08 de julho de 2011
Antonio Gonçalves Filho – O Estado de S.Paulo
ENVIADO ESPECIAL / PARATY
A presença na 9.ª Flip da única mulher a receber em três séculos na Inglaterra o título de “poeta laureado” (o que lhe garante uma ajuda de US$ 10 mil anuais do governo britânico) poderia sugerir apenas simples curiosidade, ainda mais que nunca foi traduzida no Brasil, mas a poeta e dramaturga escocesa Carol Ann Duffy, de 56 anos, conquistou o público com a leitura de fragmentos sua obra mais recente, As Abelhas, que deverá ser publicada no segundo semestre na Inglaterra. Ao lado do também grande poeta e tradutor Paulo Henriques Britto, na mesa Lírica Crítica, mediada pela presidente da Flip, Liz Calder, ela selecionou poemas que resumem sua temática, particularmente o papel da mulher na sociedade patriarcal.
Em mais de uma ocasião, Carol Ann Duffy, parafraseando o comediante Lenny Bruce, lembrou que a pérola nasce do câncer da ostra, de seu atrito com a areia. Os poemas retirados de sua série The World”s Wife (1999), lidos por ela na Flip, constituem provas vigorosas desse conflito. No primeiro deles, Midas, ela fala da esposa do homem que transforma tudo o que toca em ouro, invertendo a moral fabular ao narrar o drama de sua mulher, separada do marido para não ser transformada também em objeto. Em Tirésias, o homem que mata cobras com seu cajado é punido pelos deuses e condenado a viver como mulher ao lado da esposa, maldizendo seu destino de fêmea. Dessa série, destaca-se o poema dedicado à mulher de Fausto, que finalmente descobre ter o marido enganado o Diabo, por ter trocado com ele algo que não tinha: alma.
Dois poemas sobre a morte da mãe da poeta, escritos há cinco anos, revelaram um lado menos irônico e mais sentimental de Carol Ann Duffy, o primeiro traçando uma correspondência analógica entre a estação em que isso aconteceu (o inverno) e a frieza do corpo que jaz na morgue. O segundo, mais curto, trata da longa noite de luto que não desaparece com a passagem do tempo.
Como poeta laureada, Carol Ann Duffy recebe encomendas oficiais (é dela o poema do casamento do príncipe William com Kate Middelton). Como já escreveu para congressos ecológicos, leu um fragmento de As Abelhas, que retoma um tema de Virgilio sobre as colmeias para denunciar o perigo de extinção das mesmas na China, onde já se empregam métodos de polinização artificial.
É evidente o contraste entre a poesia feminista da escocesa, cuja formação católica fica clara em seus poemas, e a força poética pós-existencialista de Paulo Henriques Britto, que leu poemas antigos e uma nova série. Britto é tradutor de poetas como Wallace Stevens e Elizabeth Bishop, além de Faulkner e Thomas Pynchon. Toda essa bagagem erudita aparece em poemas como Variações sobre Jim Morrison, lidas na mesa de ontem, que unem a tradição e a sintaxe pop. Já Carol Ann Duffy segue o caminho clássico, embora de uma maneira particular, usando palavras simples para tratar de temas complexos, como o materialismo do personagem Fausto.
Há também uma construção dramatúrgica nos poemas da escocesa, que é autora de peças como Cavern of Dreams (1984) e, mais recentemente, Casanova (2007). Bissexual assumida, a poeta já foi definida pela crítica como “ventríloqua”, por sua capacidade de se colocar no lugar de outras vozes silenciosas e silenciadas da sociedade.
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