Os eleitores de centro ficaram órfãos nas eleições presidenciais de 2018. A intensa polarização que caracterizou a campanha entre petistas, num extremo, e antipetistas, em outro, reduziu drasticamente as chances de candidatos centristas.
Entretanto, o resultado eleitoral desastroso talvez não tenha retirado o poder dos partidos de centro de influenciar decisivamente na formulação e definição de políticas públicas, especialmente no Legislativo. Em presidencialismos multipartidários, caso brasileiro, partidos de centro têm a oportunidade de exercer o papel de legislador mediano; ou seja, ocupar a posição pivô no processo de decisão de políticas públicas.
Nesses sistemas, parece haver necessidade de uma âncora, especialmente quando a legislatura é altamente fragmentada. Na ausência dessa âncora política, um sistema teria uma chance maior de se tornar polarizado e, portanto, disfuncional. Supondo que um objeto com grande massa tende a atrair gravitacionalmente objetos menores, essa âncora mediana em ambiente fragmentado evitaria muita concentração de poder num ou em ambos os extremos do espectro ideológico, diminuindo assim a polarização ideológica e potenciais problemas de governabilidade.
No limite, a existência de um partido do legislador mediano é a razão pela qual o sistema presidencialista se torna viável. Assim como a criação da matéria se deve à atração gravitacional entre os objetos, partidos centristas do tipo legislador mediano impedem que dois partidos grandes e ideologicamente opostos atraiam e suguem as siglas menores, pois estas não teriam força de resistir às pressões dos partidos polarizados sem a existência de uma massa mediana que equilibre o sistema.
Portanto, para se proteger, um sistema multipartidário tenderia a gerar tais partidos medianos centristas. Em vez de desencorajar a criação de novos partidos, como um sistema majoritário (comum nos EUA) normalmente faz, o sistema proporcional, através da figura do legislador mediano, fornece incentivos para novas partes se desenvolverem com o objetivo de ocupar essa posição estratégica e de pivô no sistema político e partidário.
Muito raramente o partido do presidente consegue sozinho sair das eleições com a maioria de cadeiras no Legislativo. Para governar livre da condição desfavorável de minoria, o presidente terá que montar coalizões pós-eleitorais. Para tanto, vai necessitar de partidos dispostos a apoiá-lo fazendo parte da sua coalizão. Os candidatos naturais para essa tarefa coadjuvante são justamente os legisladores medianos de perfil centrista.
Por outro lado, partidos que miram a trajetória legislativa tendem a apresentar um perfil ideologicamente mais fluido. Isso, justamente, é o que atribui flexibilidade a esses partidos para que exerçam o papel de âncora em uma coalizão presidencial, independentemente do perfil ideológico do presidente. Quanto mais ideológicas são as legendas, menor a capacidade de exercerem o papel de mediano, amortecendo os conflitos e evitando saídas extremas ou polarizadas.
A vitória do polo conservador em 2018 — com uma agenda política ambiciosa, mas com uma estratégia de governar sem uma coalizão majoritária e estável — tem gerado muitas dúvidas sobre a efetividade do novo governo em aprovar reformas. Diante dessas incertezas, partidos de centro, como o PSDB, DEM e PSD (ou uma possível fusão entre eles), podem justamente atuar qualificando as políticas públicas evitando saídas radicais que possam se distanciar da preferência mediana do Congresso.
Portanto, eleitores simpáticos a partidos centristas e suas agendas políticas não radicais não precisam se desesperar, pois mesmo sem serem eleitoralmente vitoriosos à Presidência, tais legendas são fundamentais para o funcionamento do jogo de forma equilibrada. Um bom exemplo é a reforma da Previdência. Talvez não tenha sido por acaso que o deputado Samuel Moreira (PSDB-SP) foi justamente o escolhido para ser o relator da reforma da Previdência. Na legislatura atual é o PSDB que ocupa exatamente a posição de legislador mediano; ou seja, a posição que melhor espelharia a preferência agregada de todos os legisladores.
(*) Carlos Pereira é professor da FGV/Ebape
O Globo/15 de maio de 2019
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