quarta-feira, 25 de abril de 2018

A hora e a vez de Joaquim Barbosa (Fernando Limongi)

Joaquim Barbosa, após os resultados promissores do Datafolha da semana passada, ameaça atravessar o Rubicão. Filiou-se ao PSB e foi ao encontro das lideranças do partido para uma operação de reconhecimento mútuo e acerto de ponteiros. Todos saíram satisfeitos, ou assim o declararam. Os sinais emitidos pela pesquisa justificam o otimismo dos que querem vê-lo candidato. As dificuldades à frente, contudo, são enormes.
Durante a semana, os órgãos de imprensa se puseram em campo para decifrar a esfinge. Apesar dos 9% de intenção de voto, pouco se sabe sobre o que seria um governo presidido por Barbosa. Sua imagem pública vem do protagonismo assumido ao longo do julgamento do mensalão. Em algumas questões, suas decisões e sentenças, assim como sua biografia, oferecem pistas. Mas nada além de pistas. Não se sabe sua posição sobre a gestão da economia. Nessa área, nada pode ser deduzido de suas sentenças. O mistério será solucionado ao serem conhecidos os nomes dos economistas que encontrará nos próximos dias. Fala-se em uma reunião com o ubíquo Armínio Fraga, mas há outros na fila, vindos do campo oposto.
A comparação com a entrada de Marina Silva na eleição de 2014 é inevitável. Joaquim Barbosa chega por cima, sem vinculação direta com os dois polos do espectro político brasileiro. Acenou que faria reformas defendidas pelos que colocam a austeridade fiscal como prioridade, mas não deixou de enviar sinais de que preservaria as políticas sociais voltadas aos mais pobres. Um pouco para todos os gostos.
Os dados do Datafolha apontam para um copo meio cheio. Na pesquisa espontânea, Joaquim Barbosa colhe um raquítico 1% das intenções de voto. Na sua companhia, com percentuais igualmente minguados, estão candidatos declarados, como Geraldo Alckmin, Marina Silva, Ciro Gomes e Alvaro Dias. Os únicos a se destacar na espontânea são Lula, com 13%, e Bolsonaro, com 11%.
Quando o eleitor é confrontado com listas de candidatos - e os pesquisadores torraram a paciência dos entrevistados com nove cenários diferentes - Joaquim Barbosa fica entre 8 e 9%, chegando a 10%, em uma das cartelas sem Lula. Marina tem crescimento mais expressivo, sobretudo nas configurações em que o ex-presidente é deixado de fora, chegando a 16% em alguns cenários. Barbosa não parece herdar votos de Lula, pelo menos não de forma significativa. É certo, porém, que nunca fica atrás quer de Geraldo Alckmin, quer de Ciro Gomes, o que indica, por um lado, seu potencial para crescer e, de outro, a fragilidade desses políticos experimentados e com longa carreira nas costas.
O desempenho de Jair Bolsonaro é singular. Sua votação varia pouco na passagem da espontânea para a motivada e praticamente nada com a variação da lista de candidatos. Faça chuva ou faça sol, o seu apoio é o mesmo. Só para comparar, Lula mais do que dobra seu apoio quando se passa da espontânea para a motivada. Sem Lula, Bolsonaro atinge seu nível máximo, 17%. Além disso, o candidato tem apoio concentrado em grupos específicos. Seu eleitor típico é branco, educado, tem renda média e mora no Centro-Oeste. A dificuldade com mulheres, mais pobres e os moradores do Nordeste é evidente. A truculência aprisiona o candidato a um nicho estreito, tão estreito quanto suas ideias, que, muito provavelmente, se encarregarão de detonar sua candidatura ao longo da campanha.
A flutuação positiva de Marina e Barbosa, quando comparada à estagnação relativa de políticos mais tradicionais, como Alckmin e Ciro Gomes, mostra que o eleitor abraça com maior facilidade as candidaturas que sinalizem renovação. A novidade, sem dúvida alguma, tem valor no atual mercado político.
Contudo, não qualquer novidade. Os novatos mais claramente identificados com o mercado, os que defendem versões diversas do Estado enxuto e da privatização generalizada, não importa se com ênfase ou não nos costumes, nunca passam de 1% das intenções de votos.
O clamor por renovação não garante o sucesso dos calouros e, muito menos, elimina o desafio que enfrentam. São mais do que desconhecidos, não possuem a reputação que dá base à confiança que justifica o voto, algo que só pode ser construído pela repetição da interação. Nesse particular, partidos não são diferentes de empresas e os empresários-ideólogos deveriam saber disso.
O vazio eleitoral atual pode ser entendido por meio dessa chave. A Lava-Jato destruiu a reputação dos principais partidos. O eleitor perdeu a confiança que depositava nos partidos tradicionais e procura novas opções, mas essas não brotam do dia para a noite.
Por isso mesmo, ainda que pouco se saiba sobre as políticas específicas defendidas por Joaquim Barbosa, o quase-candidato conta com enorme vantagem na largada. O mensalão lhe garantiu exposição e reputação de homem sério e intransigente. O trampolim está montado. Falta saltar e mostrar que sabe nadar. E aí, pelo que já se sabe do temperamento do ex-ministro, a coisa complica.
Na quinta-feira, Barbosa foi conhecer o partido a que se filiou. O episódio com a militante que o aguardava na entrada da reunião fala por si. Driblada na chegada, foi novamente ignorada na saída. Barbosa fez questão de deixar registrado seu desprezo à admiradora: "Sei que é candidata é quer aparecer na foto".
Pois Joaquim Barbosa também é candidato e sabemos que também quer aparecer bem na foto. Para tanto, além de solucionar seus problemas existenciais e os da sobrevivência de seus dependentes, terá que aprender a dividir os holofotes e a ribalta. Por enquanto, sua candidatura é uma sucessão de incógnitas que habitam um ego repleto de convicções inabaláveis. Ser candidato demandará grande esforço do candidato.
Políticos não brotam em árvores ou podem ser improvisados. A corrida é longa e repleta de obstáculos. O PSB já conhece a história: nem todos que largam na frente ganham a parada.
(*) Fernando Limongi é professor do DCP/USP e pesquisador do Cebrap.
Fonte: Valor Econômico (23/04/18)

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