Faz algum tempo, sustento que a eleição importante será em 2018, não a deste ano. Mesmo com o surgimento-surpresa de uma terceira candidata em condições de ganhar, mais me parece que estas eleições presidenciais marcarão o fim de uma época do que o nascimento de uma nova. Todas as principais forças políticas em disputa precisarão rever-se a fundo, até para sabermos se sobreviverão ou não. O ex-tucano Walter Feldmann, hoje próximo de Marina Silva, declarou há dias que o PSDB se desfará, se a candidata do PSB+Rede vencer. Só que não: os tucanos não são os únicos animais políticos em risco.
Continua sendo possível o PT ganhar, mas mesmo vencendo ele sairá das urnas com a maior fadiga de material destes últimos anos. Está subindo nas intenções de voto ao politizar a campanha e puxá-la para a esquerda, o inverso do que fez no governo. Por que Lula escolheu Dilma Rousseff e não Patrus Ananias ou Tarso Genro, para concorrer à presidência em 2010? Porque ela, de todos os líderes petistas, era a mais próxima das preocupações empresariais. Que o patronato não goste dela é uma pesada ironia, porque ela e eles compartilham a preocupação com o PIB.
Um segundo governo Dilma Rousseff enfrentará, talvez agravados, problemas como os do final do primeiro. Há as dificuldades econômicas, mas há as políticas. Muitos criticam seu estilo de governo, que seria mais o da chefia que o da liderança, com pouco diálogo. Mas o ponto principal é mais profundo: qual o projeto petista, uma vez realizada a mais ampla - ainda que incompleta - redução da miséria e da pobreza de nossa história? Os programas emergenciais, como o Bolsa Família e o Mais Médicos, melhoraram muito a condição dos ex-miseráveis, mas está na hora de substituí-los por outros, estruturais - e que poderão afrontar ainda mais os conservadores. O sucesso de Lula se deve a ter atuado pela borda, sem confrontar os ricos e a direita - que, longe de devolver a gentileza, quer derrotar o PT. Dará para manter a mesma linha política?
Quanto ao PSDB, mesmo uma vitória - hoje improvável - deixa em aberto qual projeto ele adotará. A agenda tucana é sobretudo econômica. Não propõe sonhos (por isso, Marina passou à sua frente). O que o PSDB quer fazer da vida, ele que continua entoando o mantra das medidas econômicas? A certa altura de seu segundo mandato, Fernando Henrique Cardoso disse que a Internet permitiria "um novo Renascimento". Ninguém mais, no tucanato, tocou neste ponto, que seria decisivo para o partido ter um projeto abrangente, indo além dos meios econômicos para discutir os fins, as metas da sociedade.
Já a vitória de Marina, também possível, traz dificuldades em série para seu grupo. Primeiro, nem sabemos de que grupo se trata. Ela será eleita pelo PSB e tomará posse por outro partido? Improvável, mas há textos afirmando que ela sai do PSB para fundar a Rede. E assim como o PT só tem Lula para 2018, e o PSDB ninguém fora Aécio, a Rede conta apenas com Marina e o PSB, com ninguém. É tudo muito pessoal. Nossa política se tornou, em todos os principais partidos, monárquica.
Mas, para além dos nomes, Marina enfrenta a difícil soma de programas sociais ambiciosos com uma politica econômica próxima da tucana: temos uma espécie de síntese de um PT aprimorado pelo ambientalismo, no que é sonho, e de um PSDB nas medidas econômicas imediatas, no que é a dura realidade. Mas a própria novidade de uma economia sustentável, que é um de seus pontos-chave, está sendo omitida de sua campanha, conforme comentei na última coluna. É pena, porque ela não surgiu como a candidata do tripé econômico, mas da luta contra as emissões de carbono. Ocultar este ponto é ruim, renunciar a ele pior ainda.
O que dizer, então? As três - ou quatro, porque não sei se PSB e Rede são uma ou duas, nem se o PSB sobrevive sem Eduardo - forças políticas têm desafios enormes a cobrir entre 2014 e 2018. A Rede+PSB precisa crescer, não tanto em número, porém em proposta e equipe. Mas dispõe de uma vantagem comparativa notável: representa o novo. O PSDB teria de se repensar por inteiro, começando por se dar conta de que economia é meio, não fim. Deveria investir mais no FHC do "novo Renascimento", a partir da internet, e menos no FHC das privatizações, que é o que eles recordam. O PT precisaria reencontrar o discurso ético. Uma de suas falhas gritantes foi não proclamar, ao ser acusado de corrupção, que a chaga ética maior do Brasil é a miséria, e que ele foi o primeiro a enfrentá-la de maneira decidida. Em vez disso, preferiu promover a inclusão social como agenda de consumo, de crescimento econômico, de sedução empresarial e eleitoral, mas sem elaborar seu valor moral. O PT hoje fala mais aos bolsos do que aos sonhos.
Nesta eleição, talvez possamos inverter o ditado francês, de que no amor quem perde ganha. Desta vez, todos perderão a curto e mesmo médio prazo, porque terão todos de mudar, mas o vitorioso na eleição terá a dificuldade adicional de precisar trocar o pneu com o carro andando. Terá de refundar seu partido (ou fundá-lo, no caso de Marina) enquanto gere uma máquina superada. Vitorioso e derrotados deverão repensar suas identidades. Pelo menos o PT e o PSDB não parecem ainda convencidos disso. Ou seja, precisariam começar reconhecendo que chegaram ao teto de suas possibilidades históricas. Se a terceira candidata adquiriu, tão rapidamente, tantas intenções de voto, sobretudo entre os que eram indecisos, é mais pelo desencanto com os dois grandes partidos do que pelo conteúdo de suas propostas. Os próximos anos podem ser bem interessantes.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.
Fonte: Valor Econômico
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