A sucessão de disparates da parte de Bolsonaro em meio à aprovação de pautas difíceis nos faz lembrar os monarcas britânicos conhecidos como “impossible kings” porque considerados ineptos para governar.
George 2º (1683-1760) que nasceu e viveu na Alemanha até sua coroação foi um deles. Não falava inglês e a crônica política mais rasteira atribui a este fato a preeminência de Roberto Walpole (1676-1745), seu braço direito no Parlamento, e que lhe servia de intérprete nos debates. E assim teria surgido a figura do primeiro-ministro pela primeira vez na história.
Walpole ficou conhecido como hábil negociador parlamentar: comprou o apoio do rei cancelando a dívida privada do monarca, e o do Parlamento através da concessão a seus membros de “privilégios como a distribuição de títulos da dívida pública, a criação de companhias monopolistas, a manipulação de cargos na Marinha e Exército, além de pensões reais” (Douglass North et al).
George 3º (1738-1820), que sucedeu ao avô no trono, sofria de enfermidade mental e doença degenerativa. Ininteligível, chegou a escrever sentenças com 400 palavras. Mas teve reino longevo (59 anos) e bem-sucedido: derrotou a França na Guerra dos Sete Anos, e Napoleão em Trafalgar. E mais importante: é no seu reinado que a Revolução Industrial britânica triunfa.
O sucesso dos reis impossíveis deveu-se à extensa delegação em que se assentavam. O parlamentarismo como forma de governo emerge desse processo. Com primeiros-ministros hábeis, sucessivos governos aprovaram reformas estruturais em várias áreas.
A transição para a democracia constitucional moderna implicou, portanto, não só a morte institucional do rei mas ruptura com práticas patrimonialistas, tarefa levada a cabo por sucessivos governos liberais.
Como ocorreu na Inglaterra, assistimos no país a uma perda de centralidade do Executivo no sistema político e um fortalecimento simultâneo do Legislativo. No atual governo, o que vem funcionando também envolve forte delegação. Veja-se as iniciativas de reforma institucional em áreas como economia e infraestrutura.
Mas monarcas, mesmo loucos, não são destituídos; presidentes têm que enfrentar as urnas periodicamente. Seus desatinos têm custos embora embutam um equilíbrio curioso. As urnas explicam.
Ao contrário dos reis loucos, iniciativas extremistas ou bizarras alimentam simbolicamente as hostes de apoiadores. Mesmo quando são derrotadas no Legislativo ou Judiciário, produzem visibilidade e mobilização. A animosidade e a vitimização geradas produzem benefícios simbólicos. O presidente ganha perdendo, e a cacofonia continua.
Folha de S. Paulo/14 de outubro de 2019
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