Na coluna passada, escrevi que o resultado da briga de Bolsonaro com o PSL sinalizaria como seria seu governo de agora em diante.
Se Bolsonaro tentasse sair para um partido tradicional (como o DEM), sinalizaria que pretende governar mais ou menos dentro da democracia até o final. Se tentasse criar um novo partido só com os bolsonaristas “puros”, sinalizaria que governabilidade não lhe interessa, e que seu negócio é apostar em mobilização permanente e ataque às instituições.
É bom lembrar: a ideia de formar um partido de bolsonaristas fiéis não começou com o escândalo dos laranjas. Começou quando deputados do PSL foram aproveitar uma boca-livre na China e foram chamados de traidores por Olavo de Carvalho. Desde então Eduardo Bolsonaro pensa em uma nova agremiação.
E uma das principais diferenças entre Bolsonaro e outros líderes de extrema-direita mundo afora é a falta de um partido bolsonarista disciplinado, como o Fidész húngaro ou o Front National francês. Os bolsonaristas notaram o problema e têm tentado consertá-lo.
Pois bem. Na semana passada, Bolsonaro sinalizou radicalização com sua tentativa de sair do PSL. Parecia disposto a investir em um partido-movimento bolsonarista.
Mas a verdade é que nem todo maluco rasga dinheiro, e cruzada em favor da civilização ocidental sem dinheiro do fundo partidário e sem mandato ninguém quis fazer não.
O PSL, que graças a Bolsonaro se tornou uma máquina poderosa, resolveu aceitar a briga, e deixou claro que, se o presidente e seus malucos quiserem sair, que saiam. Bolsonaro dobrou a aposta e pediu uma auditoria nas contas de campanha do PSL. A ideia é gerar um escândalo que possa ser usado, na Justiça Eleitoral, como “justa causa” para que deputados possam sair do partido sem perder seus mandatos. O PSL não cedeu e pediu uma auditoria nas contas da campanha de Bolsonaro. Depois da Lava Jato aderir ao “Lula Livre”, o PSL começou a se perguntar onde está o Queiroz, e, enfim, Brasil de 2019.
O que nos leva à ótima coluna de Hélio Schwartsman da última sexta-feira, que propôs a pergunta: Bolsonaro é “um sujeito inteligente”, ou “só um valentão”?
De fato, se você acha que Bolsonaro é um democrata, você precisa concluir que ele é um jumento sem defeito. Nada do que ele faz ajuda a governabilidade. Qual presidente de democracia estável saiu do próprio partido com nove meses de governo?
Há, entretanto, uma outra explicação: Bolsonaro pode não estar interessado em governabilidade, mas sim em um projeto de corrosão da democracia brasileira semelhante ao que aconteceu na Hungria ou na Turquia.
Eu não acho que Bolsonaro seja burro, de jeito nenhum. É notavelmente impermeável ao conhecimento, mas não é burro.
Fui treinado metodologicamente para ao menos começar a pesquisa supondo racionalidade nos atores. Não acho difícil tratar Bolsonaro assim, desde que não se suponha que ele aceita valores democráticos. Se aceita ou não é algo que não se resolve com pressupostos, mas observando o que ele diz e faz. E aqui o diagnóstico é ainda mais claro.
A crise com o PSL é gravíssima e tem potencial para piorar muito. Mas ainda não sabemos a intensidade do fracasso que pode forçar Bolsonaro a se conformar com a democracia.
Folha de S. Paulo/14 de outubro de 2019
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