Ficar a reboque de Lula é vantagem ou desvantagem? Enquanto aguardava o resultado do julgamento do Supremo Tribunal Federal, que poderia tirar o ex-presidente da República da prisão, um integrante do PT refletia sobre os efeitos de outro cárcere: o do próprio partido em torno da figura de Luiz Inácio Lula da Silva. Mesmo os petistas que admitem, em privado, incômodo com a paralisia do partido e a dependência cega dos comandos de Lula, há uma constatação realista de que o ex-presidente é, de fato, o melhor candidato à Presidência da República para o PT (isso no quesito competitividade) em qualquer cenário.
Os mais pragmáticos e realistas propõem, porém, outra reflexão: mesmo solto, Lula é inelegível e não é factível pensar em sua candidatura para 2022. Sendo assim, o ex-presidente retornaria às ruas e viajaria pelo país num cenário de continuidade da extrema polarização e sem condições de disputar, por restrições impostas pela Lei da Ficha Limpa. “Vamos ficar esperando o Lula até quando?” é uma pergunta não impensável de se ouvir em debates do PT, ainda que tal lucidez esteja longe de refletir o sentimento da maioria do partido, controlado pela corrente do ex-presidente.
E como imaginar que o homem que está detido há mais de um ano, se considera preso político e se julga vítima de um julgamento parcial e contaminado, agirá politicamente em favor de composições que extrapolem a cantilena da hegemonia petista? A lógica de Lula, encarcerado, é a de um ator político sectário, endossa um petista. Solto, não seria absurdo imaginar que Lula agiria como a jararaca viva e justiceira. Em 2016, quando foi levado em condução coercitiva pela Lava-Jato para prestar depoimento, o ex-presidente avisou: “Se quiseram matar a jararaca, não bateram na cabeça, bateram no rabo. A jararaca está viva”. Vivíssima.
Malabarismos jurisdicionais brasileiros abririam brechas para se pensar na criação de condições para Lula concorrer em 2022, e ainda há um HC (habeas corpus) no caminho que pode livrar o petista da condenação se o Supremo considerar que houve parcialidade da turma do ex-juiz Sergio Moro.
Um bom exercício para o PT seria projetar uma disputa com Lula hoje. Se essa sondagem é feita com um petista racional, admite-se que possivelmente o partido, isolado, perderia para a direita ou a extrema-direita, porque não aconteceu nenhuma magia em dez meses que tenha apagado a forte rejeição da maioria do eleitorado ao petismo. Ou alguém acredita na conversão repentina do PSDB ao centro se o nome em questão, contra Jair Bolsonaro, for o de Lula? Seguindo o mesmo raciocínio, seria crível imaginar a abnegação de Lula em nome de uma aliança ampla em que ele não seja o líder?
Lula, livre, não é a redenção do PT, e basta olhar para o que pode ser a disputa pela Prefeitura de São Paulo para entender parte do imbróglio político em que se meteu a esquerda brasileira. Com Fernando Haddad fora da disputa municipal, por decisão dele próprio, o PT não tem nenhum nome competitivo na capital. Como Lula, além de vivo, tem sagacidade política ímpar, o ex-presidente já semeou um armistício com Marta Suplicy, que pode ser um nome do PDT. Lula, segundo os entendidos em lulês, não chamou Marta de volta ao PT. “Ele jogou a tarrafa, provocou ebulição nos bastidores e pavimentou o caminho para uma aliança lá na frente se a Marta estiver no segundo turno e o PT não”, traduziu um petista.
O mindset do PT ainda não permite que o partido considere ficar fora da disputa em São Paulo em prol de uma aliança competitiva capaz de abalar a direita. Desde 1988 o PT está no jogo na maior capital do país, vitorioso ou no segundo turno. Só que das oito disputas, o partido só venceu três: Luíza Erundina (1988), Marta Suplicy (2000) e Fernando Haddad (2012). Em 2016 a tradição se quebrou, com a eleição de João Doria (PSDB) logo primeiro turno, numa derrota esmagadora sobre Haddad.
O PT vai começar a definir as alianças eleitorais para 2020 agora. Antes, precisa montar sua Executiva Nacional, um processo delicado e em curso. Havia a ideia de colocar o senador Jaques Wagner (BA) na direção do partido exatamente para facilitar as pontes com outros grupos de centro-esquerda. Ponderado, o baiano assumiria, nos bastidores, o diálogo que institucionalmente caberia à presidente da sigla, reeleita, a deputada Gleisi Hoffmann. Mas até essa saída negociada para ampliar o campo da esquerda está sub judice, na visão de alguns. O senador não é de nenhuma corrente do PT e cada espaço na direção nacional é “milimetricamente disputado”, define um experiente petista. A palavra final será de Lula. Eis o PT, em sua prisão perpétua.
Valor Econômico/24 de outubro de 2019
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