O nosso transbordamento significa libertar-se de luta interna e canalizar energias para os sonhos que afloraram na campanha de Marina Silva
A crise do Partido Verde nos remete a uma reflexão mais profunda sobre o inglório destino dos partidos numa vida política dominada pela cultura cartorial-clientelista.
Aquele partido que se propunha portador de novas ideias e de novas formas de fazer política ora naufraga, ingloriamente, numa tragédia de erros quase caricatural, mas altamente emblemática daquilo que há de errado e anacrônico no fazer política brasileiro.
Embora possa haver entre nós nuances em relação ao "timing" da coisa, sou profundamente solidário com o gesto de Marina Silva em resposta ao tratamento ignóbil que recebeu por parte dos burocratas que controlam o partido como cartório de mediocridades patenteadas.
Negaram aquele mínimo de oxigênio democrático à coerência entre o funcionamento interno do partido e as suas ideias generosas para a sociedade.
Lidamos com três círculos sociais diferentes. O eleitorado e a opinião verde na sociedade, que não são todos os 20 milhões de votos de Marina Silva na eleição de 2010, mas parte considerável que se identifica com ecologia, sustentabilidade e cidadania.
O segundo é o dos militantes mobilizados ou mobilizáveis pela causa verde, suas lutas e projetos, que participam sem pertencer a uma estrutura partidária regular.
O terceiro -e minúsculo- circulo é aquele da burocracia partidária, da "copa & cozinha" do PV, em que se enfrentam idealismo e clientelismo, que optou pelo atraso com requintes de cegueira política suicida. É o espaço do cartório eleitoral, das capitanias hereditárias, da presidência por tempo indeterminado, quiçá vitalícia.
Nosso enfrentamento ocorreu nesse último e minúsculo círculo, mas que aparece na mídia e no establishment político como o institucional, o que vale, não obstante a patética falta de representatividade eleitoral ou de conteúdo.
Nossa resposta será esquecê-los em sua redoma, abandoná-los aos seus conchavos e partir em busca daqueles dois outros círculos maiores: o dos ativistas das causas verdes e de cidadania e o dos eleitores que confiaram a Marina Silva seus votos não apenas como uma personalidade carismática, mas como portadora de esperança para uma política diferenciada.
Nosso movimento dos verdes e da cidadania vai se estruturar capilarmente em todo o país, a partir de bairros, cidades, regiões, locais de trabalho, estudo, congregação, movimentos e lutas afins, com apoio dos meios digitais hoje disponíveis, das estruturas em rede, democráticas e inclusivas, que a maioria da cúpula do PV negou-se tão enfaticamente a experimentar.
Não será, a princípio, um partido político, pois formar um partido agora, apressadamente, seria se expor a mais do mesmo.
Não desejamos caracterizar nossa ação como mais um "racha" típico de partido, embora possa assim parecer. Foi mais um transbordamento de uma estrutura apequenada, que não soube nem quis assimilar o potencial extraordinário gerado pelos 20 milhões de votos conquistados em outubro de 2010.
Nosso movimento continuará a ajudar e a apoiar quadros e candidaturas, no PV e em outros partidos, com os quais possamos estabelecer vínculos programáticos claros e laços de confiança e afinidade.
Nosso transbordamento significa simplesmente libertar-se de uma luta interna desgastante, sem perspectivas, para poder canalizar energias para os sonhos, os propósitos e as expectativas que afloraram tão intensamente na campanha de Marina Silva, no ano passado, e dos quais não podemos descuidar ao focar no cartório em detrimento da sociedade. Pois rumo a ela transbordamos.
ALFREDO SIRKIS, 60, jornalista e escritor, é deputado federal pelo PV-RJ e autor dos livros "O Efeito Marina" e "Os Carbonários", entre outras obras.
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