixar que as instituições de controle produzam seus efeitos para, na sequência, restringir o campo de atuação dos corruptos no governo. Ao que se nota, é isso o que Dilma tem feito.

Por fim, houve o agravamento da crise econômica internacional; a "marolinha" de Lula foi se tornando um tsunami. Tal situação restringe o espaço de manobra política, pois exige medidas fiscais duras, que reduzem os recursos orçamentários disponíveis para a transação política com os congressistas.

A presidenta não só logrou impor limites satisfatórios à liberação de verbas como deu condições ao Banco Central para iniciar uma quebra de paradigmas na gestão da política monetária -algo que sofreu muitas críticas dos acólitos "do mercado" de início, mas que se mostra cada vez mais uma decisão acertada.

Cláudio Gonçalves Couto, cientista político, é professor do curso de administração pública da FGV-SP e pesquisador do CNPq.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

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