quarta-feira, 31 de outubro de 2018

A esperança mudou de lado (Luiz Carlos Azedo)

Toda eleição é uma esperança de mudança. Durante muitos anos, as duas palavras estiveram associadas ao PT, como um mantra para chegar ao poder. A vitória veio para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002. A passagem pelo governo federal, porém, associou a esquerda à corrupção e à incompetência administrativa. Isso já havia ocorrido em muitas cidades e alguns estados administrados pela legenda, mas se generalizou em boa parte do país por causa do fracasso econômico do governo Dilma Rousseff e da condenação de Lula pela Operação Lava-Jato. Resultado: a esperança mudou de lado.
Jair Bolsonaro (PSL) foi eleito presidente da República com aproximadamente 55% dos votos válidos, contra 45% de Fernando Haddad (PT). Depois da facada que levou em Juiz de Fora, teve a imagem humanizada e fez campanha praticamente sem sair de casa, pelas redes sociais. Na reta final, venceu o medo disseminado pelos adversários de que implantaria um governo despótico, muito em razão de suas atitudes e declarações de viés autoritário e à imagem de homofóbico e misógino, construída como deputado federal em incidentes na Câmara e com a imprensa. Pela primeira vez desde a redemocratização, teremos um militar na Presidência da República, eleito pelo voto direto, secreto e universal.
O discurso político de Bolsonaro em relação ao seu governo tem matriz positivista, típica da cultura sedimentada nas casernas desde a Escola Militar da Praia Vermelha, o berço do tenentismo, e que está vivíssima no lema da bandeira nacional: Ordem e Progresso. Seu projeto político sempre foi conservador, nacionalista, autoritário, mas sinalizou um choque liberal na economia que está em contradição com essa formação político-ideológica. Para a grande maioria dos brasileiros, porém, mirou a agenda prioritária: o combate à corrupção, ao crime organizado e ao desemprego. As pautas identitárias, que funcionam como uma espécie de gazua do PT para se rearticular nos movimentos sociais e não discutir o próprio fracasso no governo, ficaram em segundo plano para a maioria dos eleitores. Serviram muito mais como um instrumento de chantagem para mobilizar o voto antibolsonaro junto ao chamado “centro democrático”. Essa pauta, porém, alimentou o medo.
Por que Haddad perdeu as eleições? Com Lula na prisão, o PT tem muitas dificuldades para responder. Somente uma autocrítica profunda poderia fazê-lo. Mas não é isso que acontecerá. O partido é prisioneiro de uma narrativa construída para varrer seus erros para debaixo do tapete. Passará à oposição com um discurso antifascista. Outro equívoco: a eleição de Bolsonaro não representa uma mudança de regime; não se pode chamar 57,8 milhões de eleitores de fascistas. Entretanto, não faltarão comparações com a República de Weimar e a chegada de Hitler ao poder.
Precisamos aprender com o Chile, palco da ditadura mais sanguinária da América do Sul. Desde a vitória do “No” no histórico plebiscito convocado pelo general Augusto Pinochet, em 1990, liberais, socialistas e conservadores se revezam no poder, em sucessivas eleições, sem nenhum retrocesso de ordem institucional. A alternância de poder é um pilar da democracia, assim como o direito ao dissenso da minoria oposicionista. Pela primeira vez, desde a eleição de Tancredo Neves, teremos um governo assumidamente de direita. A esquerda, que banalizou o termo, terá de aprender a conviver com isso. Nosso Estado democrático de direito já deu demonstrações de grande resiliência, uma delas foi sobreviver ao maior assalto aos cofres públicos de que se tem conhecimento, o escândalo do petrolão.
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Correio Braziliense
29 de outubro de 2018

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