Valor: Com Lula preso, qual é a melhor saída para o PT?
Carlos Pereira: Você pode se surpreender. Mas o que está acontecendo com Lula é a melhor coisa que podia acontecer para o PT e para a esquerda. Há um paradoxo. É triste a prisão de um ex-presidente, mas abre-se uma janela de oportunidade para que o PT reavalie sua estratégia. Aumentará a pressão para que Lula indique outro nome enquanto é tempo. O ideal era que Lula aproveitasse esse momento da prisão para anunciar algo do tipo: "A injustiça foi feita, mas não posso ficar no caminho da esquerda. O meu candidato é este aqui". Os outros partidos e candidatos da esquerda, Boulos, Ciro, Marina, ficariam muito constrangidos de não seguir e galvanizar uma frente, liderada pelo PT. Quanto mais tarde se dê esse anúncio, mais difícil é o potencial da unidade da esquerda e a capacidade de Lula transferir votos.
Valor: É crível pensar que outros partidos de esquerda, com candidatos já lançados, abram mão em prol do PT?
Pereira: Dos quase 30% de potencial de transferência de Lula, se você imaginar que um terço iria para o nome que ele apoiasse, esse candidato já nasceria à frente dos outros da esquerda, como o Ciro. Além disso, os recursos para campanha são limitados. Sem concorrer à Presidência, os demais partidos poderiam aproveitar o que vai sobrar da cota do fundo eleitoral e gastar uma porção considerável nas candidatura proporcionais. Podem eleger mais parlamentares e fortalecer a agenda de esquerda no Congresso.
Valor: O PT não poderia ceder a cabeça de chapa?
Pereira: Não vejo o PT apoiando candidato de outro partido. Não faz parte de seu DNA. O DNA do PT é de partido majoritário. No nosso presidencialismo, há duas estratégias principais. A primeira é a trajetória majoritária, que dá ao ganhador da eleição à Presidência o melhor pay off de todos, e ao perdedor, o pior retorno. A segunda estratégia é a do legislador mediano, que dá um retorno intermediário, e é utilizada pela maioria dos partidos legislativos. Entre as duas estratégias, o PT prefere assumir o risco de perder a eleição presidencial e empobrecer. Não vai abrir mão de candidatura para o Ciro ou outro candidato. Porque é o maior partido de esquerda, elegeu a segunda maior bancada no Parlamento, é o terceiro partido em número de prefeituras e o que tem maior quantidade de recursos do fundo eleitoral: R$ 301 milhões, abaixo do MDB, com R$ 314 milhões. É o mais rico, tem governos estaduais, forte presença no Norte e Nordeste e a principal liderança de esquerda do país. É natural a ambição.
Valor: A ambição dos outros partidos também é natural.
Pereira: Sim, mas porque Lula é um candidato natimorto. É isso que gera incentivos para que os possíveis parceiros tenham caminhos autônomos. Se o PT conseguiu crescer a partir da eleição de 1989, por que não faço isso hoje? É isso que está se passando na cabeça do PSB, com Joaquim Barbosa, do PDT, com Ciro. Mas se Lula se retirar, aumenta a chance de coordenação da esquerda. A candidatura dele é natimorta, e os aliados da esquerda sabem disso.
Valor: A esquerda corre o risco de ficar fora do segundo turno?
Pereira: Sim, por isso Lula precisa definir o nome do PT já. Do contrário, é caminho livre para que o centro e a direita estejam no segundo turno, com Geraldo Alckmin e Bolsonaro, que certamente serão competitivos. Num país tão desigual como o Brasil, a inexistência de um candidato de esquerda no segundo turno é muito ruim para a agenda de proteção social. A eleição de 2018 vai ser similar à de 1989 apenas para a esquerda, se Lula demorar a indicar seu representante. Na direita e no centro, haverá muitos candidatos, mas a maioria não será competitiva. Pela esquerda, Joaquim Barbosa, Ciro Gomes, Boulos, Marina Silva, essas pessoas sairão de uma patamar relativamente mais alto. Só aí são quatro candidaturas importantes que poderiam estar apoiando o PT. Se todos eles ficarem em torno dos 10% ou abaixo dos 10%, os candidatos de centro e direita chegam ao segundo turno com 15% ou 20%.
Valor: A coordenação no centro e na direita será melhor?
Pereira: Quando os candidatos desses campos começarem a perceber que não são competitivos de fato, isso vai se tornar mais claro. A tendência é que os candidatos de centro e de direita vão concentrando, concentrando e ficando mais competitivos. Já pela esquerda, com Lula mantendo sua candidatura, todo mundo vai querer apostar que vai obter algum espólio do PT. O espólio do PT ficará concentrado ali pela esquerda.
Valor: O espólio de Lula prejudica a coordenação da esquerda.
Pereira: Exatamente, em última instância, o que estou dizendo é que a estratégia de Lula tem impacto decisivo sobre o espólio dos eleitores do PT. Se Lula demorar a dizer quem será o candidato, existe mais chance de desagregação desses eleitores lulistas para outros candidatos de esquerda. Se ele já apontar, no curto prazo, quem será o escolhido, a chance desses eleitores lulistas permanecerem com o candidato lulista aumenta. Isso tem consequência sobre as estratégias dos outros partidos e candidatos de esquerda, como Manuela e Boulos. Se Lula indica um candidato e ele já parte de um patamar de 10% ou mais, diante da consternação com a prisão dele, vai ficar dificílimo para eles manterem suas candidaturas. Talvez seja mais racional investirem em candidaturas proporcionais e apostar nesse candidato em cima de uma agenda de vitimização, de perseguição à esquerda.
Valor: O PT fará esse movimento a tempo?
Pereira: É um dilema abandonar uma candidatura que está liderando as pesquisas, mesmo com Lula abatido do ponto de vista judicial. Mas a tendência é que essa estratégia de mantê-lo vá minguando. Já existe essa tensão no partido, embora o núcleo duro resista. Com Lula preso, talvez outros setores do PT se fortaleçam e priorizem esforços de uma frente de esquerda. A estratégia de manutenção da candidatura dele estava tornando tanto o PT quanto a esquerda reféns. Com a altíssima probabilidade de Lula não conseguir se candidatar, isso estava estimulando outros partidos de esquerda ambicionarem ser o PT do amanhã, gerando uma pulverização.
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