O presidente Bolsonaro não é um político de direita tradicional, como o seu homólogo argentino Mauricio Macri ou o chileno Sebastián Piñera, que respeitam e atuam conforme as regras do jogo democrático.
É, ao revés, um espécime rústico de um gênero de políticos autoritários, a quem os estudiosos denominam populistas e que se caracterizam pela aversão ao pluralismo e às liberdades próprias das democracias contemporâneas.
No poder, os populistas desqualificam e perseguem os opositores, investem contra a liberdade de imprensa, tratam de controlar o Legislativo e de extinguir a autonomia do Judiciário, minando assim os alicerces do sistema democrático.
Que ninguém se engane. Como ele se jactou mais de uma vez, Bolsonaro veio para destruir “isso daí” —e “isso daí” nada mais é do que a democracia com compromisso social, inscrita na Constituição de 1988. Assim fará, se puder. Mas, em política, a capacidade de fazer sempre prevalece sobre as intenções.
Estas são clamorosas; aquela estará sujeita à força combinada dos freios sociais e institucionais que venham a se contrapor à intenção de jogar por terra o que se construiu nas últimas décadas.
Apesar da vitória eleitoral por maioria folgada, pesquisas de opinião parecem indicar que o bolsonarismo de raiz, identificado com os valores e propostas do chefe, constitui um contingente significativo, porém bem menor que o dos brasileiros que nele votaram sem concordar necessariamente com as suas mais extremadas —vá lá a palavra— ideias.
Sem esquecer que, da experiência de construção democrática no país, nasceu uma multiplicidade de organizações e redes —reais ou virtuais— de ativistas que se ocupam da defesa de direitos dos múltiplos grupos identitários da sociedade. (Elas existem também à direita e são destinatárias privilegiadas das mensagens do presidente e de sua prole).
Por fim, há uma imprensa plural que, embora predominantemente conservadora, não é por natureza oficialista.
Do lado dos freios institucionais, cabe lembrar que a estrutura federativa do Estado; o multipartidarismo; um Congresso fragmentado no qual a maioria situacionista nunca é dada, mas tem que ser construída; e os poderes ampliados das instituições que formam o sistema de Justiça se traduzem em robustos diques de contenção às tentações hegemônicas do Executivo.
Nada disso, decerto, garante que a democracia não venha a ser corroída, aos poucos, por um governo avesso aos seus princípios e valores, respaldado por interesses poderosos e indiferentes ao Estado de Direito.
Essa é a batalha da hora.
(*) Maria Hermínia Tavares de Almeida, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
Folha de S. Paulo/9 de maio de 2019
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