terça-feira, 12 de abril de 2016

Nova maioria para uma nova agenda (Murillo de Aragão)


Provavelmente em 90 dias, no máximo, saberemos se o processo de impeachment resultará no afastamento ou não de Dilma Rousseff da Presidência da República. Independentemente de quem seja o presidente após o processo, o Brasil precisa de uma nova agenda e de uma nova maioria. Afinal, estamos na pior situação econômica possível em décadas: déficit fiscal, inflação, recessão e instabilidade política. Claramente, a atual configuração política do governo não tem a menor condição de enfrentar nossos desafios. É um governo tomado por um discurso bolivariano, que mais fragiliza do que o fortalece na luta contra o impeachment.
Quais os cenários políticos possíveis? Vamos a eles. Seja quem for o presidente, deverá haver recomposição do Ministério, visando a dar consistência a um presidencialismo de coalizão que nunca se realizou. Obrigatoriamente, o novo presidente terá de abrir espaço no governo para compor nova maioria, que terá de apoiar uma agenda dura de ajustes. E terá de se relacionar com políticos, pessoalmente, de forma regular e consistente. No caso de Dilma, ser a líder que nunca foi. Os desafios serão fazer a maioria ser operacional e mantê-la unida ante o debate de temas muito duros.
Outro fator determinante do day after do impeachment na Câmara seria o tamanho do apoio que Dilma Rousseff receberia para barrá-lo. Imaginem que cerca de 300 deputados aprovem o pedido. Não é suficiente para autorizar o julgamento no Senado, mas é uma robusta oposição que pode vir a paralisar o governo na Câmara.
Negociar com os adversários será salvação e obrigação. Assim, a conciliação de Dilma com o mundo político torna-se inevitável. E o vice-presidente Michel Temer, como “líder da maioria”, mesmo “derrotado”, terá papel relevante na construção de uma nova base. É uma grande ironia. Coisas do Brasil. Coisas da política.
Em qualquer cenário, tanto Dilma quanto Temer terão de realmente alocar aliados em postos importantes. Mesmo sendo um governo de reconstrução nacional, não poderá ser um teatro de coalizão. Terá de ser feita uma completa redivisão do poder e uma obrigatória adesão da base política à agenda do novo governo. Para ter um mínimo de sucesso a nova agenda deve ser construída em conjunto com os partidos da nova base. Viveremos, de verdade, um ciclo semipresidencialista em que sa nova maioria no Congresso governará. Não sendo assim, não iremos a lugar nenhum.
No campo fiscal e econômico, a nova maioria terá de se comprometer com um duro ajuste fiscal e a aprovação de medidas duras nos campos previdenciário, trabalhista, tributário e empresarial. O governo terá de ser mais flexível nas regras de concessão e contratação de obras públicas, a fim de direcionar o Brasil para uma economia mais aberta e competitiva. Enfim, nada disso é parecido com o que foi feito nos últimos anos. Dilma teria de jogar suas convicções econômicas no lixo e virar a página. Não parece que vá ocorrer caso ela permaneça. Porém a receita para sair da crise é clara.
Michel Temer, caso assuma a Presidência, terá de tomar medidas drásticas e urgentes. Algumas já estão delineadas no programa Ponte para o Futuro.
Provavelmente, mesmo não estando de acordo, Temer terá de buscar a aprovação da CPMF, tendo em vista um equilíbrio fiscal mínimo para, na sequência, implementar reformas mais profundas. Terá de acelerar o debate sobre a unificação do ICMS e promover uma radical simplificação do modelo tributário, além de acabar com as vinculações orçamentárias e estabelecer limites para o crescimento da despesa pública, congelar aumentos de salários do funcionalismo público e cortar ministérios e cargos de confiança. Não é uma agenda trivial.
Considerando o quadro e seus desafios, o cenário em caso de vitória de Dilma na disputa do impeachment não é animador. Dois outros desafios para o presidente pós-impeachment devem ser considerados. Para Elias Canetti, do alto de sua sapiência, a inflação é um fenômeno de massa no sentido mais verdadeiro e estrito da palavra. Diz ele que a inflação causa um efeito perturbador tão grave quanto as guerras e as revoluções. Por isso as medidas de controle da inflação devem ser duras e imediatas, a fim de evitar o caos e o descontrole.
O outro desafio está na dinâmica própria das investigações e dos julgamentos ligados às Operações Lava Jato e Zelotes. Como disseram o juiz Sergio Moro e o ministro Teori Zavascki, ainda tem muita coisa para acontecer. Os danos ao mundo político e empresarial ainda não estão delimitados. As delações relacionadas às megaempreiteiras estão estraçalhando o mundo político e sepultando o capitalismo tupiniquim. Um novo modelo terá que ser construído.
Administrar o Brasil pós-impeachment será, para quem estiver no comando, uma tarefa muito difícil. O País terá de se olhar no espelho e ver que o modelo em vigor é insustentável. Terá de enfrentar a tarefa de matar vacas sagradas e dizer, claramente, quais privilégios e quais benesses devem acabar. Terá de recompor o presidencialismo de coalizão numa base partidária superfragmentada. Terá, ainda, de profissionalizar a administração das estatais antes de embarcar num amplo programa de privatizações. Tudo emoldurado pelo agravamento da recessão, do desemprego, da inflação e dos efeitos colaterais das investigações em curso. E, ainda, submetido às surpresas da Lava Jato e à resistência das corporações à perda de benefícios.
Mas os problemas de hoje são oportunidades e, sobretudo, os conselheiros mais perversos e realistas que os governantes de plantão podem ter. Encará-los poderá apresentar-nos as soluções de que tanto necessitamos para evitar o naufrágio da nossa democracia.
(*) Murillo de Aragão é mestre em ciência política e doutor em sociologia pela Unb, é advogado e consultor
Fonte:  O Estado São Paulo (09/04/16)

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