quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Dr; Roncalli e a seleção para agente prisional

"Secretário e presos estão em lista de aprovados para agente prisional no ES".

Na sequência dessa manchete que deixou o ES perplexo, o Dr. Roncalli declarou a Tribuna (coloco entre aspas para ninguém dizer que inventei): "Eu serei chamado para a próxima etapa, que é de comprovação dos títulos e não serei aprovado, pois não tenho as qualificações".

Agora, eu, embasbacado e perplexo, pergunto: esse senhor que confessa não ter qualificação para ser um agente penitenciário vai ter qualificação para ser Secretário e gestor do sistema prisional do Estado?

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

A LIÇÃO CARIOCA (Kleber Galvêas)

Em 1978, com entrevistas e exposição de pinturas na Sede Comunitária da Barra do Jucu, procurei chamar a atenção para a agonizante mata do Jussará, hoje bairro habitado chamado Ilha da Jussara. Esta mata fixada sobre um conjunto de ilhas, em área alagada, ficou preservada de incêndios ao longo dos séculos. Nesse ambiente com árvores e samambaias gigantes, diversos tipos de bromélias, orquídeas e animais, foi onde conheci tagibebuia, samuma, sumaré e o chupati,: o menor marsupial do Brasil.

O Jussará foi loteado. Em pouco tempo as árvores foram cortadas, as samambaias transformadas em xaxins, a terra vegetal e areia pirateadas, drenaram e aterraram. Não sobrou vestígio do que era.

Com a morte do Jussará, me interessei por Jacaranema. Com o apoio da Banda de Congo da Barra conseguimos que a Prefeitura de Vila Velha desapropriasse e o Governo do Estado tombasse Jacaranema. Ações confirmadas várias vezes, pois o governo ainda não cumpriu a sua parte indenizando o proprietário, como manda a Lei, para que o local seja público de fato.

No princípio da década de 1980, no Conselho Estadual de Cultura, fui escolhido relator do processo de Tombamento da Igreja de Viana. Tentei proteger seu entorno impedindo a ocupação da única Praça da Cidade. Naquele ano, loteamento aprovado pela prefeitura permitia a construção de doze imóveis naquela Praça: um da igreja, um da prefeitura, e os demais particulares.

Na década de 1990, portanto 100 anos após a ocupação de Copacabana, que possui ruas largas e várias praças, tentei influir na ocupação da Praia da Costa expondo pinturas e publicando textos. Ela lamentavelmente ficou com paredões a beira mar, sombras extensas na praia, ruas estreitas e sem nenhuma praça.

Na década de 2000, com a instalação artística “Praça é praça, não?” (veja em www.galveas.com/atividades), que consistiu em panfletagem e pinturas em telas emolduradas e fixadas no tapume da obra, então só iniciada, tentei impedir a ocupação da Praça Principal de Vila Velha, com a construção do prédio “Titanic”.

Na década de 2010, foi a vez do Cais das Artes, apelidado de “Masmorrão”. Tentei mostrar a impropriedade do local escolhido para sua construção, na Praça do Papa, em Vitória. O projeto volumoso do arquiteto que não foi premiado no Espírito Santo, pois aqui não houve concurso, está sendo edificado em área pública muito menor do que o Aterro do Flamengo.

No Rio, ambiente cultural mais independente e progressista, cariocas expulsaram de sobre as águas da Lagoa Rodrigo de Freitas uma gigantesca aranha de ferro, que a artista contemporânea Tomie Ohtake, ali havia instalado.

Aqui na província, enquanto mentalidades tacanhas se impressionam com nomes, títulos alienígenas e aceitam passivamente essas violências na ocupação de espaços públicos em áreas congestionadas; no Rio, Élio Gaspari (A Gazeta, 27/11/2011) denuncia o uso do “aríete Niemeyer para arrombar o Aterro do Flamengo, com a construção de uma casa de espetáculos com três mil lugares”.

Se quisermos preservar traços da nossa identidade e uma razoável qualidade de vida em nossas cidades, temos que valorizar o bem comum e aprender a reagir, como fazem os nossos vizinhos cariocas.

Que a minha coleção de fracassos em propostas ambientais seja um apelo ao bom senso dos governantes dos três poderes, sindicatos e associações de classes, universidades, mídia; e que estimule a soma de esforços na preservação de nossos valores e na construção de um lugar agradável para vivermos.

domingo, 27 de novembro de 2011

O vazio da oposição (Renato Lessa)

Se a vida é dura fora da coalizão de governo, pode ser pior para quem não consegue dizer a que vem

Não parece ser fácil, nos dias que correm, exercer oposição no Brasil. O ex-PFL morre à míngua e o PSDB ocupa-se, tempo integral, de suas fraturas internas. A não ser que aceitemos a proposição de que as dificuldades da oposição são o simétrico oposto das virtudes do governo, há algo a examinar. Áulicos empedernidos, por certo, sempre podem brandir tanto a certeza genérica de que a excelência do governo é mortal para a oposição quanto a certeza específica de que é esse o caso em questão. Afinal, um país em marcha batida para seu aperfeiçoamento infrene e para a consolidação de sua excelência política e institucional, no fundo, dispensaria a própria operação da oposição.

Se recusarmos o embarque nessa teodiceia política, cabe-nos considerar e/ou desconsiderar outras hipóteses. Desde já, a oposição não poderá contar, em seu arsenal de lamúrias, com a desculpa rota de que seu exercício sofre algum tipo de restrição ou impedimento. Grassa no País irrestrito direito de organização e expressão. Nesse particular, o STF, em boa hora, garantiu o direito de expressão dos que defendem a legalização da maconha. Não imagino que tal prerrogativa - o direito de expressão - possa ser negada aos próceres da oposição se e quando tiverem algo a dizer ao País. A violência policial corre solta, mas incide sobre as vítimas habituais. Não dá para imaginar José Serra ou Tasso Jereissati presos e encapuzados após dizerem ao País qual é o programa alternativo do PSDB para a sociedade brasileira.

Não só desfruta a oposição de um ambiente de irrestrita liberdade de organização e de expressão, como conta com boa vontade de veículos de imprensa que, imagino, não se furtariam em vocalizar teses da oposição a respeito de como deve ser o País. Mais apropriado seria considerar que, se supomos que o exercício da oposição implica, entre outras coisas, tornar menos fácil a vida dos governos, a verdadeira e diuturna oposição no Brasil corrente se faz em casa, no próprio âmago do governo. As dificuldades da oposição formal poderiam, com maior plausibilidade, ser interpretadas como afetadas por uma espécie de concorrência desleal: exerce hoje oposição o grupo ou partido que, estando na base do governo, faz valer o usufruto de seu quinhão por meio de sua capacidade de chantagem e retaliação. Futuros dicionários de ciência política não fariam mal em considerar tal variante, em um possível verbete intitulado "oposição".

Em 2010, o PSDB realizou façanha de razoável monta. Seu candidato à Presidência da República, José Serra - em disputa contra a então candidata Dilma Rousseff, apoiada na figura pública de maior popularidade em toda a história republicana brasileira -, amealhou 43% dos votos válidos no segundo turno. Venceu nas regiões Sul e Centro-Oeste e no Estado de São Paulo. O partido foi ainda vitorioso em oito governos estaduais, incluindo São Paulo e Minas Gerais. É de se perguntar o que o PSDB tem dito aos 44 milhões de eleitores que sufragaram José Serra. Que versão alternativa de país o partido tem apresentado, para além da esgrima da política diária e da opção pela lavagem ética como bandeira maior? Se é possível falar em estelionato eleitoral quando um governo eleito viola de forma explícita expectativas que suscitou no eleitorado, é mesmo o caso de admitir uma variante específica para o caso de oposições absenteístas.

O fato é que o PIB político do País anda raquítico em termos do que poderíamos designar como cultura de oposição. Ao se fazer governo, a partir de 2003, o PT deixou vago o posto antes ocupado por uma oposição a um só tempo política, social e com tinturas programáticas. Sua passagem para o exercício do governo implicou a desativação de operadores importantes que sustentavam o vigor da oposição exercida. Movimentos sociais e vida associativa inscrevem-se hoje em uma lógica que é muito mais governamental e estatal do que ligada ao que em tempos antigos se denominava "sociedade civil". A cultura de oposição do PT desapareceu e deu passagem a uma cultura de governo, com todos os riscos e possibilidades que isso representa. Em outros termos, o PT perdeu a montante - ímpeto oposicionista - e ganhou a jusante - simplesmente, o governo.

Nascido de um rompante de oposição ao governo Sarney, o PSDB, de fins do consulado celerado eleito em 1989 até 2002, constituiu-se como um partido assentado em uma cultura de governo. Foi sucedido por um governo que se apoiou em várias das inovações básicas introduzidas pelo consulado tucano, a elas acrescentando tanto aperfeiçoamentos como aloprações. Em seu DNA, o componente oposicionista - capaz de associar peso político, base social e consistência de programa - é menos evidente do que o esforço de conceber reformas e mudança "de dentro" do sistema de poder. Na rua, fica um tanto à míngua - como Alckmin a tomar o pior cafezinho do planeta, no Bar Amarelinho, no Rio de Janeiro, em 2002 (tive nesse dia a certeza de que iria perder) -, sobretudo quando não consegue distinguir-se programaticamente do que se lhe sucedeu. Em termos sucintos, o PSDB perdeu a montante - o governo - e parece ter nada ganho a jusante - capacidade de, como oposição, oferecer ao País um desenho alternativo. Do jeito que está, o PSDB corre o risco de reduzir-se a um partido estadualizado e, como tal, vulnerável às assimetrias do federalismo à brasileira - que faz dos governadores "parceiros" compulsórios da presidente - e incapaz de honrar os 44 milhões de votos nacionais amealhados em 2010.

A vida é dura para os que subsistem fora da grande coalizão que governa a República. Mas pode ser ainda pior para quem não consegue dizer a que vem.

Renato Lessa é professor titular de Teoria Política da Universidade Federal Fluminense, Investigador Associado do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa

FONTE: ALIÁS / O ESTADO DE S. PAULO

sábado, 26 de novembro de 2011

Marx, a obra e seu mundo (Cyro Andrade)

Era o ano de 1883. "Em 14 de março, 15 para as 3 da tarde, o maior pensador vivo cessou de pensar." Foram essas as palavras pesarosas com que Friedrich Engels iniciou sua fala no funeral de Karl Marx, encontrado morto três dias antes. Cerca de dez pessoas estavam presentes no cemitério de Highgate, em Londres, informava a edição do dia 22 do "Der Sozialdemokrat", órgão do Partido Social-Democrata alemão. Em nome das ideias de Marx, no entanto, fizeram-se revoluções - a começar pela de 1917, na Rússia, onde nasceu então o primeiro regime socialista do mundo. Essa face institucional da criação política de Lênin e seus aliados bolcheviques iria extinguir-se em 1991, quando a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas deixou formalmente de existir. Passados 20 anos desse esfacelamento de um sonho comunista, que se completam em 31 de dezembro, as últimas palavras de Engels à beira do túmulo de Marx, 128 anos atrás, soam absolutamente verdadeiras: "Seu nome atravessará os tempos, como também sua obra".

E assim foi, embora as ideias de Marx - e de Engels, seu amigo e parceiro intelectual -, acabassem por se tornar, para muitos, mera referência para estudos acadêmicos de interessados em revolver baús da teoria econômica comunista ou da aplicação do socialismo dito científico - searas em que não faltariam registros de insucessos desastrosos.

Contudo, a permanência do marxismo como método de análise e interpretação da vida em sociedade é um fato de todos os dias, ainda que submetido aos rigores, pelo lado dos antimarxistas, de uma crítica que vai da desqualificação intelectual ao mero desdém. Enfim, o pensamento de Marx, e de Engels, continua a atrair a atenção de estudiosos de filosofia, política, sociologia, economia, antropologia. E a fidelidade ideológica ainda reúne muita gente em torno dele, no mundo todo. Isso, embora sua obra, para quem o vê apenas como um nome por trás de uma utopia que teve a validade vencida quando a União Soviética se desfez, tenha se esvaído como uma espécie de inutilidade histórica. Essa será, porém, uma simplificação. Pois não há como negar que Marx foi um dos mais importantes pensadores do século XIX.

"Marx e Engels mostraram que sua teoria investigava a realidade da época e apontava para uma direção que poderia mudar com a história"

Como argumenta o economista Ricardo de Mendonça Lima Tolipan em "A Ironia na História do Pensamento Econômico", (Ipea - 1990), teria deixado de haver razões para "nos prevenirmos contra uma leitura de Marx que acaba por criticá-lo. Pelo contrário, talvez o seu discurso esteja afinal paralisado por mais de um século de leituras de 'boa vontade', um discurso inutilizado por leituras sectárias, dogmatizado pela necessidade de atacá-lo ou defendê-lo. Quem sabe se numa estratégia menos maniqueísta de leitura não esteja sua possibilidade futura?"

A obra de Marx continuaria, então, aberta a interpretações e, quem sabe, a futuros reencontros com a realidade concreta. Fique-se com a possibilidade de novas leituras, literalmente, das inúmeras páginas que escreveu - no mínimo em tentativas para compreender o que ele diz, campo minado em que geralmente se perdem as melhores intenções de esclarecimento.

Raymond Aron passou décadas estudando a obra de Marx, doutrina que, dizia, tem uma qualidade raramente encontrada no mesmo grau entre outros pensadores: pode ser acuradamente explicada em cinco minutos, cinco horas, cinco anos, ou em meio século. Também permitiria, esse saber de formidáveis dimensões e alcance intelectual, que pesquisadores dediquem sua vida a tentar compreender o que Marx queria dizer, afinal, e acabem na autoindulgência de uma "semiconfissão de ignorância" ("O Marxismo de Marx", Arx, 2005).

Marx e Engels preocupavam-se com o uso que a posteridade faria de suas ideias. Mary Gabriel, autora de "Love and Capital - Karl and Jenny Marx and the Birth of a Revolution" (publicado pela Little Brown, nos Estados Unidos, e a ser publicado no Brasil pela Zahar em 2012), mencionou, em entrevista ao Valor, carta em que Engels fala sobre esses cuidados a um amigo, em 1853. "Os receios de que experimentos políticos baseados nas ideias deles pudessem ser conduzidos de forma apressada soam como se ele previsse as interpretações equivocadas das ideias de Marx que se fariam no século XX - afinal, fracassadas. Mas Engels diz que ele e Marx estariam protegidos de acusações de serem brutos e estúpidos porque se teriam documentado em sua literatura. Penso que isso é muito importante para nós, hoje. Não deveríamos ler interpretações de Marx e Engels, mas deveríamos ler Marx e Engels eles mesmos, para chegar à mais exata compreensão de suas ideias." Sempre, claro, dentro do possível.

Neta de avô russo emigrado da União Soviética para os Estados Unidos, Mary ouvia falar de Marx e suas ideias ainda na infância e se lembra de leituras do "Manifesto Comunista". Mas não é nem comunista, nem marxista, diz. "O único 'ismo' que tem a ver comigo é o de jornalismo" (ela foi editora da Reuters por mais de 20 anos, antes de se dedicar à literatura).

Mary escreveu o livro, "uma biografia de Marx e sua família", sem pretender esclarecer qualquer aspecto da teoria do filósofo. Quis, apenas (e o faz com bom material de pesquisa e senso de contextualização) "apresentar os leitores ao homem e à sua vida pessoal, de modo que fôssemos todos ajudados a ter noção adequada do lugar onde suas ideias eram produzidas [sua casa, sua família] e como sua própria vida as afetava. Acredito que, compreendendo-se o homem Marx, seja mais fácil compreender o teórico Marx."

Historiador inglês procura demonstrar que desapareceram todas as condições para se encontrar o comunismo em sua feição característica

Seja qual for a profundidade da leitura que se faça da obra de Marx, será preciso ter em mente que ele foi um homem de sua época, sujeito a todas as influências de seu tempo, observa Fernando Magalhães, professor do programa de pós-graduação em filosofia da Universidade Federal de Pernambuco (autor de "10 Lições sobre Marx" - Vozes, 2009). Isso não o teria eximido de assumir responsabilidades inerentes à expressão pública de seu pensamento. "Os intelectuais são responsáveis por aquilo que dizem. Se alguém não explica claramente o que falou, suas ideias podem ser apropriadas de várias formas". Contudo, "ninguém tem o direito de fazer o que quiser com suas palavras".

Então, pode-se discutir como seria a transformação do mundo pretendida por Marx, isto é, como se daria a revolução que, ele imaginava, faria o capitalismo sucumbir - se pacífica ou violenta. Contudo, pondera Magalhães, afirmar, por exemplo, que Marx aceitaria a permanência do capitalismo se o sistema proporcionasse "trabalho e justiça para todos" já não seria uma interpretação, mas uma "falsificação" uma "criação", um "erro grosseiro". Marx não via alternativa: o capitalismo deveria desaparecer.

A leitura pode ser dogmática. "Aí, o autor se transforma em um mito ou num deus", adverte Magalhães, "tem-se uma espécie de leitura hagiográfica, tudo que ele falou está correto. Existem correntes marxistas que ainda acreditam nisso e Marx não teria se equivocado em nada. Mas tanto ele como Engels mostraram que sua teoria era a exposição de um processo em movimento. Investigava a realidade [da época] e apontava para uma direção, que poderia mudar, dependendo dos rumos tomados pela história" (o texto exemplar disso, recomenda Magalhães, está na introdução de Engels a 'As Lutas de Classes na França', de Marx).

E há a leitura dos "marxistas mais lúcidos, que, embora considerem o marxismo uma teoria não só útil, mas inteiramente válida para entender o capitalismo, reconhecem que, apesar de ainda ser o principal instrumento para compreender a realidade, não é a única a ser aplicada, em função de todas as transformações operadas no interior do próprio sistema capitalista". Seria apenas coincidência, pergunta Magalhães a esse propósito, que as crises continuem a ocorrer e que os próprios empresários e capitalistas tentem compreender como Marx previu tais crises com tanta antecedência?

Mal-entendidos, seja qual for a cor das lentes que se coloquem sobre os escritos de Marx, tanto podem ser de boa-fé ou ideologicamente propositais. Nesta categoria estaria a responsabilização de Marx por tudo de mau que ocorreu na extinta União Soviética. Magalhães faz a observação e recomenda a leitura do livro "Marx (sem ismos)", do espanhol Francisco Fernandez Buey (editora da UFRJ, 2004), no qual se lê, assinala, que "as interpretações apressadas condenam Marx por tudo que ocorreu na URSS, mas ninguém condena Cristo, ou mesmo a "Bíblia", pela Inquisição. Não é lá que está escrito 'à bruxa não deixarás viver'? Ou o "compelle intrare", que se encontra no Evangelho, com a proposta de trazer os fiéis de volta à casa pela força? Mas aí - ah, não, é diferente! Interpretaram mal o que o livro quer dizer. Mas Marx não se interpreta mal."

Para efeitos práticos, contudo, já não haveria utilidade em remexer no que Marx disse ou deixou de dizer. Em livro agora publicado no Brasil ("Ascensão e Queda do Comunismo" - Record, 2011), o cientista político e historiador inglês Archie Brown faz a completa demolição da mais ínfima perspectiva de ressurreição do sistema que, imaginaram Marx e Engels, se sobreporia ao capitalismo. O que acabou foi o comunismo, desmilinguido na prática e envelhecido na teoria.

Marx e Engels preocupavam-se com leituras equivocadas de suas ideias no futuro - e por isso se documentavam, escrevendo

"Se até certo ponto ainda faz sentido descrever como comunista o maior e mais importante dos Estados ainda governados por um partido comunista", diz Brown, "é por que a China mantém plenamente o monopólio do poder do partido e a organização estritamente hierárquica e a disciplina associadas ao "centralismo democrático". De muitas maneiras, porém, a China é hoje um sistema híbrido. Sua economia se afastou tanto da ortodoxia comunista que tem sido descrita como um exemplo de "capitalismo de partido-Estado".

Brown chega à constatação da sucumbência do comunismo, na atualidade e nas possibilidades de ser encontrado em algum lugar no futuro, por considerar que características essenciais do sistema foram se afastando mais e mais da realidade visível em qualquer parte do mundo (com a exceção talvez da Coreia do Norte). Essas peculiaridades seriam as seguintes:

Monopólio do poder mantido pelo partido comunista. "Na época de Stalin, isso era conhecido como "a ditadura do proletariado", já que se entendia como um axioma que o partido representava os interesses e a verdadeira vontade do proletariado. No período pós-Stalin, principalmente a partir do início dos anos 1960, o termo oficial mais comum era "o papel da liderança do partido", em vez de ditadura do proletariado.

Centralismo democrático. "Teoricamente, significava que podia haver uma discussão de questões - o componente "democrático" - até que se chegasse a uma decisão. A partir daí, a decisão dos principais órgãos do partido era obrigatória e tinha que ser implementada de maneira estritamente disciplinada.

Posse não capitalista dos meios de produção (ou sua posse estatal ou social), condição à qual se liga uma quarta, o domínio de uma economia de comando, em oposição a uma economia de mercado.

Propósito declarado de construir o comunismo como objetivo final e legitimador. "Em termos de política cotidiana, isso era claramente muito menos importante do que o papel de liderança do partido ou o centralismo democrático. Era, porém, uma característica que diferenciava os sistemas comunistas dos regimes totalitários e autoritários, bem como dos países governados por partidos socialistas do tipo social-democrata. Tinha um lugar importante na ideologia oficial, embora não tivesse importância prática imediata."

Existência de um movimento comunista internacional e o senso de pertencer a ele. "A existência desse movimento era de grande importância ideológica. Era o suposto internacionalismo do comunismo que atraía muitos de seus adeptos."

"Das seis características, são as duas últimas que desapareceram mais completamente", observa Brown. O movimento comunista internacional tinha sede em Moscou, embora a China de Mao tenha representado um polo de atração alternativo. "Esse movimento transnacional acabou, e também a aspiração de construir uma sociedade comunista. Apesar da retórica de ter o comunismo como objetivo, nenhum partido comunista governante ainda enfatiza sequer em teoria o movimento em direção a uma sociedade sem Estado, a fase culminante e 'inevitável' do desenvolvimento humano, conforme imaginado por Marx."

Magalhães não vê um quadro como o sugerido por Brown, pronto e acabado. "Apesar de ter escrito no século XIX, as linhas gerais [ressalva que ele sublinha] da teoria de Marx permanecem válidas. Marx fez uma análise da anatomia do capitalismo e, não obstante as muitas revoluções, entre aspas, pelas quais o capitalismo passou, seus problemas de fundo não foram solucionados. A desigualdade entre as pessoas e entre os países, a alienação, a relação trabalho/capital, tudo se mantém no interior do capitalismo atual."

Para Magalhães, o "espectro de Marx" de que falava Jacques Derrida anda por aí, nas praças das manifestações de revolta popular, nas marchas contra a corrupção, na crítica à discriminação racial e social, até no combate à homofobia. "Um espectro não morre. Acho que este é o segredo de Marx. Ele viu o lado científico da história, mas também se empolgou com o pathos, a paixão que move as massas. Acho que é por isso que ele está vivo e sempre retorna quando volta a crise."

O próprio Marx fala em "espectro", aquele de um "falso comunismo". Suas palavras: "Estou a um passo da morte e temo pelo que virá, temo pelo que será feito em nome de minhas ideias e pelo que não será possível fazer. Certa vez, disseram-me que, na França, um partido político dizia-se marxista, e eu retruquei de imediato: 'Eu, pelo menos, não sou marxista'."

Marx era, contudo, um benevolente: "Minha obra permanecerá, usem-na como quiserem, mas eu sei que meu objetivo - a análise do funcionamento do modo de produção capitalista - foi apenas iniciado, e meu universo teórico demanda e aceita contribuições e adendos, aceita até as supressões que o avanço no conhecimento exige de qualquer modelo teórico".

É o que se lê em "O Manuscrito Secreto de Marx" (Casarão do Verbo, 2011), do jornalista, escritor e economista Armando Avena, uma visão romanceada da obra e da vida de Marx - tentativa interessante de suavizar, para o leitor comum, o caminho das pedras de quem pretende compreender o gênio, ainda que pelas margens.

FONTE: EU&FIM DE SEMANA, JORNAL VALOR ECONÔMICO, 25 /11 2011

A soma de todos os nossos malfeitos (Marco Aurélio Nogueira)

Não seria preciso arder uma nova fogueira em Brasília - a do ministro do Trabalho, Carlos Lupi - para que a corrupção voltasse às manchetes. Não haveria como retornar ao primeiro plano algo que dele não sai há anos.

A primeira reação de quem se incomoda com a corrupção é apontar um culpado. Culpados, evidentemente, existem. Ninguém que esteja numa função de responsabilidade deixa passar como rotina certos procedimentos explosivos que deslocam a tomada de decisões para a beira do precipício. Governar ou administrar são operações delicadas e quem vacila no cumprimento das obrigações e abre espaços para lobistas inescrupulosos, parentes vorazes, protegidos e amigos, ou deseja testar os limites da legalidade, não pode merecer perdão. Por bem menos muitos cidadãos são presos ou têm a vida reduzida a pó. Não há ingênuos na alta administração, muito menos anjos. Todos sabem distribuir favores, castigos e recompensas com a mesma desenvoltura. Ninguém rasga dinheiro, assina cheque em branco e pode alegar ter sido enganado. Porém, se sempre há culpados, nem sempre é fácil descobri-los ou atribuir as devidas responsabilidades na cadeia de comando da corrupção. Punições exemplares e cortes de cabeças coroadas são importantes, mas não desmontam esquemas.

A corrupção pode derrubar governos ou atrapalhar a sua atuação. É uma arma de todas as oposições. Isso acaba por fazer as denúncias e apurações ficarem envoltas numa névoa de suspeita. Serão os fatos aqueles mesmo ou tudo não passa de armação para desgastar o governo? Como as coisas hoje vêm a público de modo espetacular e ganham rápida difusão graças aos circuitos midiáticos, sempre haverá alguém para dizer que a "grande mídia golpista" está por trás dos escândalos. Tal tipo de acusação faz parte do jogo e ajuda a que muita gente reflua da luta anticorrupção por receio de ser confundida com os adversários de seu partido ou representante.

Corruptos e corruptores são malvistos. A petulância, a desfaçatez e a arrogância deles agridem a ética do cidadão comum, embora possam ser assimiladas pela ética dos políticos. Irritam e intimidam as pessoas que procuram seguir com a vida tanto quanto possível longe de atritos com a legalidade. Quando a corrupção surge na esfera governamental e na política, o efeito é ainda pior, pois as pessoas tendem a perder a confiança que algum dia depositaram em seus representantes, transferindo isso para todo o sistema representativo. Não é por acaso que a presidente Dilma cresce em prestígio quando afasta ministros suspeitos de atos ilícitos ou indignos. Perderá pontos se os acobertar, permanecer indiferente ou paralisada diante deles. A ética do cidadão comum manifesta-se invariavelmente misturada com lampejos moralistas, podendo chegar mesmo a ser inteiramente comida por eles. Pode-se atacar a corrupção de um ponto de vista ético, político, econômico ou moral, cada um com seu mérito. É insensato, por exemplo, fazer como o ex-deputado José Dirceu, que dias atrás etiquetou as atuais denúncias de corrupção como "campanha moralista". O que teria desejado dizer com isso? Que não é correto pensar a corrupção pelo registro do bom e do mau, do certo e do errado, ou que o correto seria interpretar certos desvios de conduta como sendo inevitáveis em quem tem responsabilidades governamentais?

Se quisermos descobrir como e por que a corrupção ressurge sem cessar, teremos de cortar mais fundo, ir além da caça aos culpados. A corrupção anda de braços dados com a desmoralização da política, dos políticos e de seus partidos. Nunca como hoje a classe política foi tão ruim, nunca os partidos foram tão frouxos e desorientados, nunca a política foi tão improdutiva. Na melhor das hipóteses, as pessoas esperam resultados dos governos em sentido estrito, do Poder Executivo, que costuma emergir cercado de pompa, inflado de expectativas e disfarçado de "vítima" de subordinados incompetentes e interesses poderosos. Um círculo, assim, se fecha: a má qualidade da política fornece oxigênio para a corrupção e dificulta o combate a ela.

Mas não se trata só de má qualidade dos representantes. Políticos despreparados e sem visão social abrangente, tanto quanto corruptos e corruptores pendurados na administração pública, são impulsionados por defeitos sistêmicos. Nosso "presidencialismo de coalizão", por exemplo, é parte importante do problema. Sem coalizões os governos não governam; mas com elas, encharcadas que estão de interesses fisiológicos, ficam expostos a muitos malfeitos e dissonâncias, têm de carregar peso desnecessário e perdem coerência e unidade de ação. Embalada e protegida por esse sistema, a corrupção reproduz-se, governo após governo.

Por fim, há um fator que deriva da época. Sendo verdade que passamos a viver de modo mais rápido, individualizado e fora de controle, inseridos em redes e estruturas cortadas por riscos e crises permanentes, então ficou mais difícil controlar o que quer que seja. A corrupção adquiriu "vida própria", atingindo áreas e pessoas antes tidas como inatingíveis. Também cresceu a percepção social dela, o que a torna ainda mais intolerável.

Isso não significa que sejamos impotentes perante esse problema, que se alimenta de hábitos seculares, bebe em muitas fontes e afeta tanto o setor público quanto o privado. Não poderemos, porém, eliminá-lo pela raiz se o reduzirmos à responsabilização pessoal ou acharmos que a solução virá da mera (e difícil) mobilização da sociedade civil. Avanços consistentes dependerão de múltiplas ações combinadas e só alçarão voo sustentável se estiverem articulados com uma perspectiva reformadora e democrática do Estado e da política que, entre outras coisas, ajude a República brasileira a se tornar efetivamente republicana.

Marcos Aurélio Nogueira, professor Titular de Teoria Política do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da UNESP

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

A hora dos calhordas (Kenneth Maxwell )

Discorrendo sobre suas experiências durante a histeria anticomunista do começo dos anos 50 nos EUA, a escritora Lillian Hellman descreveu o período como "a hora dos calhordas". A definição se aplica com igual precisão à atmosfera do Reino Unido no período, quando Alan Turing, um dos mais brilhantes cientistas do século 20, matou-se em 1954, aos 41 anos.

Turing era homossexual. Foi condenado sob a Criminal Amendment Act, uma lei de 1885 que permitia processos contra homens envolvidos em atos homossexuais realizados em espaços públicos ou privados. Foi essa a lei sob a qual Oscar Wilde foi condenado em 1895. Em 1952, 1,6 mil homens foram acusados de crimes sob essa legislação homófoba.

Alan Turing, professor na Universidade de Manchester, foi prestar queixa à polícia sobre o roubo do relógio. Admitiu aos policiais que tinha relacionamentos homossexuais. Foi-lhe oferecida uma escolha entre prisão ou castração química. Escolheu a segunda.

Em 2009, o então primeiro-ministro Gordon Brown apresentou desculpas públicas pelo tratamento do governo britânico a Turing. "Lamentamos muito", disse Brown. "Você merecia muito mais."

De fato, merecia. Em função da lei dos segredos oficiais, Turing não teve reconhecimento público por sua contribuição fundamental à vitória aliada na Segunda Guerra Mundial.

Ele liderava uma equipe em Bletchley Park, o sigiloso centro britânico de decodificação, e criou a máquina eletromecânica usada para determinar a posição dos rotores dos codificadores mecânicos alemães conhecidos como Enigma. Isso permitia que os britânicos lessem os códigos alemães.

Mas a elite britânica abandonou Turing quando ele foi acusado de "obscenidade grave". O matemático recebia injeções semanais do hormônio feminino estrógeno, para suprimir seus desejos homossexuais, e isso causou definhamento de seus testículos e o surgimento de seios. Ironicamente, essas grotescas injeções ocorreram menos de dez anos depois da queda do regime nazista, sob o qual médicos conduziam experiências de utilidade igualmente dúbia contra vítimas indefesas.

Turing foi um estudante excêntrico em Cambridge e Princeton. Em 1946, desenvolveu a ideia de um sistema automatizado de computação, o primeiro projeto de um computador moderno. Em 1952, publicou um estudo sobre a morfogênese, processo biológico que determina a distribuição espacial de células durante o desenvolvimento embriônico de um organismo, trabalho essencial para a descoberta do DNA. Ele foi um dos pensadores mais originais do século 20.

Mas sua história também revela as consequências trágicas do preconceito cego.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

Secos e molhados

Para aqueles que a cada denúncia ou revelação de "malfeitos" só conseguem enxergar a "conspiração da imprensa golpista", fica aqui a velha máxima do mestre Millôr Fernandes: “Jornalismo é exercício de oposição, o resto são secos e molhados”.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Comissão da 1/2 verdade (Marcelo Rubens Paiva)

Minha irmã Vera foi convidada para falar na cerimônia de instalação da Comissão da Verdade.
No Palácio do Planalto, com a presença de Dilma e ministros da Justiça, Casa Civil, secretária de Direitos Humanos, não a chamaram para discursar. Aos 45 minutos do segundo tempo cancelaram seu discurso por pressão dos militares.
Começamos bem mal esta histórica comissão.
O que eles temem tanto escutar?
Abaixo, a carta de desabafo da minha irmã.

“Segue as anotações da minha fala que foi cancelada, segundo os jornais de hoje, por pressão dos militares. Assim começa muito mal…

Não fui desconvidada, simplesmente não falei! A minha volta diziam que a Pres. Dilma tinha que viajar e encurtaram a cerimônia, que alguém tinha falado um tempo a mais. Sai para uma reunião na UNB, ainda emocionada com o carinho que dispensou aos familiares e ex-presos políticos, um a um.

Agora entendo o pedido de desculpas da Ministra Maria do Rosário.

Sexta-feira, 18 de Novembro de 2011, 11:00. Palácio do Planalto, Brasília.

Excelentíssima Sra. Presidenta Dilma, querida ministra dos Direitos Humanos Maria do Rosário. Demais ministros presentes. Senhores representantes do Congresso Nacional, das Forças Armadas. Caríssimos ex-presos políticos e familiares de desaparecidos aqui presentes, tanto tempo nessa luta.

Agradecemos a honra, meu filho João Paiva Avelino e eu, filha e neto de Rubens Paiva, de estarmos aqui presenciando esse momento histórico e, dentre as centenas de famílias de mortos e desaparecidos, de milhares de adolescentes, mulheres e homens presos e torturados durante o regime militar, o privilégio de poder falar.

Ao enfrentar a verdade sobre esse período, ao impedir que violações contra direitos humanos de qualquer espécie permaneçam sob sigilo, estamos mais perto de enfrentar a herança que ainda assombra a vida cotidiana dos brasileiros. Não falo apenas do cotidiano das famílias marcadas pelo período de exceção. Incontáveis famílias ainda hoje, em 2011, sofrem em todo o Brasil com prisões arbitrárias, seqüestros, humilhação e a tortura. Sem advogado de defesa, sem fiança. Não é isso que está em todos os jornais e na televisão quase todo dia, denunciando, por exemplo, como se deturpa a retomada da cidadania nos morros do Rio de Janeiro? Inúmeros dados indicam que especialmente brasileiros mais pobres e mais pretos, ou interpretados como homossexuais, ainda são cotidianamente agredidos sem defesa nas ruas, ou são presos arbitrariamente, sem direito ao respeito, sem garantia de seus direitos mais básicos à não discriminação e a integridade física e moral que a Declaração dos Direitos Humanos consagrou na ONU depois dos horrores do nazismo em 1948.

Isso tudo continua acontecendo, Excelentíssima Presidenta. Continua acontecendo pela ação de pessoas que desrespeitam sua obrigação constitucional e perpetuam ações herdeiras do estado de exceção que vivemos de modo acirrado de 1964 a 1988.

O respeito aos direitos humanos, o respeito democrático à diferença de opiniões assim como a construção da paz se constrói todo dia e a cada geração! Todos, civis e militares, devemos compromissos com sua sustentação.

Nossa história familiar é uma entre tantas registradas em livros e exposições. Aqui em Brasília a exposição sobre o calvário de Frei Tito pode ser mais uma lição sobre o período que se deve investigar.

Em Março desse ano, na inauguração da exposição sobre meu pai no Congresso Nacional, ressaltei que há exatos 40 anos o tínhamos visto pela última vez. Rubens Paiva que foi um combativo líder estudantil na luta “Pelo Petróleo é Nosso”, depois engenheiro construtor de Brasília, depois deputado eleito pelo povo, cassado e exilado em 1964. Em 1971 era um bem sucedido engenheiro, democrata preocupado com o seu país e pai de 5 filhos. Foi preso em casa quando voltava da praia, feliz por ter jogado vôlei e poder almoçar com sua família em um feriado. Intimado, foi dirigindo seu carro, cujo recibo de entrega dias depois é a única prova de que foi preso. Minha mãe, dedicada mãe de família, foi presa no dia seguinte, com minha irmã de 15 anos. Ficaram dias no DOI-CODI, um dos cenário de horror naqueles tempos. Revi minha irmã com a alma partida e minha mãe esquálida. De quartel em quartel, gabinete em gabinete passou anos a fio tentando encontrá-lo, ou pelo menos ter noticias. Nenhuma noticia.

Apenas na inauguração da exposição em São Paulo, 40 anos depois, fizemos pela primeira vez um Memorial onde juntamos família e amigos para honrar sua memória. Descobrimos que a data em que cada um de nós decidiu que Rubens Paiva tinha morrido variava muito, meses e anos diferentes…Aceitar que ele tinha sido assassinado, era matá-lo mais uma vez.

Essa cicatriz fica menos dolorida hoje, diante de mais um passo para que nada disso se repita, para que o Brasil consolide sua democracia e um caminho para a paz.

Excelentíssima Presidenta: temos muitas coisas em comum, além das marcas na alma do período de exceção e de sermos mulheres, mãe, funcionária pública. Compartilhamos os direitos humanos como referência ética e para as políticas públicas para o Brasil. Também com 19 anos me envolvi com movimentos de jovens que queriam mudar o pais. Enquanto esperava essa cerimônia começar, preparando o que ia falar, lembrava de como essa mobilização começou. Na diretoria do recém fundado DCE-Livre da USP, Alexandre Vanucci Leme, um dos jovens colegas da USP sacrificados pela ditadura, ajudei a organizar a 1a mobilização nas ruas desde o AI-5, contra prisões arbitrárias de colegas presos e pela anistia aos presos políticos. Era maio de 1977 e até sermos parados pelas bombas do Coronel Erasmo Dias, andávamos pacificamente pelas ruas do centro distribuindo uma carta aberta a população cuja palavra de ordem era

HOJE, CONSENTE QUEM CALA.

Acho essa carta absolutamente adequada para expressar nosso desejo hoje, no ato que sanciona a Comissão da Verdade. Para esclarecer de fato o que aconteceu nos chamados anos de chumbo, quem calar consentirá, não é mesmo?

Se a Comissão da Verdade não tiver autonomia e soberania para investigar, e uma grande equipe que a auxilie em seu trabalho, estaremos consentindo. Consentindo, quero ressaltar, seremos cúmplices do sofrimento de milhares de famílias ainda afetadas por essa herança de horror que agora não está apoiada em leis de exceção, mas segue inquestionada nos fatos.

A nossa carta de 1977, publicada na primeira página do jornal o Estado de São Paulo no dia seguinte, expressava a indignação juvenil com a falta de democracia e justiça social, que seguem nos desafiando. O Brasil foi o último país a encerrar o período de escravidão, os recentes dados do IBGE confirmam que continuamos uma país rico, mas absurdamente desigual… Hoje somos o último país a, muito timidamente mas com esperança, começar a fazer o que outros países que viveram ditaduras no mesmo período fizeram. Somos cobrados pela ONU, pelos organismos internacionais e até pela Revista Economist, a avançar nesse processo. Todos concordam que re-estabelecer a verdade e preservar a memória não é revanchismo, que responsáveis pela barbárie sejam julgadas, com o direito a defesa que os presos políticos nunca tiveram, é fundamental para que os torturadores de hoje não se sintam impunes para impedir a paz e a justiça de todo dia. Chile e Argentina já o fizeram, a África do Sul deu um exemplo magnífico de como enfrentar a verdade e resgatar a memória. Para que anos de chumbo não se repitam, para que cada geração a valorize.

Termino insistindo que a DEMOCRACIA SE CONSTRÓI E RECONSTRÓI A CADA DIA. Deve ser valorizada e reconstruída a CADA GERAÇÃO.

E que hoje, quem cala, consente, mais uma vez.

Obrigada.

Depois de saber que fui impedida de falar ontem, lembro de um texto de meu irmão Marcelo Paiva em sua coluna, dirigida aos militares:

“Vocês pertencem a uma nova geração de generais, almirantes, tenentes-brigadeiros. Eram jovens durante a ditadura (…)Por que não limpar a fama da corporação?
Não se comparem a eles. Não devem nada a eles, que sujaram o nome das Forças Armadas. Vocês devem seguir uma tradição que nos honra, garantiu a República, o fim da ditadura de Getúlio, depois de combater os nazistas, e que hoje lidera a campanha no Haiti.”

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Sem maniqueísmo (Luiz Eduardo Soares)

Para as UPPs terem futuro, será preciso exorcizar a retórica mascarada do bem contra o mal e refundar as polícias do Rio

A retórica ufanista e o moralismo simplificador do bem contra o mal, ainda comum na mídia, sobretudo carioca, não ajudam a entender a unidade de fundo entre crime e polícia, cuja lógica explica o drama da insegurança no Rio de Janeiro. O que se ganha na demagogia política dos símbolos, perde-se em acuidade analítica.

Em 1997, dois representantes colombianos do cartel de Cali vieram ao Rio de Janeiro para um encontro clandestino com dois empresários atuantes no comércio de cocaína — um brasileiro, outro sul-africano. O objetivo era avaliar as perspectivas desse ramo de negócios na cidade. Vieram estimulados pelo reconhecimento de que o mercado dava sinais de prosperidade e seu futuro parecia promissor, sobretudo face ao aumento do poder de consumo da classe média, nos novos tempos de estabilização e crescimento inaugurados pelo Plano Real. Calcularam custos e benefícios, e, finalmente, desistiram. Concluiram que seria inviável organizar uma estrutura de distribuição economicamente racional, em grande escala, à semelhança da rede que funcionava na Europa, abastecida por transporte marítimo, via Inglaterra. O obstáculo no Rio era o faccionalismo dos grupos armados, cuja irracionalidade era agravada pelo envolvimento policial. Tudo isso gerava instabilidade e imprevisibilidade: péssimo ambiente para investimentos. Passaram uma noite no antigo templo da prostituição turística carioca, a boate Help, e voltaram para casa, frustrados e exauridos — por motivos diferentes.

O episódio ilustra um aspecto frequentemente negligenciado: o modelo de organização e operação do tráfico de drogas no Rio sempre foi irracional e tenderia a tornar-se insustentável. É muito caro manter controle armado e ostensivo sobre territórios e populações, dividindo lucros com policiais. Exercer esse controle exige a organização de equipes numerosas, disciplinadas, hierarquizadas, dispostas a assumir riscos extremos. Os benefícios podem ser obtidos com muito menos gastos e riscos, quando se opera com estruturas leves, adotando-se vendas por delivery ou por agentes nômades, circulando em áreas selecionadas — como ocorre nas grandes cidades dos países centrais.

As UPPs — ótimo programa, sem dúvida necessário —, ao sepultarem o antigo regime, induzem, paradoxalmente, a modernização da economia do tráfico. Não o digo para criticar o programa, vale sublinhar, mas para analisar suas condições de possibilidade, seus efeitos e suas perspectivas futuras. Até porque essa modernização, considerando-se a inviabilidade de extinguir o negócio das drogas, será benéfica, reduzindo as armas em circulação e a violência, além do despotismo a que são submetidas tantas comunidades.

O modelo tradicional do tráfico é fruto de uma história bastante peculiar e não o resultado de um plano de negócios ou de um projeto “político”. A geografia social da cidade já situava, nos anos 1960 e 70, enclaves de pobreza, as favelas, no coração de zonas afluentes. O abandono das áreas pobres por parte do Estado favorecia seu uso como depósito de mercadorias ilegais e esconderijo para os operadores do tráfico no varejo. A contiguidade espacial permitia que os consumidores das camadas médias fossem alcançados sem dificuldades. Graças à aliança com segmentos policiais, a venda de drogas acabou por estabelecer-se nas próprias favelas, em pontos de venda fixos, as “bocas”, de conhecimento público. Inaugurava-se, assim, uma das únicas experiências duradouras de comércio sedentário e varejista de produtos ilícitos em zonas urbanas do mundo industrializado. Observe-se que desde sua origem o sistema dependia, naquilo que tinha de singular e distintivo, da participação policial.

Para garantir a continuidade dos negócios, tornou-se necessário proteger a “boca”, assegurando o livre trânsito de mercadorias e clientes. As armas, o recrutamento de equipes, sua organização à moda militar e o treinamento adequado converteram-se em vantagens competitivas. A consequência inevitável foi o controle de territórios e populações, exercido pela combinação perversa entre a intimidação pela força e a subordinação de tipo clientelista — padrão já incorporado à cultura local por décadas de tutela política.

Choques de interesses, disputas de poder e caprichos histórico-biográficos ensejaram a formação de três polos agregadores e antagônicos, em cujas órbitas passaram a gravitar os grupos de traficantes. Ordenavam-se, portanto, as rivalidades, fortalecendo-se, simultaneamente, a coesão interna de cada comando e as respectivas identidades. A relevância prioritária do armamento impôs-se nesse contexto, gerando uma curiosa e nefasta autonomização da economia das armas, cujo resultado foi a existência de mais armas e mais poderosas do que seria necessário para o uso rotineiro. O estoque excessivo de armas — ao instaurar uma capacidade “produtiva” ociosa — animou o desenvolvimento de práticas de aluguel e leasing, entre outras, em condições baratas e acessíveis, o que terminou por universalizar o emprego da arma de fogo, inclusive na prática de crimes menores contra o patrimônio, tradicionalmente perpetrados sem esse recurso — convertendo-os em potenciais crimes contra a vida e, por essa mediação, reproduzindo em escala ampliada a espiral da violência. Lembremo-nos que o Bope, em meados da década de 1990, deixou de aceitar rendição e fazer prisioneiros, o que também contribuiu para que traficantes intensificassem o investimento em armas e na cooptação de militares para a formação de seus quadros.

As histórias da crescente ingovernabilidade policial e do tráfico articulam-se, desde a origem. Não podem ser compreendidas separadamente. Nunca houve tráfico de armas e drogas, no Rio, dada sua natureza sedentária e territorializada, sem ativa participação de segmentos policiais, os quais se emancipavam do controle institucional, social e governamental, em função de vários fatores, entre os quais o modelo policial legado pela ditadura, refratário à governança racional, legalista e democrática.

Nesse contexto, as UPPs, retomando experiências anteriores (os mutirões pela paz, em 1999, e os GPAEs, entre 2000 e 2002), constituem um caminho mais do que promissor, indispensável. Elas substituem as incursões bélicas em que morriam suspeitos, inocentes das comunidades e policiais, sem que nada mudasse. Sua novidade: a provisão nas favelas do serviço público, que é a segurança, 24 horas, nos moldes oferecidos aos bairros nobres, isto é, com respeito às leis e aos direitos humanos. Nada de mais. Entretanto, decisivo, uma vez que a presença policial constante e legalista impede o controle do território por parte de grupos armados e permite que o Estado atue, cumprindo seu dever nas áreas de saúde, educação, saneamento, urbanização, transporte, etc.

Qual o desafio? Transformar o programa em política pública, ou seja, dotá-lo de universalidade e sustentabilidade, o que exige o envolvimento do conjunto das instituições policiais em sua aplicação. No Rio, não há esta hipótese, tal o nível de comprometimento das polícias com o tráfico, as milícias e a criminalidade em geral. Portanto, sem a refundação das polícias não haverá futuro para as UPPs. Elas se limitarão a intervenções tópicas, insuficientes para mudar o panorama geral da segurança pública e continuarão a conviver com nichos policiais, milicianos ou não, que têm sido fonte de violência e não instrumentos da ordem cidadã e democrática. No Rio, é preciso exorcizar a retórica tão patética quanto mascaradora do bem contra o mal e inscrever a mudança das polícias no centro da agenda pública.

Luiz Eduardo Soares É ex-secretário nacional de Segurança Pública e autor de Justiça (Nova Fronteira)

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO / ALIÁS

'O PDT é um partido sem alma' (entrevista Marly da Silva Motta/FGV)

Para pesquisadora, partido foi 'comido' de um lado pelo PT e de outro pelo PMDB

LUCIANA NUNES LEAL / RIO - O Estado de S.Paulo

Enfraquecido pelas denúncias de fraudes nos contratos de ONGs com o Ministério do Trabalho, que ocupa desde 2007, e dividido quanto à permanência do ministro Carlos Lupi no governo, o PDT nasceu há 31 anos como tentativa de "modernização" do trabalhismo de Getúlio Vargas, mas esbarrou nas velhas marcas da centralização e dos líderes absolutos. Viu o PT assumir o domínio do movimento sindical e, em 2004, com a morte de seu fundador, Leonel Brizola, perdeu ainda mais a identidade. "É um partido sem alma", define a historiadora Marly da Silva Motta, do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Para a pesquisadora, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva entregou ao PDT um Ministério do Trabalho totalmente esvaziado, característica que se mantém no governo de Dilma Rousseff. Segundo ela, seja qual for o destino de Lupi, "o tranco é muito grande" para o partido.

Entre a criação do PDT por Brizola, em 1980, e as recentes denúncias no Ministério do Trabalho, o que ainda existe do trabalhismo brasileiro?

Uma das características mais interessantes da redemocratização era o que fazer com a herança trabalhista da República democrática de 1946 a 1964. Era uma herança disputada por correntes políticas que englobavam setores variados, o que, aliás, foi uma característica do trabalhismo: mantinha um perfil ideológico afinado com a esquerda, mas tinha muitos seguidores diferentes. Há interpretações e depoimentos que dizem que, ao contrário do que imaginamos, Brizola não queria o PTB. Ele queria incorporar às bandeiras tradicionais do trabalhismo - carteira de trabalho, férias remuneradas, CLT - valores mais modernos. Dar uma nova cara ao trabalhismo do PTB. Brizola se apresentou como vítima (quando perdeu a legenda para Ivete Vargas), mas não achou ruim se livrar um pouco da parentela Vargas, que era a marca do trabalhismo. Quis incorporar uma nova marca, o PDT, só que tinha de enfrentar as urnas. E a tradição de competição eleitoral trazida do trabalhismo era dos grandes líderes, de puxadores de voto.

O PDT acabou marcado por esse domínio de um grande líder. Por quê?

Os limites da modernidade esbarraram na visão personalista, carismática, centralizadora, que era a marca do antigo PTB. Brizola talvez seja o exemplo máximo, mas era uma geração formada nessa visão. Quando passou a olhar a possibilidade da Presidência, que Brizola sempre teve em mente, o PT foi na direção da capilaridade, para entrar, via Igreja e movimentos sociais, no interior do País e em outras regiões. O PDT não fez. Provavelmente essa terá sido a grande diferença do projeto nacional do PT que deu certo e do fracasso do PDT. Brizola buscou sustentação nos grandes centros.

E o PT tinha base no movimento sindical. Foi o maior prejuízo para o PDT?

Brizola teve enormes dificuldades com o movimento sindical organizado. Subestimou a entrada do PT. Achava que ia ser recebido de braços abertos pela tradição trabalhista e foi surpreendido. E o PT acabou se apoderando da base sindical. Em certo momento (no fim dos anos 80), começou a haver uma dissensão no PDT entre os velhos trabalhistas e o grupo com uma visão mais modernizadora, com representação não apenas pela via partidária, mas pela via dos movimentos sociais. O trabalhismo passou a ser associado ao que era velho. E os grupos do PDT mais ligados a movimentos sociais, como Saturnino Braga, se afastaram.

E como Lupi emerge no partido?

Acho que veio por esse viés da tradição trabalhista. Centralizador, pessoa simples, o jeito do povo. Brizola não tinha instrumentos políticos para aglutinar tendências diferentes. Ao contrário do Lula, Brizola não soube conciliar, conviver. Resultado: o grupo socialista saiu do PDT e ficaram os trabalhistas que não tinham acesso a outros partidos.

Se não fosse a proximidade com Brizola, Lupi teria destaque no PDT?

Na União Soviética, tinha um termo, apparatchik, para aqueles quadros que não têm muita cultura, mas circulam em torno dos grandes líderes. Boris Yeltsin era um apparatchik. Lupi se aproxima do lado do PDT formado por pessoas que não se expressam bem, não têm fervor ideológico e, nessa condição, é um bom membro partidário, organizador, extremamente fiel a Brizola. Faz lembrar o papel do Gregório (Fortunato, chefe da guarda pessoal de Vargas) com o Getúlio. Ele penteava o cabelo de Getúlio e chegou a ser influente na era Vargas. Quando o PDT foi perdendo expressão, permaneceram, de um lado, pessoas como Miro Teixeira, que tem atuação independente e eleitorado próprio, e de outro ascenderam pessoas como o Lupi. Se a gente olhar por um lado, foi uma democratização do partido. É uma pessoa de pouca instrução, que não conhece muito bem as regras do comportamento político, que choca.

O fato de ser presidente do PDT foi decisivo para Lupi chegar ao Ministério do Trabalho?

A verdade é que a questão do trabalho não é decidida no Ministério do Trabalho. As grandes discussões trabalhistas passam por outras instâncias do governo e pela relação direta entre Lula e as lideranças sindicais. Lula botou o PDT no Ministério do Trabalho porque é um partido de tradição trabalhista, o Lupi tem esse perfil, supostamente é afinado com os pobres, com a classe C. Mas as decisões não passam pelo ministério. O ministério acaba ficando nesse jogo de ONGs, de capacitação de trabalhadores. Certamente se isso (as denúncias) acontecesse no governo Lula, não daria em nada. Lula logo ia dizer que era preconceito, que estavam batendo no Lupi porque ele é pobre, porque fala mal, porque é feio. O problema não é esse. Acho que esse caso está tendo repercussão porque Lupi é o sétimo (ministro a cair, se deixar o ministério). Se fosse o primeiro, em um estalar de dedos teria saído, porque ele não tem força no PDT.

Mesmo sendo o presidente licenciado do partido?

Você tem claramente dois PDTs, que continuam uma tendência que vem desde sua formação. Quando Brizola morreu e não havia substituto, o espaço começou a ser articulado por um tipo de liderança como o Lupi, que não veio pelo carisma.

Que futuro imagina para o PDT?

Acho que vai ficar como o DEM. O PFL perdeu o nome e perdeu a alma. O PDT manteve o nome, mas perdeu a alma.

sábado, 19 de novembro de 2011

A Era Lula, segundo Werneck Vianna

Luiz Werneck Vianna. A modernização sem o moderno. Análises de conjuntura na era Lula. Brasília/ Rio de Janeiro: Fundação Astrojildo Pereira/ Editora Contraponto, 2011. 191p.

Este livro — uma coletânea de artigos de conjuntura — trata do sentido verdadeiro do segundo mandato de Lula e da política brasileira nos últimos anos. Um leitor cético e inteligente logo dirá que não existe na política — o reino por excelência das coisas humanas — um “sentido verdadeiro” para os fatos, eles mesmos submetidos à incontrolável e flutuante força das versões e das opiniões, sem as quais a própria democracia não existe. E que é impossível, inútil e suspeito, a busca de um ponto de vista externo e superior, capaz de iluminar, com o despótico poder da verdade, a ordem subjacente ao caos aparente dos eventos e acontecimentos da política. A pretensão da verdade anula aquilo que a política tem de mais humano e produtivo: a nossa capacidade de imaginar, fantasiar e inventar, pela ação, a nossa própria liberdade e o nosso destino, ainda que levando em conta constrangimentos de natureza vária. A ilusão da verdade, diria ainda este inteligente leitor, é politicamente conservadora, ao dissociar a nossa vontade e o mundo, oferecendo-nos uma versão fatalista da vida. A verdade da política, e sobretudo de uma democracia política, reside na nossa capacidade de viver e explorar o seu único fato irremediável: o de que não existe a verdade, mas possibilidades, e a disputa constante pela opinião de todos.

É por concordar integralmente com o leitor que reafirmo este livro de Luiz Werneck Vianna como a revelação — a denúncia — do sentido verdadeiro da conjuntura brasileira dos nossos últimos cinco anos. Há nele uma história — condição para que os eventos particulares ganhem significado e explicação —, tecida pela contraposição entre a imaginação das nossas possibilidades democráticas e o nosso cotidiano. Uma história que não recusa e desqualifica os avanços econômicos e sociais constitutivos do ciclo definitivo de implantação de um capitalismo moderno entre nós, iniciado com o Plano Real. Mas uma história que não hesita em flagrar, na glorificação do êxito deste ciclo econômico, a raiz de uma operação que faz coincidir a nossa imaginação com a mera apoteose das formas existentes de um capitalismo emergente. Emagrecimento de nossa imaginação que autorizou a continuidade dos governos Fernando Henrique e Lula, do PSDB e do PT, e que presidiu a sensaboria da disputa de dois possíveis gerentes do capitalismo — Dilma e Serra —, ambos aprisionados por esta redução do possível ao real, como se este desfrutasse de uma despótica e intocável objetividade.

O dinamismo econômico poderia, na dimensão da política, sustentar materialmente a existência de uma sociedade plural e ativa, capaz de enriquecer o horizonte de nossas possibilidades e escolhas. Não foi o que aconteceu, nos alerta Werneck Vianna. Na defensiva ao final do primeiro mandato, e por ensaio e erro, Lula reativou a velha tradição da estadofilia brasileira, jogando às traças a disposição antitradicionalista que fez nascer o PT. Dispensando qualquer justificativa pública para esta “viagem redonda”, Lula e o PT levaram para dentro do Estado tudo o que estava vivo e se movia na sociedade, estatalizando todos os interesses e submetendo-os à administração carismática do presidente. Só há vida e só pode haver vida e significado dentro do Estado, proclama este enredo que esvazia a sociedade, destrói sua autonomia e condena o parlamento a um apêndice irrelevante da política. E que cria “uma verdade” por ser a única a ter o privilégio da existência, arranjo oposto à aspiração de uma nova hegemonia — para usar o conceito de um pensador caro ao nosso autor — pretendida pelo PT. Razão pela qual, salienta Werneck Vianna, o Judiciário e o Ministério Público se vêem obrigados a um protagonismo contraditório, protegendo a sociedade deste arranjo estatalizante e sancionando a expulsão da política de nossa vida democrática.

O leitor cético e inteligente já terá percebido que o autor desta coletânea não mobilizou nenhum ponto de vista externo e superior, com a ambição da verdade, para dar corpo à sua análise. Bem ao contrário, o que ele denuncia é a dulcificação do real como a soma de todas as nossas possibilidades, a construção de uma verdade que conspira contra a democracia. E se o leitor acompanhá-lo até o final, será presenteado com argumentos para uma previsão: a de que, se a riqueza da política foi expulsa por Lula pela porta da frente, com Dilma ela voltará pela porta de trás. Junto com o leitor democrata, só é possível dizer: tomara.

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Rubem Barboza Filho é professor titular de Ciências Sociais da UFJF.


Fonte: Especial para Gramsci e o Brasil

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Eleições Vitória. Conversa prá boi dormir

Os movimentos do PSDB visando criar uma CPI na Câmara para investigar a história de desapropriação pela PMV de terreno doado pela própria PMV a um particular mostra que o partido tem posição clara de enfrentamento e polarização com o projeto hartuguista/petista (do PT do C, é claro, porque o PT do A - da Articulação - continua fiel a identidade e a autonomomia do partido) na capital.
Essa história de "congelamento do processo" em função da indefinição de Paulo Hartung é conversa prá boi dormir. Só interessa ao próprio e a mídia alinhada (ou seria subordinada?) ao hartunguismo.

Um filme melhor que a foto de dois governos ( Maria Cristina Fernandes)

O Brasil melhorou de vida como poucos no mundo pelo último relatório do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). De 187 países listados, apenas 36 subiram no índice e o Brasil é um deles.

De Brasília vieram reações cristalinas dos dois governos que convivem na Esplanada. Primeiro foi a vez do secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, relatar telefonema do ex-chefe. Segundo o ministro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tinha ficado "iradíssimo" com o índice. O ministro explicou que Lula estava sob tratamento quimioterápico mas não tinha deixado de acompanhar o noticiário e achava que o governo deveria reagir à "injustiça" do relatório.

Na mesma manhã, o presidente em exercício Michel Temer declarou que considerava "equivocado" o IDH.

Governo Dilma tem reação mais ponderada ao IDH

Por injustiça e equívoco, o ex-presidente e o atual vice entendiam o avanço de apenas uma posição do Brasil num índice que combina renda, educação e saúde.

O IDH divide os países em quatro classes. Desde 2002, o Brasil pertence à segunda classe de desenvolvimento. Na primeira, além dos europeus, tigres asiáticos e petroleiros do Golfo, há dois da América Latina, Chile e Argentina. Na terceira permanecem dois países dos Brics (Índia e China) - a Rússia está no mesmo vagão que o Brasil, ainda que 20 cadeiras à frente. Na quarta classe estão o Haiti e quase toda a África.

O Pnud recebe reclamações de todos os lados por conta do IDH. Para desarmar os espíritos, seu relatório anual reproduz a queixa original de um dos criadores do índice, Amartya Sen. O prêmio Nobel de Economia conta como seu ceticismo sobre um índice que pretendia captar situações tão complexas de desenvolvimento foi revertido pela constatação de que, apesar das falhas, o IDH é mais próximo da realidade que o PIB.

Criado há 20 anos, o índice já passou por várias mudanças e a cada ano incorpora mais países. Por esse motivo, seus organizadores advertem sobre os limites das análises evolutivas. Como a data dos censos nacionais não é mundialmente uniforme, o relatório também deixa claro que pode haver defasagem entre os dados.

Para contemplar as queixas, o IDH mudou a medição de dois pilares de seu tripé, renda e educação. No lugar do PIB entrou a renda bruta que, na avaliação de seus economistas, filtra melhor a riqueza que fica no país e relativiza o peso dos países exportadores de petróleo.

Na educação, como um grande número de países, entre os quais o Brasil, havia universalizado o ensino básico, passou-se a uma avaliação mais qualitativa que mede a escolaridade dos adultos e a expectativa de anos escolares das crianças.

O passivo educacional do Brasil com os seus adultos foi um dos motivos por que o país avançou menos do que se esperava.

A malhada saúde pública brasileira teve mais importância para o único degrau que o Brasil avançou do que a educação e a renda. A saúde respondeu por 40% da alta e os outros dois itens por 30% cada.

Neste ano, o IDH incorporou três indicadores complementares, o ambiental, de gênero e de desigualdade. Foi esse último que mais irritou as autoridades brasileiras. Quando considerada a desigualdade, o Brasil despenca 13 posições. Os Estados Unidos caem 19 e a Rússia sobe 10.

O presidente do Ipea, Márcio Pochmann, preferido de Lula para disputar a prefeitura de Campinas, endossou o tom de Gilberto Carvalho nas críticas e chegou a dizer que o Ipea estaria preparado para produzir um IDH alternativo, como se a credibilidade do índice não dependesse do respaldo de um organismo multilateral.

A zanga do lulismo com o IDH vem desde o ano passado. E tem forte componente político. Ao deixar o governo em 2002, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi premiado pelo Pnud pelos avanços do Brasil na lista. O país não deixou de avançar desde então, mas não é preciso torcer por um lado ou pelo outro para se constatar que o avanço é mais rápido quando o patamar de desenvolvimento social é mais baixo.

A média anual de crescimento do Brasil no IDH na última década foi de 0,69%, o dobro do 1ºlugar, a Noruega, e mais de cinco vezes o crescimento dos Estados Unidos no período. Mas é uma velocidade mais baixa do que a alcançada pelo Brasil entre 1980 e 2000.

O economista Marcelo Neri fuça os dados do IDH desde sempre. E diz que seus indicadores, ainda que torturados, mostram um Brasil melhor a cada ano. O problema é que o país ainda precisa melhorar muito para ficar bem na foto. A pobreza caiu pela metade no governo Lula e a renda da metade mais pobre avançou 67% na última década, mas os 10% mais ricos ainda têm 43% da renda. Um filme, resume, melhor que a foto.

Mesmo na educação, Neri vê um escalada cinematográfica. Em 1990 havia 16% das crianças fora da escola. Em 2000 eram 4%. E agora menos de 2% das crianças não estão matriculadas.

Foi este filme que permitiu ao Brasil fazer grande alarde por ter batido a meta do milênio - estipulada pela mesma ONU que agora contesta - antes do prazo.

A reação mais ponderada do governo ao relatório veio da ministra do Desenvolvimento Social, Tereza Campelo.

No mesmo dia em que Gilberto Carvalho vinha a público para divulgar a contrariedade de Lula com a foto do Brasil no IDH, a ministra almoçou na Casa Civil com Gleisi Hoffmann, e os titulares da Educação e Saúde, Fernando Haddad e Alexandre Padilha.

Dali saiu a decisão de Tereza Campelo se pronunciar em nome da presidente Dilma Rousseff, que estava na reunião do G-20, em Cannes. Numa entrevista coletiva, a ministra passou o filme dos avanços brasileiros no IDH e disse que, para ficar melhor na foto, o governo reforçaria as ponderações metodológicas que já havia feito no ano passado.

Indagada se concordava com as declarações de Carvalho, foi clara sobre quem falava em nome da atual presidente. Disse que o governo ainda não havia se manifestado sobre o relatório até aquele momento e que talvez o ministro estivesse se referindo aos dados do ano passado.

Ao Valor, a ministra voltou a manifestar as objeções metodológicas, mas disse que o Pnud já concordou em trazer uma equipe ao Brasil para discuti-las. E evitou alimentar polêmicas sobre a disposição do Ipea em fazer um IDH paralelo: "Vamos avançar no diálogo com o Pnud".

FONTE: VALOR ECONÔMICO

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Novos comentários a "Eleições 2012: Divagações em torno da 1º pesquisa publicizada"

Comentário de Rita Dockhorn ao meu artigo "Eleições 2012: Divagações em torno da 1º pesquisa publicizada" (robertobeling.blogspot.com):

Realmente, o atual prefeito, sem nenhuma pesquisa, já era mal visto como candidato à reeleição. Max Filho é uma boa opção? Com certeza, especialmente por nós, da educação. Claro que uma terceira via poderia ser construída com uma boa coligação e, a senadora An...a Rita seria uma excelente opção, até porque, as mulheres estão em alta no atual governo da república. Não aceitaremos ninguém apoiado por PH pois, conhecemos o joguinho dele, seu poder de agir por trás dos bastidores, haja vista o que aprontou com o Ricardo Ferraço nas últimas eleições. Esse Senhor fica sempre do lado da vantagem pessoal e dos holofotes. Quanto ao vereador Babá, foi enterrado junto com a sujeira da câmara municipal de Vila Velha. Acorda povo! Rita de Cássia Rodrigues Dockhorn

Fica mais difícil descolar presidente de malfeitos ( Raymundo Costa)

A eventual queda do sétimo ministro do governo Dilma Rousseff deixa a cada dia mais difícil "descolar" a presidente dos "malfeitos" praticados pelos auxiliares. Todos os que caíram - ou estão por sair - são seus contemporâneos do governo passado, quando ela exercia o efetivo comando da administração federal a partir da Casa Civil da Presidência da República

No caso do Carlos Lupi, a situação é mais grave porque o Palácio do Planalto reconhece que desde sempre sabia das denúncias. Algumas das acusações que podem derrubar o ministro do Trabalho são de 2009. É desse ano a viagem do ministro no avião de um dono de ONGs que fizeram convênios com o ministério.

A sobrevida de Lupi contrasta com a imagem de uma presidente "durona" que faz e acontece e está tão à vontade no Planalto quanto estava no Ministério de Minas e Energia e na Casa Civil. Costumam reverberar em Brasília as famosas "broncas" em ministros apanhados desprevenidos, em algum assunto, nas audiências com a presidente.

A justificativa de que o passado é passado (os ministros exonerados são todos oriundos do governo Lula) agrava, em vez de amenizar a responsabilidade da governante. Afinal, quem manda nos ministros: Dilma, Lula ou os partidos da base aliada que os indicaram? Com 26 deputados, a bancada do PDT na Câmara ameaçou deixar a base, se Lupi fosse defenestrado. Lupi ficou.

Ficou como tem ficado desde o início do governo Dilma, uma concessão ao PDT, na chefia de um ministério desidratado de funções. Lupi esteve à margem das negociações das greves recentes nos setores público e privado, por exemplo, que foram conduzidas no gabinete de Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral da Presidência).

Até agora Dilma conseguiu manter sua imagem "descolada" das irregularidades atribuídas a seis dos sete ministros que deixaram o governo, em seis meses. A exceção - ressaltada pela presidente em entrevista - foi Nelson Jobim, o ex-ministro da Defesa, o que só confirmou a regra das outras execuções.

A sucessão de crises em decorrência da queda em série de ministros é que torna real o risco de a imagem da presidente da República vir a ser contaminada.

Em 2005 a corrupção (o mensalão) pôs à prova a popularidade do ex-presidente Lula e ela balançou: em setembro daquele ano de crescimento em alta e inflação em baixa o número de eleitores que consideravam o governo ruim ou péssimo (32%) superou o dos que o avaliavam como ótimo ou bom (29%).

Desde então Lula recuperou-se e nenhum dos escândalos que se seguiram "pegaram" num presidente curtido numa das piores crises políticas desde a redemocratização, superada apenas pelo impeachment de Fernando Collor de Mello.

Lula deixou o governo com 83% de aprovação; Dilma tem mais de 70% de aprovação, mas é desconhecido seu grau de tolerância às crises.

Ninguém duvida da honra da presidente. O que está à prova é sua decantada excelência administrativa. Se as denúncias são conhecidas e antigas, se o Ministério do Trabalho estava sendo monitorado pelo Palácio do Planalto desde o início do governo, por que deixar a situação se deteriorar até o limite de crise?

Uma recente reportagem do jornal espanhol "El País" reflete com exatidão as expectativas em relação a Dilma Rousseff nas eleições de 2010. A maioria pensava e dizia que ela não passava de uma criação do antecessor, uma gestora simples que precisaria da tutela de seu menor e antecessor para se manter no Poder.

O "El País" destaca que em dez meses de governo Dilma conseguiu o que então parecia impossível: ninguém, dentro ou fora do país, tem a menor dúvida de quem manda no Brasil. Desde a posse, essa é a imagem que a presidente e seus marqueteiros empenham-se em gravar na opinião pública.

Dilma, sem dúvida, imprimiu sua feição pessoal ao governo. Os ministros temem suas cobranças, como deixa claro a ridícula declaração de amor do ministro Lupi feita na Câmara.

O PT, que desconfiava de seu passado pedetista e julgava que poderia mantê-la sob tutela, rendeu-se à sua autoridade. O partido tem saudades do jeito informal de Lula governar, mas afinou nas vezes em que testou os limites de Dilma.

As sucessivas crises no ministério podem jogar esse esforço por terra, no momento em que a presidente se prepara para reformar a equipe, no início de 2012. Há na praça mais de uma versão para a aparente relutância da presidente da República.

A que mais seduz auxiliares próximo da presidente e o PT é a que diz que "chegou a hora de dar um basta na mídia", como se jornais, revistas e televisão não se limitassem a reproduzir investigações - muitas delas feitas sob a chancela do Palácio do Planalto - em curso no governo.

No entorno de Dilma acredita-se que a presidente libertou o gênio da garrafa, na demissão do primeiro ministro à primeira denúncia, e agora tem de voltar a aprisioná-lo.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Ministérios de primeira e de segunda (Renato Janine Ribeiro)

Por que o governo não dá a merecida importância a ministérios como Esportes, Turismo - que foram moeda de troca na composição da aliança no poder e talvez por isso tiveram seus ex-titulares acusados de malfeitos - e Cultura, cuja ministra é criticada, pelos artistas, por um desempenho que não lhes agrada?

São três Pastas pequenas e secundárias na Esplanada, mas portadoras de um enorme futuro. Tudo indica que, em poucos anos, o aumento do lazer, inclusive criativo, a preocupação com a saúde e a difusão do hábito de cuidar do corpo vão gerar um grande boom, econômico e social, na cultura, nos esportes e no turismo. Por que, então, figuram eles no final da hierarquia dos ministérios? Por que essa miopia dos governantes - e aí incluo os estaduais e municipais?

Esportes e Turismo estão entre os ministérios cujos primeiros titulares no governo Dilma foram acusados de corrupção. A ministra da Cultura foi chamada de inepta. Tenham ou não razão os seus críticos, essas Pastas sempre ficaram em segundo plano. Cultura teve alguns grandes ministros, a começar por Celso Furtado, mas nunca muito dinheiro. Mas será nesses ministérios, e alguns outros, que muita coisa boa poderá nascer no futuro próximo. Então, ou o governo passa a priorizá-los - ou vamos perder grandes oportunidades.

Esses setores têm potencial de riqueza econômica. Nos esportes estão hoje dois eventos de alcance mundial, a Copa e os Jogos Olímpicos. Mas, para além das efemérides, o fato é que, quanto mais as classes médias e a sociedade em geral queiram ter maior prazer com seu corpo, maior "wellness", palavra ainda sem tradução mas que designa um bem-estar intensificado, mais crescerá a área de Esportes. Isso abre perspectivas inéditas para os ministérios e secretarias, estaduais e municipais, da área.

Governo despreza as Pastas de maior futuro
Turismo é outra Pasta que às vezes serve, como Esportes, para fazer alianças a baixo custo com partidos ou líderes a quem você não teria coragem de dar a Fazenda, a Justiça ou a Casa Civil. No segundo governo Lula, foi o prêmio de consolação a Marta Suplicy por não receber a Educação - e ela fez uma boa gestão. Contudo, politicamente é um ministério fraco, até porque notícias a respeito saem no caderno de Viagens e não no de Política... Mas cada vez mais o prazer de viajar estará na ordem do dia. Não por acaso, quando Mares Guia ocupava a Pasta, no primeiro governo Lula, seu amigo Claudio de Moura Castro propôs medidas em favor do ecoturismo, do turismo radical e de outras formas de prazer, digamos, "de ponta".

Ao contrário de Esportes e Turismo, a Cultura não serve de moeda de troca partidária - ou porque se tem mais respeito por ela (improvável), ou porque se vê menor chance de negócios. Mas costumo cotejá-la com Ciência e Tecnologia. São dois ministérios refinados, que lidam com assuntos de qualidade. Contudo, embora haja bem mais artistas do que cientistas no Brasil, o MCT é mais rico que o MinC. Por quê? Porque os cientistas são organizados. Unem-se. Pressionam. Embora biólogos e físicos praticamente controlem a politica científica, também as outras áreas conseguem seu quinhão. Já na Cultura, é difícil. A criação é muito dispersa. A verba acaba pequena.

Temos aqui grandes oportunidades desperdiçadas. É provável que, em poucos anos, as áreas de maior interesse das pessoas sejam os esportes e a cultura - com uma brecha para as viagens, claro. "Mens sana in corpore sano", dá vontade de dizer, mas com uma diferença: o ideal da primeira metade do século XX - ginástica sueca e alta cultura - cede lugar a exercícios alternativos, variados, e a uma cultura cheia de diversidade, criativa, espontânea. Acredito que aí surgirão negócios economicamente poderosos. Ouso dizer que quem apostar em menos carros e mais academias e centros culturais (ou em cultura sem centros) não só fará um bem para a humanidade como, além disso, poderá ganhar um bom dinheiro.

Por que, então, os governos deixam esses ministérios num segundo plano? É verdade que o único ministro de FHC maior que seu cargo foi o dos Esportes - Edson Arantes do Nascimento - e que o único ministro de Lula maior que o seu posto era o da Cultura - Gilberto Passos Gil Moreira. No entanto, Pelé foi um ministro apagado e Gil várias vezes esteve ameaçado de ficar sem orçamento. Pelo menos uma vez, eu soube que esteve a ponto de pedir demissão, pois iam cortar 57% de suas verbas. Imaginem só, perder Gilberto Gil: falta audácia a nossos governos.

Sei que algumas Pastas são decisivas. Uma comanda a economia, da qual hoje tudo depende. Ora é a Fazenda, ora o Planejamento. Outra dirige a política, as leis - é a Justiça. A terceira é a Casa Civil, que articula o governo - tanto que nos Estados se chama secretaria de Governo. Um grupo de Pastas que já foi decisivo, os militares, hoje se reduziu à sua real significância, no ministério da Defesa. Muito bem.
Temos os grandes ministérios "sociais", como Saúde, Educação e Desenvolvimento Social. Eles investem no futuro, pois quando funcionam bem reduzem doenças, melhoram a qualidade de vida, qualificam as pessoas no trabalho e no lazer. Merecem seus orçamentos altos.

Mas o que não dá para entender é que, ainda hoje, Pastas que têm carimbado no seu DNA as palavras "futuro", "prazer" e mesmo "felicidade" fiquem relegadas a um segundo plano, com verbas pequenas e, sobretudo, pouca antevisão, pouca projeção do novo, servindo de moeda partidária e se exigindo pouca performance delas. Um mundo novo está surgindo, e falta arrojo aos governos para perceber tudo o que pode nos trazer - e, mais que isso, tomar as medidas nesta direção.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.
Fonte Valor Economico

Conjuntura, modernização e moderno (Luiz Werneck Vianna)

Na sociedade brasileira de nossos dias, de tal forma a dimensão da política se encontra rebaixada que quem quiser procurar se acercar, em meio aos múltiplos e complexos processos que transcorrem no nosso cotidiano, de quais poderiam ser os traços dominantes da natureza atual da sua conjuntura deve deslocar-se desse terreno e mirar para outras regiões do social. Na arena propriamente política, fora da teatralização de pequenos interesses, nada que registre, a não ser sintomaticamente, os antagonismos fortes que atuam sobre ela, tais como, entre outros, os que se originam do pacto federativo, da política salarial e das relações entre a indústria e o agronegócio, cujos vocalização e lugar de arbitragem se deslocam para o plano da administração, onde vige o princípio decisionista, e não o da deliberação na esfera pública entre vontades contrastantes.

Os partidos ou se deixam enredar nas malhas do governo por cálculo eleitoral e pelas conveniências das suas necessidades de reprodução política, ou aderem a ele sem apresentar a justificação de princípios que informem suas linhas de ação, caso até daqueles que se declaram vinculados a uma orientação doutrinária definida. Sob esse registro, o que vale é manter e expandir sua influência eleitoral, fora de propósito considerações em torno de uma ética de convicção.

Não à toa, a mais crua e melhor tradução desse estado de coisas veio a se manifestar com a criação de mais um partido, o Partido Social Democrático (PSD), que vem ao mundo como estuário de apetites mal resolvidos da classe política e sem declinar seu programa, mas já conta com uma das principais bancadas parlamentares. Nesse sentido, o PSD pode ser apresentado como o caso mais puro, expressiva figura típico-ideal, da estrutura partidária que aí está - isento de princípios, firmemente ancorado no cálculo estratégico dos seus membros e nas suas razões, orientadas, sans phrase, para fins instrumentais. Os partidos oposicionistas, por sua vez, dissociados dos interesses e das motivações ideais reinantes na sociedade civil, limitam-se às críticas adjetivas e de caráter procedimental, sem atingir o cerne da natureza da política do governo e do seu estilo tecnocrático na condução da administração dos negócios públicos.

Sem lugar, a política faz-se representar por seu simulacro, nessa cômica mascarada em curso em nome da racionalização e de uma pretensa busca pela primazia da ordem racional legal sobre práticas tradicionalistas, em que um dia de alvoroço provocado por denúncias de malversação de recursos públicos pode ser sucedido pela defenestração, sob aplausos e agradecimentos presidenciais, dos administradores acusados de pesadas irregularidades. Se eram inocentes, por que saíram? Se não, por que os aplausos?

O ator declina do seu papel e se abandona ao andamento dos fatos, na medida em que eles são identificados como portadores do sentido da História do Brasil. Vargas, JK, o regime militar, Lula, Dilma seriam atualizações encarnadas do espírito da Nação rumo aos objetivos de grandeza nacional, os quais, por mandato do destino, nos cabe realizar. Aqui, volta-se para o passado em busca de soluções, com os olhos cegos e os ouvidos moucos aos sinais e às vozes que nos vêm tanto das praças do Oriente retardatário como do Ocidente desenvolvido, com suas exigências de autonomia da cidadania diante do Estado e de auto-organização da vida social.

Pois é esse retorno a temas e soluções que prosperaram, entre nós, nos tempos de imposição autoritária do capitalismo que tem animado muitas das fabulações dos grandes protagonistas da cena atual, em particular as que gravitam em torno da questão nacional em sua versão desenvolvimentista. E aí se tem o eixo em torno do qual, hoje, gravita a conjuntura, tal como se faz indicar pela ampla difusão, no circuito da formação da opinião pública, do vocabulário afeto à dimensão sistêmica da economia.

No passado, o dito caminho nacional-desenvolvimentista, longe de consistir numa fórmula consensual entre os setores progressistas da sociedade, foi objeto de duras disputas entre o que seria uma via nacional-burguesa e a que lhe seria oposta, a democrático-popular, significando que ele era objeto de uma luta pela hegemonia a decidir que conjunto de forças político-sociais deveria estar à frente na forma da sua imposição. A dimensão sistêmica da economia estava ali, mas era uma entre outras, sobretudo porque, no campo democrático-popular, as razões que o animavam provinham do campo da política e de uma sociabilidade emergente que começava a experimentar os rumos de uma expressividade autônoma. Nele o moderno não se deixava subsumir à modernização.

Aquele foi o tempo de uma refundação cultural liderada por jovens que construíram suas identidades por fora de espaços institucionalizados, à margem do Estado e até das estruturas universitárias, como os do Cinema Novo, da Bossa Nova, do Centro Popular de Cultura e tantos outros que souberam, dotados de recursos quase artesanais, dar vida à agenda do moderno como lugar de autonomia e de emancipação. Também foi o tempo de lutas por emancipação dos setores subalternos, das cidades e do campo, quanto aos controles sociais exercidos sobre eles tanto pelas estruturas corporativas sindicais como pelo sistema do coronelismo rural.

Assim, se é para retornar a velhos repertórios, não há por que adotar o da preferência dessa tecnocracia iluminada, hoje na ribalta. Há outros disponíveis e que, se bem arranjados com os novos sons que nos chegam de toda parte, inclusive daqui, para quem se dispuser a ouvi-los, podem dar num bom samba, um desses que se tem gosto de cantar.

Luiz Werneck Vianna é professor-pesquisador da PUC-Rio

FONTE O ESTADO DE S. PAULO

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Eleições 2012 Vila Velha: divagações em torno da 1º pesquisa publicizada.

(Nesse último domingo, 06/11/11, a Tribuna publicou a primeiro pesquisa sobre intenção de voto na cidade de Vila Velha. Maior colégio eleitoral do estado, a cidade tem dimensão estratégica nos projetos que visam 2014. Única prefeitura do PR, a derrota do prefeito Neucimar Fraga pode ser fatal aos projetos futuros do senador Magno Malta. Nesse sentido, ele tem insistido em condicionar a questão de alianças no demais municípios a vinculação ao projeto de reeleição de Neucimar.
O estabelecimento desses acordos na linha de loteamento dos municipios da GV entre os caciques e suas legendas, o que em 2008 foi chamado de "geopolítica", encontra sérias limitações para reprodução em 2012. Afinal, já não temos PH no governo e sua capapcidade de estabelecer o chamado "pensamento único" (ver Roberto Garcia Simões),nem temos lideranças fragilizadas e partidos estiolados. Fica muito complicado e não há como, via acordo de cúpulas, tirar da disputa lideranças do porte e peso da Ministra Iriny Lopes, Max Filho, Juninho e Audifax.
No domingo mesmo, postei uma série de comentários analisando os principais números da pesquisa. Agora, agrego essas notas na forma de um artigo acomapnhadas de algumas intervenções daqueles que acompanham meu face).

Comentários no facebook:

Puxando a memória, lembro que Alberto Carlos Almeida, autor do "A cabeça do brasileiro", um completo e abrangente estudo sobre o eleitor brasileiro, após análise estatística dos resultados de reeleição no municípios brasileiros, afirmava que um prefeito que chegava a 65% de aprovação tinha a reeleição assegurada. Era isso?
Fazendo a leitura pelo inverso, podemos concluir que um prefeito que tem mais de 65% de reprovação não tem condições de reeleição, ou seja, está fadado a derrota nas urnas. É isso?
Conforme a Tribuna desse domingo a "gestão de Neucimar (é) reprovada por 66%". Tomando como empiricamente válida a análise de A.C. Almeida, a conclusão possível é que o projeto de reeleição de Neucimar faz parte da lista dos 12 trabalhos de Hércules (o da mitologia, é claro). É isso?
A segunda pedra no sapato de Neucimar Fraga é o seu índice de rejeição (estimulada). Seu índice é tres vezes superior ao de Max Filho (34,6% para 9,8%).
Na verdade, em pesquisas anteriores a que tive acesso, esse número era bem maior. Significa que nos útimos 12 meses conseguiu diminuir o índice de rejeição. O problema é que essa diminuição não se traduziu em aumento das intenções de voto. Ou seja, apesar de todo o esforço de marketing e presença nas comunidades permanece estacionário nas intenções de voto.
Falando em estacionário, nas pesquisas a que tive acesso nesses últimos 18 meses, a posição ocupada por Neucimar sempre foi a de 4º lugar. Os números de AT confirmam essa tendência: Max Filho em 1º lugar, Hércules em 2º, Rodney em 3º e só então Neucimar. Para quem está no governo e com a máquina na mão, convenhamos, é uma péssima colocação.
Complicada, também, é a situação do PT. Os dois candidatos trabalhados nos dois cenários praticamente não existem. Guilherme Lacerda entra 0,6% de intenções de voto em um cenário estimulado. O vereador Babá não é citado por nenhum entrevistado, tem traço de preferência.
Isso significa, para o PT, que fora do nome de Claudio Verezza o partido se torna irrelevante no processo eleitoral. Se quizer buscar o seu patamar histórico de votos terá que colocar Verezza no sacrifício. Se o vereador Babá não é citado por nenhum entrevistado na pesquisa estimulada, na rejeição consegue ficar em 3º lugar com 6,6% das menções. Traduzindo, o vereador ainda vai comer o pão que o diabo amassou como efeito colateral das barbeiragens cometidas pela Câmara de VV.
Voltando a avaliação de Neucimar Fraga:
Se a memória não me engana, na pesquisa de Vitória, AT andou somando a avaliação regular de Coser aos números de ótimo e bom. Se fiz isso agora está se redimindo porque agora trabalha as tendência subjacentes do eleitor que avalia a administração como regular.
E, aí, as coisas não são nada boas para Neucimar Fraga. Dos 38,2% dos entrevistados que consideram a administração como regular, 59,7 disseram que está mais para o negativo, contra 28,3% que consideram esse regular tendendo ao positivo.
Traduzindo: No momento da urna, a cada tres votos, desses eleitores, um poderia ir para NF e os outros dois para os outros ou o outro candidato.
Mais importante que o índice de rejeição é o confronto entre a avaliação positiva e negativa da administração ou do desempenho pessoal do prefeito.
Esse quesito é extremamente importante na avaliação e no prescrutar das tendências de voto.
Para 15,4% de eleitores que consideram ótima ou boa a administração temos 44% definindo-a com ruim ou péssima, ou seja, na ponta do lápis, um saldo negativo de 29%.
Traduzindo: de cada quatro eleitores, tres avaliam negativamente a administração para um que tem avaliação positiva. É isso?

Comentário postados no Facebook:
- Gabriel Tatagiba Se o cenário for o que eu vi no jornal uma vez, com Max Filho, Hércules e Rodney, o favoritismo é do terceiro. Se for esse mesmo o cenário, Neucimar tem muito poucas chances.

- André Bastos Fisioterapeuta Só que esse índice que dizem como "aprovam" incluem o REGULAR e metade desse regular pode não se traduzir em votos.

- Gabriel Tatagiba No Roda Viva esse cara citou Linhares como uma excessão inexplicável. José Carlos Elias tinha cerca de 60% de aprovação mas perdeu para Guerino. Ele não sabia, por isso não explicou, mas eu li por que isso aconteceu: havia uma rejeição à pessoa de Elias (considerado arrogante) e também Guerino, como ex-prefeito, tinha aprovação maior que a gestão de Elias, então prefeito.

- Gilmar Gaucho O POV DE VILA VELHA É MUITO CONCIENTE EM SUAS RESPOSTA POIS É UM POVO CULTO NÃO QUALQUER COISA QUE O FAZ MUDAR DE IDEIA ACREDITO NAS PESQUISAS

- André Bastos Fisioterapeuta Neucimar que é a pedra no sapato de VV rsrs

- Marcelo Siano Lima olha beto, acho que a situação retratada pela pesquisa é o que sentimos nas ruas de vila velha. a administração de neucimar é um desastre administrativo. ele, politicamente, coopta e se articula até com razoável competência. controla boa parte dos partidos. mas é um desastre. acho que essa rejeição se cristaliza. ele não tem mais tempo para reverter a péssima imagem administrativa. o jogo aqui em vila velha promete esquentar. bom para a cidade. muita coisa precisa ser discutida e corrigida, e não obstruindo o fluxo do mercado político que se conseguirá isso.

- Marcelo Siano Lima já passou da hora de voltarmos a discutir a especulação imobiliária, por exemplo. tá parecendo o governo daquele rapaz que não pode se candidatar mais. a galwan e outras incorporadoras parecem ter tomado conta da orla. e avançam sobre tudo. e o poder público ainda envia um pdm que, no fundo, só favorece tal especulação e loteia o município entre as grandes incorporadoras. esse é apenas um dos aspectos q precisam, com urgência, ser discutido.

- Sirleni Juffo O desgaste de Neucimar eh irreversivel. O tempo agora e seu grande adversario. Ficou na promessa exagerada e impossivel de ser cumprida. Tarde demais. Outro ponto bastante negativo foi a cooptação de lideranças comunitarias, esmagando iniciativas populares.Isso o transformou no menino riquinho, mas o afastou do povo.
A voz das ruas se faz ouvir e ecoa como um chicote no lombo dos enganadores. Tambem não vejo contribuição partidaria no indice dos candidatos. Escolhem o nome para administrar Vila Velha e não o partido. Isso me parece irrelevante. PT tem seu valor, embora com poucas opções em Vila Velha. No cenario Nacional, e diferente. Temos Ana Rita, Iriny.

- Daniele Pires Essa administração: é uma das piores que já vi.

- Sirleni Juffo Concordo. Chega de vitrine. A grande obra tem que estar na construção de melhor qualidade de vida e principalmente na educação e saude. Isso ficou para ele em segundo plano. Dai o desastre.

- Jovany Sales Rey - É um grande desastre essa administração. Em todos os sentidos. Falo pela minha área: Neucimar Fraga e seu "secretário de cultura" desmantelaram sem dó nem piedade os poucos, mas significativos avanços obtidos pela cultura canela-verde à custa de muita luta. Não há mais nenhuma política cultural, a lei de incentivo agoniza, os artistas locais quase não recebem mais nenhum apoio, o Conselho Municipal de Cultura teve sua ação desprestigiada e esvaziada e tudo se resume agora ao patrocínio (caro, muito caro) de um ou outro show eventual. Vila Velha, o maior município do Espírito Santo, virou de novo uma piada, um zero à esquerda quando o assunto é cultura. Não merecíamos isso.

- André Bastos Fisioterapeuta: Vereador Babá ? Acho que ninguém que tenha um mínimo de bom senso e inteligência leva ele a sério. Guilherme ficou tanto tempo fora de VV que ninguém o conhece. E eles ainda acham que o PMDB vai aceitar ser vice dele. Lógico que pesquisas n...ão ganham eleições mas direcionam, Acha que PMDB com a posição que tem hj comDeputado Estadual Doutor Hércules Iria aceitar ser vice de quem nem existe. O Guilherme acha que só dinheiro ganha eleição. E o Babá é igual cantor vive de garganta , mas do que ele fala pouco coisa presta.

- Gilmar Gaucho: PROFESOR ROBERTO, ESTA PESUISA ANIMO A MAX FILHO QUE VEM BOMBANDO NESTA ELEIÇÃO. ESTAMOS AQUI EM VILA VELHA ORANDO PARA QUEM 2012 ESTEJA MELHOR AS COISAS POIS DO JEITO QUE TA FEIO HEHEHEHEHEHEHEHEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEE

- José Roberto Bonifácio: Mas qual o instituto de opinião é autor do levantamento? Não pode ser da Futura, pois esta só colabora com A Gazeta, alem de ser um instituto superdirecionado para certos objetivos e atores jamais favoreceria Neucimar ou gente do PT na disputa. Seria da Flex? Enquet? (este dado é crucial para qualquer exercicio de interpretação!)

- Margarete Ventura-Blues: Analisando a Soma é " Max Filho em 2012" Dignidade de Volta"

- Maria Ermelinda Raymundo: Com certeza, colega.

- Mauro Petersem Domingues: - Max Filho é apenas o caminho já conhecido pelo eleitorado. Faltando muito tempo para a eleição, é onde o eleitor deposita suas intenções de voto. Mas o jogo pode mudar muito com a entrada de carinhas novas.

- Gilmar Gaucho: MAURO A ESPEIRENÇIA MOSTRA QUE O POVO BRASILEIRO NÃO QUER MAIS AVENTURAS É MELHOR APOSTAR EM QUEM JA MOSTRO QUE SABE TRABALHAR

- Roberto Beling: olha ‎Mauro, o problema é que as carinhas novas não existem. Não será Hércules com 24 anos de mandato, quatro como vereador. Nem Rodney com os fios de movimentação através dos dedos de PH. Os nomes do PT? Só se for o Claudio, mas que não representa novidade ou possibilidade de agregar.

- Mauro Petersem Domingues: Beto, entendo sua afinidade com o Max Filho, e não tenho nada especialmente contra ele. Mas creio que, na população de Vila Velha, haja espaço para a construção de uma candidatura alternativa a esse jogo entre o atual governo e o governo anterior. E sim (embora não veja isso com gosto), uma alternativa é o Rodney exatamente pela presença de Hartung o apoiando.
Você, melhor do que eu, sabe como é importante não confundir nossas preferências com a avaliação acerca da realidade.
E, de fato, não penso o Vereza como novidade em Vila Velha. Muito pelo contrário! E isso também não tem nada a ver com a figura pessoal de Vereza, com a qual simpatizo muito.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

À distância da grandeza (Rosângela Bittar)

A coreografia da desistência de Marta Suplicy a concorrer à prefeitura de São Paulo em 2012, só para deixar o caminho livre ao candidato de Lula, o popular ex-presidente da República e presidente de honra do PT, uma espécie de proprietário do partido desde que passou a ser por ele considerado eleitoralmente invencível, representou um enterro de luxo de um dos principais instrumentos democráticos nos sistemas eleitorais de todo o mundo: as campanhas eleitorais prévias, ou primárias.

No Brasil, a disputa pela primazia da candidatura levou a rachas, divisões inconciliáveis, abertura de dissidências e criação de novos partidos para abrigar facções insatisfeitas.

Isso vinha acontecendo em praticamente todas as legendas com uma exceção: o PT realizou boas e eficientes prévias na época em que a democracia interna era exercida sem os solavancos que a golpearam depois que o partido passou a se instrumentalizar do poder central.

A morte precoce das prévias é retrocesso no sistema eleitoral

Lula nunca foi um amante das prévias. Tanto que irritou-se com Eduardo Suplicy e ameaçou tomar a bola do jogo quando, estando candidato natural, foi desafiado a disputar eleições primarias. O senador não tinha a menor chance, mas a ojeriza a se ver contrariado levou o ex-presidente a sair do sério.

O PT insistiu, teoricamente, no modelo do qual ficou sendo exemplo. Em congresso partidário manteve as prévias em seus estatutos, depois de estudos e ajustes das regras elaborados por uma comissão de notáveis. O feito, porém, não ficou de pé ao primeiro casuísmo.

Imaginava-se que a disputa municipal de São Paulo iria consagrar as prévias tanto pelo PT, onde dois candidatos fortes - um deles pelo dedazo e desejo pessoal do ex-presidente, a outra pela história política - e três médios disputariam, como pelo PSDB, seu adversário da última década. À falta de um candidato para chamar de natural, o PSDB começou a preparar-se para as prévias entre quatro nomes médios do partido.

No caso de Lula, o temor da derrota na prévia levou o ex-presidente a investir força e poder na pressão para a desistência dos demais candidatos, cujo apoio agora irá buscar para dar densidade eleitoral ao seu preferido.

No PSDB, a ainda incipiente democracia interna parece já estar sendo tragada pela facilidade do acerto a portas fechadas. A disputa primária foi transferida de novembro para janeiro, agora pretende-se protelá-la um pouco mais para dar tempo ao surgimento de um acordo político que evite a preliminar.

Tal qual houve agora no PT, a direção do PSDB, que tem lado e está em litígio com uma das facções da legenda, jamais deu condições à ideia das prévias, seja para as disputas municipais, seja para o pleito presidencial.

Vai prevalecendo a fuga, o medo, o acerto interno e oculto, a rasteira, o autoritarismo, o consequente enfraquecimento partidário.

A eleição municipal de São Paulo, em 2012, seria um exemplo perfeito da utilidade da prévia. Os pré-candidatos são pouco conhecidos, não têm realizações a apresentar, são de uma geração ainda não testada, políticos de pouca sintonia com a cidade. Quando, senão no período pré-campanha eleitoral, seria o melhor momento para informação do eleitorado?

O cientista político e sociólogo Antonio Lavareda resume: "A utilidade das prévias é reconhecida internacionalmente. Faz-se na Europa, na América Latina, além das mais conhecidas, as primárias americanas. A prévia oxigena o partido, fortalece o candidato porque o torna mais conhecido, dá oportunidade ao eleitor de conhecer e ao partido de apresentar as teses que vão ganhar maior adesão na opinião pública, amplia a ocupação na mídia". Como diz Lavareda, a importância das prévias "é óbvia".

Cada vez mais se fazem, pelo mundo, prévias abertas, exatamente para explorar suas vantagens. Abertas aos filiados, aos militantes e até aos cidadãos, os eleitores em geral.

O PSDB fez de conta que tem democracia interna e aprovou as prévias na Convenção que elegeu a atual Executiva. O PT ensaiou o mesmo ao assumir compromisso com a disputa preliminar. O passo atrás, separando teoria e prática, é retrocesso político.

Lavareda considera as prévias tão necessárias que deveriam ser adotadas mesmo por um candidato único, como foi o caso de Nicolas Sarkozy, na França. "De tudo o que estudei e li sobre prévias, no mundo, hoje tenho certeza que mesmo que só houvesse um único candidato, ele devia fazer prévia, para chegar mais forte à eleição. Submete seu nome e dá oportunidade de engajamento aos militantes, interessados em geral, filiados, simpatizantes, dá sentimento de poder ao eleitorado".

A prévia permite também que um candidato de Estado pequeno, pouco conhecido, comece a empolgar o eleitorado e surgir como uma grande surpresa. "Na prévia o partido já sabe o discurso que tem mais chance de dar certo, já sabe as vulnerabilidades de cada candidato. É um momento interessantíssimo".

Ajudando a enterrar as prévias, no Brasil, há a justiça eleitoral, que dá argumentos pseudo legais para fugirem da disputa. O período oficial de campanha é muito curto e a legislação veda a propaganda partidária fora desse período, geralmente de julho a outubro. A legislação também considera crime os partidos usarem a propaganda partidária, veiculada em maio, junho, para apresentar seus candidatos.

A Justiça Eleitoral precisa definir uma posição, ou uma normatização das prévias. Mal ou bem elas são uma fase de campanha que, se interpretada como infração, condena o candidato depois de eleito. O TSE, que tem legislado sobre eleições, no Brasil, daria grande contribuição ao fortalecimento dos partidos e democratização do sistema se editasse resolução para esclarecer que as prévias partidárias não são propaganda eleitoral. São um período de escolha do candidato.

O ano já se perdeu para Dilma. É preciso terminar os reparos com mais pressa, concluí-los até dezembro, para que possa começar a governar por três anos que, na realidade, são dois, uma vez que o último é dedicado à reeleição. Um mandato encolhido pelos erros na montagem do governo, mais do que pelas circunstâncias, que não vai fluir enquanto houver necessidade de um conserto por mês.

FONTE: VALOR ECONÔMICO