terça-feira, 6 de dezembro de 2011

MOVIMENTO PELO PERDÃO DO GRILO FALANTE (Juca Magalhães)

Pra te falar a verdade eu nunca soube dizer direito onde e quando nasceu a minha implicância com Tom Zé, que, coitado, nem deve saber da minha gloriosa existência, aliás, melhor assim, porque não gosto da música do cara e pronto. Nunca ouvi nada dele que eu gostasse e não tenho a menor esperança que um dia ainda vá ouvir. O meu amigo Danny Boy é radical assim também, só que a implicância dele é muito pior do que a minha: ele odeia Milton Nascimento, tema muito mais robusto pra se arrumar confusão...

Lembrando agora, a minha implicância com o Tom Zé - que me fez ressalvar que ele era bem mais Zé do que Tom - pintou depois que vi o filme “Desconstruindo Tom Zé”, um exercício canhestro para tentar comprovar a genialidade do músico baiano. Fui ver o filme curioso para conhecer “seu trabalho” e contrariando qualquer expectativa óbvia o filme quase não tem música, a não ser uma sucessão de intervenções pseudo-intelectuais. Classifiquei o cara como “Zé” (ponto) e não pensei mais no assunto...

Quando convidado por Elaine Rowena para participar novamente do projeto Canto Solidário – que este ano homenageou a Tropicália – aceitei com a natural satisfação dos artistas revisitados, nem imaginei que o destino irônico ia justamente me brindar com a missão impossível de interpretar em pleno no Charles Ghomes uma música do “gênio de Irará”. O título era “São, São Paulo”. Pela cidade eu nem achei ruim (Saravá Jura Fernandes!), se eu tivesse que eleger uma segunda cidade no Brasil a terra da garoa seria a minha escolha, mas a música...

Comecei a ouvir e parei pela metade, fulo da vida! De cara percebi que o refrão baladinha era praticamente idêntico a um trecho da principal canção do musical A Noviça Rebelde (!) e que, para piorar, logo descambava para um ritmo nordestino cujo acento se entranhava em três longas estrofes carregadas de versos intencionalmente intrincados, um porre de se decorar. Joguei a toalha e comuniquei que não ia cantar “aquela porcaria”, mas Elaine e Aguilar me convenceram, alegando que as outras músicas eram tão difíceis quanto (ruins?) e que eu poderia transformar em hardcore (?).


A sugestão era até engraçada, mas eu sabia que não ia funcionar, entre outras razões, porque a banda de acompanhamento não era o Silence Means Death e eu não sou da família Cavalera. Numa espécie de Síndrome de Estocolmo, aprendi a música para, pelo menos, me preparar psicologicamente pros ensaios e acabei até quase gostando. Compartilhando de meu gosto musical e fãzona de Julie Andrews, aonde eu fosse cantando com o violão por dentro de casa minha mulher vinha atrás fechando as portas para não escutar. Sim, no dia do ensaio desabou um pé d’água medonho e o estúdio do Xuxinha fica pra lá de Itaparica em Vila Velha, região conhecida como “A Veneza Brasileira”. Dessa vez nadei e não morri na praia.

Chegou a hora do Show e eu naquela adrenalina típica, o cantor Marcos William me sacaneou dizendo que eu não precisava ficar tão tenso, mas também não era ele quem ia cantar Tom Zé, enquanto Jace Theodoro, no espírito do canto solidário, disse que quando ele não fica nervoso as coisas não rolam direito. Vinguei a galera do mal invertendo o refrão do Zé Irará para o da Noviça Rebelde, mas suspeito que o público nem percebeu. Ninguém conhecia a música, então só pra complementar o tanque, após os educados aplausos, saí do palco marchando e cantando: dó é pena de alguém, ré quem anda para trás...

Ah sim: e isso tudo fantasiado de Tropicália, tá? Peguei emprestada uma camisa estampada com o Grilo Falante que, aliás, está até agora sem falar comigo por conta de meu desrespeitoso artigo sobre sua incógnita pessoa. Preciso me desculpar, mas nem sei como, não é coisa fácil: a palavra é que nem pedra lançada, não volta. Ajudem amigos e leitores da Lektra, vamos fazer uma corrente positiva para o Grilo Falante me perdoar? Completei o “visual” com um velho chapéu de praia e enormes óculos de plástico azul que as crianças usam pra cantar “O Bom” nas apresentações do Coral.
Só fiquei mais tranqüilo quando, depois do espetáculo, encontrei meu amigo Antonio Ramos Barboza, Secretário de Cultura de Vila Velha, que tinha assistido tudo e ficou surpreso de saber que eu tinha feito parte da apresentação. Se ele não me reconheceu, corre o risco de ter passado batido pro resto do universo também, né? Até agora não vi nada no Youtube, não que eu tenha procurado, obviamente. Resumindo meu povo: quem viu, viu e quem não viu vai poder ver no dia 19 de janeiro quando o espetáculo será repetido. Chora Fender Stratocaster!

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