Apenas uma "hecatombe", um escândalo de grande proporção, pode impedir que Jair Bolsonaro vista a faixa presidencial no dia primeiro de janeiro, preveem aliados e integrantes da campanha do candidato do PSL ao se referirem ao desfecho do processo eleitoral no próximo dia 28. Esse é o cenário traçado a pouco menos de duas semanas do segundo turno, não apenas devido à confiança que eles têm nas projeções estatísticas feitas a partir de pesquisas de intenção de voto. Para eles, a ascensão de Bolsonaro é fruto de uma mudança cultural da sociedade brasileira, da qual fazem parte um sentimento crescente de reação à grave crise de insegurança pública observada país afora e uma aversão aos partidos políticos tradicionais.
Em outras palavras: a candidatura de Bolsonaro está calcada muito mais na representação de uma ideia do que na própria persona do candidato, que faz questão de reunir todo esse caldo cultural com o objetivo de desgastar o Partido dos Trabalhadores, seu antigo antagonista no Congresso Nacional e atual adversário nas urnas.
Por ironia, foi o PT quem adotou inicialmente essa abordagem, ao tentar elevar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao patamar de uma "ideia" a ser incorporada por algum preposto na disputa. Seja ele quem fosse, assim como já foi a ex-presidente Dilma Rousseff, desde que fiel aos objetivos pessoais do ex-presidente e aos interesses do partido.
O ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad assumiu então esse papel, encabeçando uma campanha que aposta na nostalgia e na possibilidade de o eleitor, lembrando a bonança que antecedeu a grave crise econômica enfrentada pelo país, votar querendo ser "feliz de novo". Para os aliados de Bolsonaro, entretanto, essa imagem não passa de uma miragem, uma visão que ficou no passado quando veio a crise financeira internacional, a recessão e o aumento brutal do desemprego.
Bolsonaristas ponderam que diversos governos já colocaram a área social no centro das políticas públicas federais. E destacam que agora é hora não de acabar com esses programas, mas intensificar o combate a irregularidades e a práticas clientelistas mantidas por partidos políticos em ministérios e órgãos estatais.
Os números têm voz própria e o "Atlas da Violência 2018" é citado na campanha do PSL. Divulgado em meados do ano pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o documento aponta, por exemplo, que em 2016 o Brasil alcançou a marca histórica de 62.517 homicídios. "Isso equivale a uma taxa de 30,3 mortes para cada 100 mil habitantes, que corresponde a 30 vezes a taxa da Europa. Apenas nos últimos dez anos, 553 mil pessoas perderam suas vidas devido à violência intencional no Brasil", anota o relatório.
São dados assim que fazem integrantes da campanha de Bolsonaro acreditar que o capitão da reserva está surfando em uma nova onda cultural, cujos principais vetores são o medo do desemprego e o sentimento de insegurança com o qual o eleitor convive ao sair às ruas ou permanecer dentro de sua propriedade - problemas que preocupam famílias nas regiões urbanas e áreas rurais.
Compreender a resistência de Bolsonaro aos partidos políticos tradicionais e a situação da segurança pública é essencial para interpretar a sua estratégia de campanha e inferir a forma que ele pretende governar. Em uma eventual administração de Jair Bolsonaro, a pasta que cuidar da segurança pública seria uma das mais fortes. O Ministério da Justiça também teria peso nas articulações entre o Executivo e o Congresso. Além da pressão popular sobre deputados e senadores, o governo contaria também com as cobranças de governadores e prefeitos para conseguir levar adiante uma agenda voltada à segurança pública. Afinal, dizem seus aliados, essa questão preocupa todos os entes da federação. Sem apoio do Congresso o Executivo teria dificuldades no remanejamento de verbas para contemplar programas e políticas públicas na área e no combate ao crime organizado.
Nesse contexto, numa administração Bolsonaro, o Palácio do Planalto lançaria mão de outro trunfo para negociar com o Parlamento. Em vez de dialogar com dirigentes e líderes partidários, a interlocução se daria diretamente com as frentes parlamentares, de acordo com o assunto em pauta.
Essas frentes parlamentares são grupos suprapartidários que reúnem deputados e senadores interessados em determinados temas. Além de manterem contato com empresas e associações dos mais diversos setores, esses deputados e senadores possuem pontes com os vários escalões da máquina pública federal. São peças-chave na tramitação de projetos e devem ganhar importância num eventual governo Bolsonaro.
Hoje, há mais de 300 frentes parlamentares inscritas na atual legislatura. Algumas delas são mais ativas do que outras, mas o candidato do PSL já obteve o apoio de algumas das mais importantes do Congresso: a bancada favorável à flexibilização do estatuto do desarmamento, mais conhecida como a bancada da bala, a do agronegócio e a evangélica.
A ascensão de Bolsonaro se deve, em grande parte, pela crise dos grandes partidos políticos. Um efeito colateral de sua vitória pode ser um enfraquecimento ainda maior dessas siglas.
Valor Econômico/16 de outubro de 2018
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