Pensei num pequeno roteiro para o voto no primeiro turno da eleição presidencial. O ideal seria desenhar um fluxograma mas, não tendo eu esta habilidade, vai em texto mesmo.
A primeira pergunta é: você vai votar para seu candidato vencer, ou para marcar posição? Se aposta na vitória dele, como a maior parte provavelmente faz, leia este parágrafo e o seguinte, mas só para sua reflexão. Agora, se para você o principal é afirmar uma ideia ou ideal, sem se preocupar com a vitória imediata mas querendo transmitir um recado forte aos políticos e à sociedade, este é o seu lugar. Sua posição é plenamente legítima, ainda mais num sistema de dois turnos, porque poderá, no segundo, votar "útil". E a pergunta será: você é um firme defensor das liberdades pessoais? Se sim, seu candidato é Eduardo Jorge. Ele está a favor de tudo o que é liberdade individual. É o mais moderno dos postulantes, deste ponto de vista. É uma Marina sem religião ou religiosos, mas com muita natureza. Dos candidatos, é o mais cool - e, brinde, o mais bem humorado. Um tuíte seu é antológico. Uma admiradora lhe escreveu: "Como você é lindo!"; ele respondeu: "Você está louca querida". Imbatível.
Mas há também outro nome, se sua questão for afirmar um ideal. Para você, o mais importante são os direitos sociais? Se sim, sua candidata é Luciana Genro. Apesar da retórica marxista, seu partido, o PSOL, não é tão radical. Em vários pontos, quer apenas aplicar a Constituição. Muitos direitos ainda não foram consagrados em lei. Assim como Eduardo Jorge, ela tem a sinceridade de quem não disputa a eleição para ganhar a curto prazo, fazendo concessões em prol da governabilidade, mas para firmar posições que, a médio ou longo termo, mudem o mundo.
Sem esses dois, a campanha teria um teor elevado de tédio.
Agora, se você quer a vitória de seu candidato, a coisa muda de figura. Comecemos pela pergunta: os programas sociais são prioridade zero para você? a ponto de não se importar muito se a economia vai bem ou mal? Se sim, sua candidata é Dilma Rousseff. Vejam, não estou dizendo que ela - ou você - é economicamente irresponsável. É questão de prioridade. Se para você conta, acima de tudo, a inclusão social - e se não dá crédito ou relevância aos rumores de uma iminente catástrofe na economia, sua posição é essa.
Vamos à pergunta seguinte. Para você, uma economia saudável é a chave de tudo o mais? Você pode ser contra os programas sociais, ou a favor deles, mas acreditar que sem uma boa economia eles não terão dinheiro. Neste caso, você não vota no PT - mas já sabia disso. Não estou dizendo nada de novo... Sua próxima etapa é decidir entre Aécio Neves e Marina Silva.
Aqui temos um primeiro conjunto de questões. Você considera a privatização uma das principais iniciativas que foram tomadas na economia brasileira, e que talvez deva ser retomada? E dá importância crucial a uma gestão responsável, testada, da economia? Receia imaginação demais e eficiência de menos? Um "sim" a este conjunto de perguntas leva a um voto em Aécio. Por um lado, porque no atual discurso tucano a defesa da economia privada é central. Segundo, porque o PSDB tem o melhor nome que a oposição possa colocar na Fazenda, a saber, Arminio Fraga. E, sobretudo, porque o núcleo duro dos que votam em Aécio não quer correr riscos com a economia.
Quem votará, então, em Marina? Não é tão fácil formular a pergunta agora. Você não gosta da economia petista, mas aceita uma dose de risco maior do que os votantes de Aécio, na economia e no pacote completo? Pensa que a sociedade deva substituir um modelo predatório de desenvolvimento por um sustentável? Acredita que os recursos naturais devam ser explorados com parcimônia e critério? Crê que o que retiramos da natureza - por exemplo, ar e água - deve ser devolvido a ela com a mesma qualidade que tinha antes da utilização? Isso significa que a água que esfriou as turbinas da fábrica volte ao rio despoluída, que o carbono gerado por uma viagem de carro ou avião seja compensado pelo plantio de árvores. Se concordar com isso, você vota em Marina porque acredita num mundo melhor. Sua opção não é prudente e conservadora como a do parágrafo anterior, é conservacionista e em alguma medida utópica - embora um dos principais conselheiros da candidata diga ter horror desta palavra, "utopia".
Há outras possibilidades, neste G3 + 2? (G3 são os três principais candidatos, 2 são os do voto idealista, que mencionei no começo). Há. Certamente muitos votarão em Marina sem concordar com seus ideais, apenas por acreditar que ela tem mais chances de derrotar o PT. Será um voto útil. E haverá quem vote em Aécio, mesmo receando que num segundo turno ele seja derrotado por Dilma, por prudência, por convicção de que sua equipe é a melhor. Mas procurei percorrer as opções principais.
Em tempo: o segundo turno é outra coisa. Se o seu candidato ficar fora, você não precisa seguir o que ele recomendar. A decisão é sua. Mas não desvalorize o voto do primeiro turno. Ele não elege, mas é precioso, porque é sua voz.
Uma última sugestão: anote no computador os nomes em quem votar para deputado, federal e estadual. Se forem eleitos, passe os próximos anos acompanhando, por algum site (há vários), o que cada um faz e não faz. Mande e-mails a eles com frequência, apoiando ou reclamando. Dispender uns minutos por mês nisso não tem preço. Ajudará a mudar, para melhor, a representação nos legislativos - que hoje é bastante ruim. Isso depende de você e de seus amigos. E não importa em quem vote, faça isso.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.
Valor Econômico
A certeza de que os resultados das urnas serão respeitados é prova de que a democracia brasileira está funcionando bem em um aspecto central, o sistema eleitoral. Mas os exemplos de vizinhos como Venezuela e Argentina mostram que democracia é muito mais do que eleições -ela requer também instituições sólidas, que permitam que o governo funcione de forma competente e eficiente; uma ordem legal que proteja e garanta a liberdade e os direitos individuais; e um sistema político-partidário que seja percebido pelos cidadãos como capaz de articular e representar seus interesses e preocupações. As democracias modernas também necessitam abrir espaço para a participação dos cidadãos em diversas áreas de seu interesse, acompanhando e complementando a ação dos governantes. Vista assim, a democracia brasileira está ainda longe do que deveria ser, e o risco de resvalar pela ladeira do "bolivarismo" de tipo venezuelano é bastante real.
Os episódios recentes que atingiram o IBGE, assim como o debate recente sobre a autonomia do Banco Central, permitem entender com clareza a importância das instituições em um regime democrático, que afeta também as agências regulatórias, o Supremo Tribunal Federal, as universidades públicas, o Ipea, a Receita Federal e a Polícia Federal, assim como empresas estatais como Petrobras, Banco do Brasil, Caixa Econômica e BNDES. O governo federal, em nome da sociedade, tem responsabilidade e obrigação de indicar os principais dirigentes dessas instituições, orientar suas ações e cobrar resultados, o que é muito diferente de ter a liberdade de nomear, simplesmente, seus preferidos políticos e interferir, sem mais aquela, no dia a dia de suas atividades. É para isso que devem existir regras definidas sobre as características que os indicados precisam ter (competência técnica, idoneidade, ausência de conflitos de interesse), mandatos definidos, aprovação das indicações pelo Senado, e conselhos superiores encarregados de supervisionar e também de proteger as instituições de interferências externas indevidas.
O governo FHC avançou bastante ao dotar as agências reguladoras de autonomia e garantir, na prática, a independência de instituições como o IBGE, o Ipea e o Banco Central, sem chegar a lhes dar, no entanto, a estrutura legal de instituições autônomas de que necessitam. Os governos do PT usaram as agências reguladoras e as estatais para distribuir cargos para aliados e protegidos, e só agora o país percebe o alto preço que está pagando, entre outros, pelo uso político da Petrobras e da Eletrobras. O Ipea e o IBGE, sem mandatos e formatos institucionais claros, se perdem em confusões técnicas que criam suspeitas sobre interferências políticas. E o posicionamento da candidata Dilma contra a autonomia do Banco Central mostra que ela não reconhece a importância de instituições públicas sólidas para uma democracia que realmente funcione. Não é um bom sinal.
Folha de S. Paulo
Desde 1994 as eleições presidenciais no Brasil têm sido disputadas por partidos de centro-esquerda e privilegiado a política econômica e a política social. Houve mais convergências que divergências em relação à primeira. A inflexão dos governos FHC se fez em nome da estabilidade, do ajuste fiscal e do combate à inflação, e foi mantida pelos governos Lula-Dilma, que assim puderam apostar em políticas de emprego, na valorização do salário mínimo e na busca de crescimento. Os dois ciclos se interpenetraram.
Na política social, o período Lula-Dilma investiu no aumento do poder de compra dos salários e da renda da parte mais pobre da população, incrementando também o Bolsa Família. A orientação posta em prática turvou um pouco a racionalidade estatal, expôs a economia à inflação, beneficiou excessivamente os bancos e o mercado, mas teve efeitos positivos. O País melhorou, mas o investimento não trouxe consigo avanços na educação, na saúde, na previdência. A infraestrutura estagnou.
Nas eleições de 2014 as circunstâncias mudaram. Mas o embate continua a dar-se entre formas esmaecidas de esquerda. Os democratas batem-se consigo próprios. Não há um partido capitalista disputando votos com um partido socialista, rótulos à parte. Nem sequer o PT ocupa lugar claro à esquerda, depois das reviravoltas que afetaram seu pensamento e sua conduta. Não mais se apresenta como partido, somente como governo. O PSDB continua tão social-democrata quanto antes, o que não quer dizer muita coisa, dado o permanente desinteresse do partido em esclarecer o real significado de sua sigla. E Marina Silva, incorporada ao PSB, ainda está procurando definir tanto a substância das novidades que propõe quanto a filiação delas.
A contraposição esquerda-direita hoje no Brasil indica, no máximo, uma posição espacial. Tanto quanto a polarização anterior - PT x PSDB -, os choques atuais reduzem-se a um sistema de vetos cruzados, alimentado por muitos interesses, muitos adjetivos e pouca substância. A perda de potência da díade esquerda-direita sugere a abertura de outro ciclo no País, no qual as ideias políticas ganharão nova vida.
Em que pese isso, há um salto de qualidade. Em 2014 estão sendo discutidos temas caros à democracia: sustentabilidade, distribuição de renda, igualdade, direitos sociais e participação popular. Por baixo das escaramuças eleitorais e das baixarias de campanha corre um rio mais sereno, cujas águas acumulam fatos e consensos importantes. Ele flui nas profundezas do subterrâneo, não consegue ser processado pela sociedade, mas vai assim mesmo deixando marcas por onde passa, organizando o futuro. Pode ser condensado num pequeno conjunto de pontos.
Uma ideia nova de política se tornou imperativa na vida brasileira, seja derivada de uma "reforma política" ou de uma "nova política". A sociedade não aceita mais o modo como os políticos atuam. Há um amplo consenso contra a falta de transparência, o excesso de chantagem e a mixórdia de interesses que condicionam as relações entre governos e partidos.
Um bom sistema partidário é decisivo na democracia representativa. Nenhum presidente governa sem partidos.
Os tempos exigem, porém, partidos mais qualificados, que coordenem e eduquem seus integrantes, selecionem com critério seus quadros e interajam com as características, os valores e as demandas do atual modo de vida.
A participação popular na política energiza e oxigena a democracia representativa. Aumentar os espaços para que se ouçam a população e suas organizações ajuda a que se ajuste a democracia aos tempos atuais, ampliando o controle social sobre o poder.
Um presidente é eleito para governar o País inteiro, sem exclusões. Suas escolhas terão de ser devidamente processadas pelo sistema político e na sociedade. Seu maior dom deve ser a capacidade de convencer, negociar e contemporizar, sem temer confrontos ou recuos. Seu papel não é o do executor, mas o do estadista, do "fundador de novos Estados".
É preciso dar dignidade, condições de igualdade, direitos, educação e saúde às enormes parcelas da população que vivem na miséria e na pobreza. Pensá-las como cidadãos de um Estado democrático e como consumidores, base de um mercado interno que sustente a economia.
As "minorias" étnicas, de gênero, etárias, religiosas devem ser tratadas sem paternalismo, em nome do respeito à sua integridade, à sua dignidade, a seus direitos e às suas reivindicações. Quanto mais se avançar nesse terreno, mais chances a sociedade terá de enveredar por uma trilha de bem-estar e justiça social.
Uma economia centrada na exploração infrene, no consumismo e na superacumulação mata o futuro. A sustentabilidade, o respeito às gentes, ao trabalho e à natureza, o cuidado no trato com a experimentação transgênica e genética, o esforço para reduzir a poluição e a dependência ao automóvel precisam ser objeto de ações pontuais e permanentes.
A economia globalizada e financeirizada não está em bancarrota e sufoca os governos. De tripé em tripé, os programas econômicos dos diferentes partidos seguem pouco se diferenciando entre si. Os mantras dos economistas - superávit primário, independência do Banco Central, câmbio flutuante, juros altos, pleno emprego, ajuste fiscal - funcionam como cataplasmas para dores localizadas: não mudam o sistema. A luta política no terreno da economia não deveria ser essencializada, a não ser que fosse para pôr em xeque os grandes interesses e os "poderes fortes", fáticos, o que nunca é feito.
Esses pontos estiveram embutidos nas campanhas dos candidatos principais. Não vieram à tona com força. Não conseguiram ser, portanto, traduzidos politicamente. Tivessem sido, teríamos um mapa para a recomposição de forças de que necessitará o País a partir de 2015. Dá para esperar algo diferente no segundo turno?
*Marco Aurélio Nogueira é professor titular de teoria política e diretor do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da Unesp
Fonte: O Estado de S. Paulo
Dilma Rousseff não para de nos surpreender. Agora disse que o papel da imprensa não é o de investigar, mas, sim, divulgar as informações que produzem os órgãos do governo.
Minha surpresa é maior ainda. Dilma apresentou a Lei de Acesso à Informação, depois de longo trabalho da Associação Brasileira do Jornalismo Investigativo. A lei foi impulsionada pelo trabalho do jornalista Fernando Rodrigues, que sugeriu a criação de uma frente parlamentar, monitorou todas as reuniões da comissão da Câmara que analisou o projeto, organizou seminários e trouxe gente de vários países para falar sobre o tema. Por que tanto empenho dos repórteres na aprovação de uma lei de acesso? O próprio nome de sua entidade é uma pista que Dilma não poderia desprezar: jornalismo investigativo.
Dizer que a imprensa não deve investigar é o mesmo que dizer que um centroavante não deve fazer gols. É uma frase absurda até para quem não conhece bem o futebol. E absurda para quem conhece o papel histórico da imprensa. A geração de Dilma acompanhou o escândalo do Watergate, que encerrou a carreira de Richard Nixon. Ela sabe disso e usou o tema para dizer que sua frase foi interpretada erroneamente. Com um pedacinho de papel na mão, ela tentou consertar o desastre.
Poderia passar o dia citando casos de importantes investigações da imprensa. Prefiro mencionar os casos de governos que pensam que esse não é o papel dos jornalistas. Vladimir Putin, por exemplo, também acha que o papel da imprensa não é investigar. A jornalista Anna Politkovskaia resolveu investigar o trabalho das tropas russas na Chechênia e foi assassinada. Sua morte chamou a atenção do mundo para a repressão contra a imprensa na Rússia.
A China expulsa correspondentes estrangeiros com frequência, ora por tentarem entrar em áreas proibidas no Tibete, ora por mencionarem a fabulosa riqueza pessoal dos burocratas que dirigem o país. E o jornal cubano Granma jamais vai investigar de forma independente um desmando do governo porque o castigo é desemprego, prisão e até pena de morte.
O jornalistas brasileiro Vladimir Herzog foi morto sob tortura durante o regime militar não tanto porque investigou, mas talvez porque só desconfiasse ativamente das notas oficiais da ditadura. No governo do PT não se persegue ou mata jornalista, dirão seus defensores. Mas não deixa de ser inquietante suspeitar que isso não se faça agora só porque a correlação de forças não permite. Um dirigente petista chamado Alberto Cantalice fez uma lista de nove jornalistas que considera inimigos, preocupando as entidades do setor aqui e fora do Brasil.
A frase de Dilma pode ser considerada um ato falho. Os intelectuais que se mantêm fiéis ao esquema, apesar das evidências de sua podridão, sempre vão encontrar uma forma de atenuar essa barbaridade. E os marqueteiros, um pequeno texto para convencer de que ouvimos mal o que Dilma disse. Os ato falhos, tanto em campanha como fora dela, são extremamente didáticos. No caso, a frase de Dilma revela com toda a clareza o pensamento autoritário da presidente: cabe ao governo produzir as informações e à imprensa divulgá-las ou até criticá-las, o que os jornalistas não podem é buscar os dados por conta própria.
Numa célebre intervenção sobre a espionagem americana, Dilma contou ter dito a Barack Obama: "Quando a pasta de dente sai do dentifrício, não pode mais voltar". Certas frases, quando escapam, têm o mesmo destino do creme dental: não podem voltar para o tubo, que é o artefato que Dilma queria mencionar ao dizer dentifrício. Espero que Obama a tenha entendido, com a mediação dos intérpretes. Creio que a entendo muito bem quando diz que o papel da imprensa não é investigar.
O governo petista pôs o Congresso de joelhos e alterou substancialmente a correlação de forças no Supremo Tribunal. Ele considera que a ocupação de todos os espaços vai garantir-lhe não só governar como quiser, mas o tempo que quiser. Porém a imprensa e as redes sociais ainda escapam ao seu controle. E creio que escaparão sempre, pois o País está dividido. O que mantém tudo funcionando é a existência de gente curiosa, que lê, troca informações e gosta de ser informada por órgãos independentes do governo. Mesmo se Dilma for reeleita, com sua truculência mental, uma considerável parte do Brasil que rejeita os métodos e o discurso do PT continua por aí, cada vez mais forte e mais crítica.
Apesar da alternância democrática, certos governos podem durar muitos anos. Mas creio ser impossível se perpetuarem quando têm a oposição das pessoas que prezam a liberdade.
Liberdade de quê?, perguntariam. Consumir mais, melhorar a renda não ampliam a liberdade? Ao se impor na Franca, o socialismo de Jean Jaurès e, mais tarde, de Léon Blum dizia que a justiça política tinha de se acompanhar da justiça econômica. Blum era um fervoroso e racional defensor da República. O PT inventou que seus opositores não gostam de pobre em aviões ou em shopping centers, que a oposição ao seu governo é fruto de intolerância classista.
Exceto um ou outro idiota, ninguém é contra a presença de pobres em aeroportos ou shoppings. O PT deturpou a ideia de República. Em nome de melhorias econômicas, armou o maior esquema de corrupção da História e agora flerta abertamente com a supressão da liberdade de imprensa. Ele usa uma aspiração republicana para sufocar as outras e seu líder máximo, amarfanhado, se veste de laranja para defender de inimigos imaginários a Petrobrás, que o próprio governo assaltou. Suas farsas estão mais grotescas e os atos falhos, mais inquietantes.
Sou do tempo do mimeógrafo. Ainda que consigam devastar a imprensa e proibir a internet, publicações clandestinas seguirão contando a história. Não faremos comissões futuras para investigar a verdade. Vamos conquistá-la aqui e agora, porque, como diz Dilma, a pasta saiu do dentifrício, ou o dentifrício saiu da pasta. Só não vê quem não quer ou é pago para confundir.
Estranho, mas não tenho nenhum medo de governos autoritários. Apenas uma sensação de tristeza e preguiça por ter de voltar a esses temas na segunda década do século 21.
* O Estado de S. Paulo
Faz algum tempo, sustento que a eleição importante será em 2018, não a deste ano. Mesmo com o surgimento-surpresa de uma terceira candidata em condições de ganhar, mais me parece que estas eleições presidenciais marcarão o fim de uma época do que o nascimento de uma nova. Todas as principais forças políticas em disputa precisarão rever-se a fundo, até para sabermos se sobreviverão ou não. O ex-tucano Walter Feldmann, hoje próximo de Marina Silva, declarou há dias que o PSDB se desfará, se a candidata do PSB+Rede vencer. Só que não: os tucanos não são os únicos animais políticos em risco.
Continua sendo possível o PT ganhar, mas mesmo vencendo ele sairá das urnas com a maior fadiga de material destes últimos anos. Está subindo nas intenções de voto ao politizar a campanha e puxá-la para a esquerda, o inverso do que fez no governo. Por que Lula escolheu Dilma Rousseff e não Patrus Ananias ou Tarso Genro, para concorrer à presidência em 2010? Porque ela, de todos os líderes petistas, era a mais próxima das preocupações empresariais. Que o patronato não goste dela é uma pesada ironia, porque ela e eles compartilham a preocupação com o PIB.
Um segundo governo Dilma Rousseff enfrentará, talvez agravados, problemas como os do final do primeiro. Há as dificuldades econômicas, mas há as políticas. Muitos criticam seu estilo de governo, que seria mais o da chefia que o da liderança, com pouco diálogo. Mas o ponto principal é mais profundo: qual o projeto petista, uma vez realizada a mais ampla - ainda que incompleta - redução da miséria e da pobreza de nossa história? Os programas emergenciais, como o Bolsa Família e o Mais Médicos, melhoraram muito a condição dos ex-miseráveis, mas está na hora de substituí-los por outros, estruturais - e que poderão afrontar ainda mais os conservadores. O sucesso de Lula se deve a ter atuado pela borda, sem confrontar os ricos e a direita - que, longe de devolver a gentileza, quer derrotar o PT. Dará para manter a mesma linha política?
Quanto ao PSDB, mesmo uma vitória - hoje improvável - deixa em aberto qual projeto ele adotará. A agenda tucana é sobretudo econômica. Não propõe sonhos (por isso, Marina passou à sua frente). O que o PSDB quer fazer da vida, ele que continua entoando o mantra das medidas econômicas? A certa altura de seu segundo mandato, Fernando Henrique Cardoso disse que a Internet permitiria "um novo Renascimento". Ninguém mais, no tucanato, tocou neste ponto, que seria decisivo para o partido ter um projeto abrangente, indo além dos meios econômicos para discutir os fins, as metas da sociedade.
Já a vitória de Marina, também possível, traz dificuldades em série para seu grupo. Primeiro, nem sabemos de que grupo se trata. Ela será eleita pelo PSB e tomará posse por outro partido? Improvável, mas há textos afirmando que ela sai do PSB para fundar a Rede. E assim como o PT só tem Lula para 2018, e o PSDB ninguém fora Aécio, a Rede conta apenas com Marina e o PSB, com ninguém. É tudo muito pessoal. Nossa política se tornou, em todos os principais partidos, monárquica.
Mas, para além dos nomes, Marina enfrenta a difícil soma de programas sociais ambiciosos com uma politica econômica próxima da tucana: temos uma espécie de síntese de um PT aprimorado pelo ambientalismo, no que é sonho, e de um PSDB nas medidas econômicas imediatas, no que é a dura realidade. Mas a própria novidade de uma economia sustentável, que é um de seus pontos-chave, está sendo omitida de sua campanha, conforme comentei na última coluna. É pena, porque ela não surgiu como a candidata do tripé econômico, mas da luta contra as emissões de carbono. Ocultar este ponto é ruim, renunciar a ele pior ainda.
O que dizer, então? As três - ou quatro, porque não sei se PSB e Rede são uma ou duas, nem se o PSB sobrevive sem Eduardo - forças políticas têm desafios enormes a cobrir entre 2014 e 2018. A Rede+PSB precisa crescer, não tanto em número, porém em proposta e equipe. Mas dispõe de uma vantagem comparativa notável: representa o novo. O PSDB teria de se repensar por inteiro, começando por se dar conta de que economia é meio, não fim. Deveria investir mais no FHC do "novo Renascimento", a partir da internet, e menos no FHC das privatizações, que é o que eles recordam. O PT precisaria reencontrar o discurso ético. Uma de suas falhas gritantes foi não proclamar, ao ser acusado de corrupção, que a chaga ética maior do Brasil é a miséria, e que ele foi o primeiro a enfrentá-la de maneira decidida. Em vez disso, preferiu promover a inclusão social como agenda de consumo, de crescimento econômico, de sedução empresarial e eleitoral, mas sem elaborar seu valor moral. O PT hoje fala mais aos bolsos do que aos sonhos.
Nesta eleição, talvez possamos inverter o ditado francês, de que no amor quem perde ganha. Desta vez, todos perderão a curto e mesmo médio prazo, porque terão todos de mudar, mas o vitorioso na eleição terá a dificuldade adicional de precisar trocar o pneu com o carro andando. Terá de refundar seu partido (ou fundá-lo, no caso de Marina) enquanto gere uma máquina superada. Vitorioso e derrotados deverão repensar suas identidades. Pelo menos o PT e o PSDB não parecem ainda convencidos disso. Ou seja, precisariam começar reconhecendo que chegaram ao teto de suas possibilidades históricas. Se a terceira candidata adquiriu, tão rapidamente, tantas intenções de voto, sobretudo entre os que eram indecisos, é mais pelo desencanto com os dois grandes partidos do que pelo conteúdo de suas propostas. Os próximos anos podem ser bem interessantes.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.
Fonte: Valor Econômico
Entrevistado pela revista Caros Amigos durante o governo FHC, nela tive a honra de conversar com Milton Santos, homem de ciência combativo. A matéria fora sugerida pelo mestre e causou impacto nos campi. Como resultado fui perseguido pelos áulicos do governo, alunos meus perderam bolsas de estudo, recebi "desconvites" por desafiar os então senhores dos ministérios. O meu espanto maior, no entanto, veio com o petismo no poder.
Intelectuais contrários ao sucateamento do ensino passaram a seguir os governantes, de quem se tornaram instrumentos. Dos mesmos que aplaudiram minhas teses recebi lições de indecoroso maquiavelismo. E por invectivar seus hábitos exibidos sem pudor, logo eles me pespegaram as fichas de moralista, tucano e outros mimos. A entrevista circula na internet. Quem quiser a consulte e note que minhas posições permanecem intactas. Mas os jacobinos de ontem assumem o papel de intelectuais orgânicos cuja tarefa, além de farejar verbas e cargos, consiste em destruir os contrários ao arbítrio. Logo percebi o quanto errei ao acolher as juras democráticas dos que então se levantavam contra o poder vigente. Fanáticos da "ética na política" revelaram-se cúmplices de corruptos, na carcomida oligarquia brasileira.
Os cargos de confiança, a direção de empresas de menor porte, as honrarias do Planalto, as viagens pagas ao exterior, tudo serviu aos intelectuais como lentilha para vender consciências. Um colega recebeu a tarefa de servir como "assessor ético da Petrobrás". Pelo visto, a assessoria foi frutuosa…
Na dita entrevista critiquei a tese de que existiria poder na universidade. Insisti sobre algo óbvio no Estado moderno, que concentra os monopólios da força, da norma jurídica, dos impostos. Mas os iludidos do mundo acadêmico alardeiam o "poder" dos reitores, dos conselhos, etc. "Onde a universidade tem isso? Onde um reitor tem isso?", interrogava eu na Caros Amigos. E advertia: "Temos representantes do poder na universidade. Esses reitores são embaixadores do poder". Milton Santos radicalizou minha fala: "Essas pessoas que se renovam nos postos de comando constituem um grupo que tem certa autonomia de existência e se opõe à ideia da universidade".
Os dirigentes universitários mimetizam o verdadeiro poder. O Estado brasileiro embaraça o Executivo hegemônico com o Judiciário e o Legislativo. Nos campi o reitor paira acima do conselho. Mas para garantir seu controle existem os grupos de sustentação nomeados depois das eleições. Uma visita às universidades em dias de urna mostra sua igualdade com os municípios brasileiros: promessas e falta de prudência. Para um dossiê sobre esse ponto se leia o excelente livro organizado por W. Rampinelli O Preço do Voto: os Bastidores de uma Eleição para Reitor (2008).
Os escolhidos esbanjam verbas, vão aos ministros, pedem favores a oligarcas do Congresso, apoiam candidatos à reeleição presidencial. Representantes do poder nos campi, eles apoiam seus favoritos como se fossem donatários do espaço acadêmico. Ignoram que são reitores de toda a comunidade.
I. Kant adverte que o administrador, ao defender suas ideias, deve usar a razão comum, seguir os mesmos direitos e deveres dos outros funcionários públicos. Os reitores federais movem os cargos que não lhes pertencem e incensam presidentes com manifestos ilegítimos. Outros cerebrinos bajulam mandatários sem possuir o cargo de reitor. Eles chegam à ignomínia ao explorar o preconceito contra a religião dos candidatos não palacianos. Eles se reúnem com a postulante oficial, mas não parasitam a academia.
Em outubro de 2004, Luiz Inácio da Silva recebeu o apoio dos 55 reitores federais. A presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior, Ana Lúcia Gazzola, confessou que o referido beija-mão foi o segundo entre reitores e Presidência. Em agosto de 2003, "pela primeira vez tivemos uma reunião de caráter político entre o nosso sistema e o presidente da República" (MEC, ver http://www.universia.com.br). Difícil optar pelo mais lamentável, se a ilegalidade no apoio a um candidato poderoso ou a subserviência no uso sem peias de cargos públicos para fins eleitoreiros.
Para o pleito de 2014 é mantida prática idêntica. Reitores de 54 universidades federais foram ao Alvorada para exibir uma carta de apoio a Dilma Rousseff. A reitora Margareth Diniz foi ditirâmbica: "Ela (Dilma) recebeu a carta com muita alegria, porque sendo uma classe de reitores, que lida com a educação superior, considerando a importância que é tratar da educação superior no País, receber um manifesto de reitores é algo que ela achou muito importante". Pobre língua brasileira! Além do psitacismo, o alarido conceitual: reitores nunca formaram uma "classe". Além da bajulação e do peditório, os dirigentes repetem slogans como se fossem verdades científicas: segundo a magnífica, Dilma defende verbas do pré-sal para a educação. "A lei dos royalties prevê a destinação de 75% dos recursos oriundos da exploração do pré-sal para a educação e 25%, para a saúde". João Santana forja os chavões da presidente e hoje dita o programa universitário. A continuar o servilismo reitoral, logo teremos nova carta em louvor de Marina Silva ou de outro inquilino palaciano.
Palavras têm sentido. Os magníficos exibem heteronomia, jamais autonomia acadêmica. E onde estão os movimentos docentes, mudos diante da ilegalidade antidemocrática? E o Ministério Público nada tem a dizer? Fariam bem os reitores se lessem Plutarco, Como Distinguir o Amigo do Bajulador, e o padre Vieira no sermão aos peixes. Lá encontrariam o nome perfeito de sua atividade: eles servem à higiene dos poderosos, os peixes grandes, como "pegadores". E na triste sina são honoris causa por experiência, pois agem assim desde a ditadura Vargas e o regime de 1964.
Pobre Brasil.
*Roberto Romano é professor da Unicamp e autor de 'O Caldeirão de Medeia' (Perspectiva)
Fonte: O Estado de São Paulo
Confiante de que o segundo turno será mesmo entre Dilma Rousseff (PT) e Marina Silva (PSB), o cientista político Murillo de Aragão diz que a candidata petista tem conseguido manter o eleitor que quer "mudança com segurança". Para ele, Dilma tem uma simbologia com os ganhos petistas dos últimos 12 anos. "Isso é bem claro. Mas tem que mostrar que vai fazer mais e melhor", acredita. Presidente da Arko Advice Pesquisas, Aragão, que está lançando o livro "Reforma Política — o debate inadiável", se diz surpreso não com a ascensão meteórica de Marina, mas sim com a resistência da ambientalista. O cientista político não acha que seu sucesso seja fruto do antipetismo, mas sim do desejo de mudança que Aécio Neves (PSDB) não conseguiu encarnar. No segundo turno, Aragão acha que Marina precisará administrar seu delicado encontro com o partido de Aécio: "Ela vai querer os votos do PSDB, mas não o abraço dos tucanos".
Eduardo Miranda – Brasil Econômico
A menos de 15 dias da eleição, já é certa a polarização entre Dilma e Marina? Alguma chance de termos o PSDB no segundo turno desta vez?
Tudo indica que teremos essa polarização, sim, a não ser que aconteça algo extraordinário. Com Aécio, o PSDB tem uma dificuldade muito grande. Teria que acontecer uma reviravolta enorme para que ele voltasse a ser competitivo. É possível, até porque existem situações eleitorais de virada e, até mesmo de súbita ascensão e súbita queda nas intenções de voto. Mas, não acontecendo nada de extraordinário, o cenário está posto. Dilma e Marina devem disputar o segundo turno.
Há chances de Dilma ganhar a eleição no primeiro turno?
Há, mas é difícil, porque teria que combinar uma ascensão ainda maior dela com uma queda muito grande da Marina, e até mesmo do Aécio. É possível, mas não é provável.
As últimas pesquisas mostram certa "estagnação" de Marina. Essa campanha petista contra ela, tocando na questão do pré-sal, está funcionando?
Há que se considerar que o tempo de televisão da Dilma é muito maior. Os ataques e a própria propaganda dela têm muito mais chances de serem percebidos pelo eleitorado do que as mensagens de Marina. Tendo em vista que são temas sensíveis, houve um eventual desgaste de Marina. Mas as duas candidatas demonstram ter uma resistência bastante interessante na reta final da campanha, porque ambas atravessaram momentos difíceis.
As denúncias sobre a Petrobras afetam o eleitorado?
A Petrobras é um tema muito sensível, porque a empresa reside no imaginário da população, especialmente da mais atenta, por vários motivos. Pela própria histórica presença no debate político nacional, pela crescente produção do pré-sal e pelos escândalos, também. O escândalo da Petrobras afeta, principalmente, o eleitorado mais esclarecido, e as acusações de que Marina não daria a atenção devida ao pré-sal afeta, especialmente, setores do eleitorado do Rio de Janeiro. São públicos específicos, mas que, no frigir dos ovos, são importantes.
Lula afirmou que os funcionários da Petrobras deveriam se orgulhar de vestir a camisa da empresa e que quem errou deveria ser punido. Essa é uma estratégia de campanha, admitindo um erro do PT e afirmando que esse problema será extirpado?
O eleitorado não está atento a todas as mensagens que são enviadas pelos políticos e candidatos. No fundo, essa mensagem interessa mais aos públicos que são mais atentos à questão da Petrobras. No caso do Lula no Rio de Janeiro, ele usou um apelo de forma emotiva. É um discurso político com impacto, mas que não é extraordinário.
Hoje, já é possível explicar a ascensão meteórica da Marina?
Não tive dúvidas de que a Marina ia crescer. Quando houve o acidente com o Eduardo Campos, três dias depois gravei uma entrevista apontando alguns vetores que indicavam que ela cresceria. Por conta da comoção causada pelo acidente, pelo teto de votos de 27%, identificado pelo Datafolha, e por quase 70% do eleitorado que queria mudanças e não as via nos candidatos. Não me surpreendi com a subida, mas com sua resistência.
O sr. acha que ela capitaneou um sentimento anti-PT que seria do Aécio em outro cenário?
Tenho uma certa dificuldade em generalizar esse sentimento anti PT. Ele é muito localizado em algumas comunidades, alguns setores do eleitorado, e é evidente que a imagem do PT ficou afetada por conta de tudo que aconteceu em relação ao mensalão. O que beneficia Marina não é o antipetismo, mas um desejo de mudança que era identificado em Lula. O que há é um certo fastio da forma de governar, mas não é, necessariamente, um antipetismo.
O antipetismo restrito é um dos fatores do insucesso de Aécio?
Aécio não conseguiu encarnar a mudança em sua campanha. Não é o petismo ou o antipetismo. Parte relevante do eleitorado deseja mudança. Alguns desejam mudança com segurança, outros desejam mudança com mudança. Quem está olhando mudança com segurança, está indo em direção à Dilma, porque não tem outra opção. Quem quer mudança com mudança, vai em direção ao Aécio, em menor número, e, em maior número, à Marina, que conseguiu convencer a maior parte do eleitorado de que pode fazê-las.
Dilma está conseguindo construir essa imagem de mudança?
Parte significativa do eleitorado quer Marina. A outra vota em Dilma, porque ela tem uma simbologia em relação a ganhos petistas nos últimos 12 anos. Isso é bem claro, tanto é que ela tem um eleitorado grande e fiel. Mas também quer que o governo Dilma seja melhor, que o país volte a crescer, que não tenha ameaças em relação à inflação, que os transportes públicos melhorem. É como dizia um amigo meu: o povo já está indo para a segunda viagem. Na primeira, aceitava qualquer tipo de hotel. Ela tem que mostrar que vai fazer mais e melhor.
Marina já chegou a um teto de crescimento, ou pode ir além?
Hoje em dia, o espaço para crescimento está se dirigindo para roubar as intenções de voto dos outros. Nesse sentido, quem tem mais a perder é o Aécio, e quem tem mais a ganhar é a Dilma, por causa dos mecanismos de sua campanha e por conta da fragilidade da campanha do Aécio. O essencial, para Marina, é manter-se no nível que está para chegar ao segundo turno, quando o tempo de televisão será igualmente dividido.
O PT aposta que Marina não vai conseguir dar conta desses 12 minutos no segundo turno. Há chances de o programa de TV ajudar Marina a ganhar?
O programa de TV tem muito mais um papel de defesa ou de ataque do que, propriamente, de convencimento. Ele é o espaço para os candidatos se defenderem de acusações e atacarem os adversários. Acredito que, em se replicando o cenário atual, teremos um segundo turno muito pegado. E aí o tempo de televisão vai ser muito animado. Não vai ser uma coisa muito devagar e sem vida. A campanha está em um nível de agressividade pouco visto na história recente do país. Por outro lado, pela primeira vez, desde 2002, o PT tem uma possibilidade de ser derrotado. Isso também aumenta o grau de agressividade, diferentemente do que foi o PSDB, que nunca soube elevar o tom. Quando o fez, foi com aquela história do medo, que não colou. O PT está sendo muito agressivo na manutenção do seu discurso e no ataque aos adversários.
Dilma na ofensiva, e Marina na defensiva...
A estratégia está funcionando para Dilma neste momento, quando ela consegue manter sua liderança no primeiro turno e empatar no segundo turno. Agora, há certas estratégias que têm efeitos colaterais. Às vezes, abusar de um caminho de agressividade pode gerar o efeito contrário. A bem da verdade, Dilma tem um rol de realizações importantes que nunca foram adequadamente comunicadas.
E o sr. acredita que estão sendo, agora, no programa de TV?
Não. O que se destaca no programa é a excelência da produção. Não quero entrar no mérito, porque há um certo desejo de se criticar ou elogiar as mensagens. Acho que as mensagens são políticas. O discurso é de uma guerra política, e ninguém ali está querendo perder a eleição, nem um lado nem outro. O fato é que, tecnicamente, os anúncios da Dilma são muito bem feitos.
O sr. disse que o programa de TV não chega a ser o definidor do voto. Ainda assim, qual é o grau de prejuízo de um tempo tão curto para Marina?
É muito ruim. As pessoas notaram que a propaganda eleitoral não é decisiva para uma campanha, porque o interesse é baixo. O que, talvez, seja mais importante são os spots, distribuídos na programação. E os spots da Dilma são 10 vezes mais do que os de Marina, e são muito bem feitos. É admirável que Marina consiga se manter altamente competitiva sem ter os mesmos recursos.
Qual é a expectativa para a migração de votos de Aécio no segundo turno?
De que a maior parte dos votos de Aécio se dirija para Marina, porque há uma compatibilidade do eleitorado que remanesce com Aécio, em relação ao que ela representa.
Marina pode enfrentar resistência de seus eleitores ao obter o apoio oficial do PSDB no segundo turno?
Acredito que sim, mas não de forma generalizada ou predominante. No fundo, como a Marina vem de uma posição de "zebra", acredito que seu eleitorado vai aceitar a constituição de uma frente política em favor de sua candidatura no segundo turno. É claro que ela vai ter que temperar essa situação, porque, de certa forma, uma recepção completa do PSDB... ela quer os votos do PSDB, mas não quer o abraço dos tucanos, porque aí o PT vai atacar. Para ela continuar expressando o novo, tem que criar uma situação de ambiguidade, que faz parte da política.
Tem sido dito que o PSB vai diminuir sua bancada na Câmara e que pode perder governadores. Qual é o nível de contaminação da eleição presidencial nos estados?
Uma candidatura presidencial forte, competitiva, vitaliza uma candidatura ao governo estadual e as eleições legislativas. Agora, não é uma relação brutal, mortal. Por outro lado, muitos parlamentares transitam fora da questão partidária. Eles têm uma imagem própria muito forte, que independe da campanha presidencial.
A força que Marina teme não transfere para as eleições estaduais a coloca como uma estranha no ninho do PSB?
Ela nunca foi uma estranha no ninho. A questão é que houve um acordo, no qual ela vem usar a estrutura partidária do PSB. Ela nunca negou que queria e vai criar a Rede Sustentabilidade. Isso, então, é uma questão fadada, que foi sempre colocada, desde o começo desse acordo. Agora, o PSB tem, de certa forma, que usar o fenômeno Marina para construir uma nova finalidade, que poderá ter duas perdas: a do Eduardo Campos, que já ocorreu, e a do presidente. Essa é uma questão que fica para os próximos capítulos da sucessão.
A ruptura dela como PSB se dará após o processo eleitoral?
Não. A gente tem que convir que existe um programa partidário. Isso é um ponto. Existe um programa de governo, que é outro ponto. E existe, até, o programa de uma coalizão, que é mais um ponto. Se Marina fosse eleita com a maioria do Congresso ao seu lado, ela poderia fazer o seu plano de governo. Se o PSB elegesse a maioria do Congresso, poderia dizer para a Marina: "Nós elegemos a maioria do Congresso e você vai ter que seguir nosso ideário". Nenhuma dessas posições é imutável, porque as circunstâncias é que vão impor algum tipo de entendimento. Programa de governo é uma coisa, programa partidário é outra e programa de coalizão pode ser uma outra. Vejo que a tendência é que ocorra isso: a construção de um consenso, que abandona certas posições, naturalmente.
Com a redução das bancadas dos outros partidos e o aumento do PMDB, não fica difícil para Marina resistir ao maior partido do país?
Temos uma certa mecânica de presidencialismo de coalizão, que já foi descrita pelo cientista político Sérgio Abranches, e que prevê três fases. Uma, em que todo mundo apoia; outra, de ambivalência; e uma fase de rejeição, na qual o governo perde a sua maioria. Essas três fases são afetadas por dois vetores. Um vetor típico, que é o período de graça inicial que um presidente da República tem. Há um certo respeito ao presidente em seu período de graça inicial, para deixar as coisas acalmarem. Ainda permanece uma certa ambiência relacionada à eleição. Então, há uma expectativa de que as coisas melhorem, funcionem adequadamente. Esse período dura seis, oito meses. O do Collor durou seis meses. O Fernando Henrique conseguiu ir mais longe, por causa do sucesso do Plano Real. Mas, após um ano e pouco de governo, teve uma derrota na reforma previdenciária, que teve de ser remendada pelo relatório do Michel Temer, que era líder do PMDB na época. O Lula teve um certo período de graça em 2003, no seu início. O segundo vetor é o ambiente econômico. Se a economia vai bem, se a sensação térmica é boa, isso favorece o presidente. E, em consequência, o Congresso fica mais respeitoso com o chefe do Executivo. Se a economia vai mal, o questionamento começa a funcionar. É um relacionamento meio torcida de futebol em relação ao técnico.
Marina diz que quer fazer um governo com os bons de cada partido...
E outra hora, diz que quer fazer um governo em torno de agendas. Isso tudo pode funcionar se o período de graça funcionar e se a economia vitalizar. Um terceiro ponto: depende da sua ousadia legislativa. Se ela quer uma maioria de proteção, ela pode conseguir. Se ela quer uma maioria de propostas reformistas, provavelmente, vai ser mais complicado. Mesmo o Lula, que teve uma grande maioria, não conseguiu aprovar grandes reformas. Em que medida é viável a "nova política" que ela propõe? Este termo é uma marca, uma alegoria e uma intenção. Uma marca, porque ela quer ter um slogan forte; uma alegoria, porque simboliza a mudança e uma intenção, sinaliza que quer praticar um outro tipo de política. O que ela quer dizer com isso? Que não vai entrar nas alianças clientelísticas, do "toma lá, dá cá". Ela vai querer criar alianças em torno de programas, de temas. Seria dizer assim: "Muito bem, eu sou a favor da reforma tributária. Chama todos os partidos aqui e vamos discutir o tema". Aí, começa-se a discussão para se chegar a um consenso. Esse é o modelo que ela vai tentar fazer. Se vai funcionar... é complicado dizer. O Brasil tem uma história de relacionamento complexa entre presidente e Congresso, desde 1945. Não é fácil.
O sr. vê um "terrorismo" petista nesse contra-ataque à proposta da Marina de independência do BC?
Sou a favor da autonomia do BC. Não no sentido clássico e, talvez, americano, amplo, porque, lá, o sistema político já atingiu um desenvolvimento que nós ainda não atingimos. Acredito que o Banco Central deve ter um razoável grau de autonomia ou grau significativo de autonomia. O que a gente vê, hoje em dia, não é uma discussão consistente, mas uma exploração política e eleitoral de um tema sério. Dizer que autonomia significa dar o poder para os banqueiros não é verdade, porque o presidente do Banco não precisa ser banqueiro para ser autônomo. Não significa, necessariamente, que a diretoria do Banco Central seja composta por banqueiros.
Quando atacam Marina com esse argumento, a oposição vem e diz que a autonomia já existe. Em que medida isso procede?
De certa forma, existe. Não digo que exista no sentido clássico, que muitos defendem dentro do marco neoliberal. Mas, hoje, há uma relativa autonomia. Muitas vezes, o BC aumentou a taxa de juros em momento que o governo não desejava. Mas não é uma situação absolutamente clara. O que existe é uma crescente autonomia do BC, verificada nos últimos tempos. Lá atrás, a questão era absolutamente clara. O Banco Central não era autônomo. Ponto. Ele atuava como um braço do governo. Indo mais atrás, o BC nem existia. Quem fazia o papel do Banco Central era a Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), dentro do Banco do Brasil. O Banco Central era o Banco do Brasil. Se a gente tomar os últimos 50 anos, é evidente que essa questão foi evoluindo. Ao evoluir, ela visa a ter, adiante, no marco institucional mais aperfeiçoado, que o BC tenha uma independência, para atuar como guardião da moeda, independentemente de quem esteja mandando. Esse debate está apenas começando no Brasil.
A disputa para o governo de Minas está muito acirrada entre PT e PSDB e Aécio tem tentado evitar esse baque, que o atinge em cheio. O sr. acha que o PSDB pode reverter o quadro?
Acho que eles têm que fazer isso mesmo, porque lá é fundamental para ele conseguir essa vitória. Mas é difícil. Porém, ele tem carisma e prestígio para, eventualmente, dedicando-se mais ao processo, reverter essa situação. É uma grande batalha.
Por que não deu certo essa tentativa do Lula de eleger o Alexandre Padilha em São Paulo?
Em São Paulo, existe um fenômeno político chamado Geraldo Alckmin (PSDB). É impressionante o seu carisma e como ele consegue sobreviver a pelo menos três problemas: as manifestações, cujo agravamento teve, afinal, a ver com a política de São Paulo; o escândalo da Alstom-Siemens, que atinge em cheio o tucanato paulista; e essa falta d"água, que é um problema sério também. Apesar de tudo isso, ele mantém uma olímpica vantagem em relação aos outros candidatos. O segundo ponto é que, talvez, Padilha não tenha conseguido encaixar uma boa mensagem em um momento que (o prefeito Fernando) Haddad enfrentou muitos problemas de imagem. Isso fragilizou o eleitorado petista, que é, em sua maioria, urbano. Esperava-se que a base urbana do PT alavancasse a candidatura do Padilha. Lembrando que, quando Haddad foi candidato, o grande debate era sobre o efeito do mensalão na campanha eleitoral, que foi pequeno. Talvez, o mensalão tenha evitado a vitória do Haddad no primeiro turno. Mas ainda existia uma sensação de sucesso muito grande do governo Lula, do governo Dilma, que ainda contava com uma popularidade muito alta. No início de 2013, Dilma começou o ano com mais de 60% de popularidade. Esse ambiente foi muito favorável ao Fernando Haddad, e é completamente diferente do que o Padilha está enfrentando. Naquela época, a grande preocupação do PT era o mensalão. Mas o eleitorado não estava ligando muito para o mensalão, porque a economia funcionava bem, a Dilma era popular, o Lula também e, enfim, era a hora de mudança em São Paulo.
No Rio e em São Paulo devem ganhar os candidatos da situação. As manifestações de junho de 2013 ficaram distantes na memória dos brasileiros?
Quando se estuda a erupção de revoluções e movimentos, ocorrem alguns componentes. Primeiro, o acaso, que tem um papel relevante nisso aí. O segundo é a existência de várias insatisfações. O terceiro é a concentração dessas insatisfações em um desejo de mudança dos poderes estabelecidos. A terceira fase, no Brasil, cristalizou-se na mudança democrática, pelo voto. Daí você ter 70% de pessoas querendo mudanças. Não necessariamente, a mudança da revolta, da destruição, do abalo das instituições. Onde há uma desconexão? Não há. Acho que há um compromisso com a democracia e, segundo, um desejo de mudanças. E entra um terceiro fator: as manifestações foram capturadas por movimentos radicais. Isso também afastou a população. Você quer mudança, mas não radicalismo. Nesse sentido, eu vejo que a conexão não é aquela evidente, mas não deixa de existir.
A figura presidencial capturou melhor o desejo de mudança?
Não. O que aconteceu foi o seguinte: começou com a questão do transporte, evoluiu para cura gay, PEC 37, fora políticos, reforma política, contra a corrupção. O passo seguinte foi o atendimento de parte dessas agendas. A PEC 37 foi derrotada, o passe livre foi mais ou menos resolvido e algumas medidas contra a corrupção foram aprovadas no Congresso. Então, há um fracionamento da agenda e, com isso, uma perda de discurso do movimento. A quarta etapa foi a apropriação do movimento pelos radicais, que afastou, evidentemente, a população, que não quer isso. Agora, remanesce uma insatisfação. Ela está presente nas pesquisas, expressando-se na eleição presidencial.
(*) Cientista político e presidente da Arko Advice Pesquisas
Era para ser uma eleição disputada com bola murcha, diante da descrença generalizada do eleitorado na política. Os scripts dos principais candidatos, todos empenhados em apresentar argumentos sistêmicos sobre o estado atual da nossa economia e o que fazer para projetá-la à frente, não pareciam ter o condão de precipitar uma competição eleitoral que viesse a inflamar a atenção da opinião pública. Esperava-se uma disputa morna e vazada em termos racionais. Para isso também conspiravam o perfil e o histórico dos três principais candidatos, Dilma Rousseff, Aécio Neves e Eduardo Campos, uma presidente disputando uma reeleição em defesa de suas práticas governamentais e dois jovens ex-governadores bem avaliados em seus Estados, todos personalidades não carismáticas, formadas politicamente no terreno da gestão em administração pública.
Nesse cenário, não estaria equivocado quem a identificasse como uma competição eleitoral travada sob o signo da previsibilidade, diante da crença de que se tinha pela frente uma eleição em dois turnos - estilo das imediatamente anteriores -, cálculo reforçado pela candidatura de Eduardo Campos, recém-saído da coalizão governamental de que tinha sido um dos esteios. Quase consensualmente, admitia-se que caberia a Dilma vencer no primeiro turno. Eduardo Campos, pouco conhecido fora de sua região, o mais jovem dos opositores, parecia apostar mais na sucessão presidencial seguinte, enquanto Aécio contava com uma campanha que o credenciasse para o segundo turno como o melhor intérprete da insatisfação reinante com o atual governo.
As tramoias do destino, com a tragédia que vitimou Eduardo Campos, viraram, como se constata, de ponta-cabeça o cenário previsto para a competição, com o retorno à cena política da assombração do carisma, agora de saias, na pessoa da candidatura de Marina Silva, com sua história pessoal de superações e seu sobrenome tão comum aos "simples", com o dom de aliciar, por si só, empatia no mundo popular. Sua aparição, com seu discurso desconforme a "tudo isso que aí está" em nossas práticas políticas, trouxe de novo à ribalta o espírito dos idos de junho de 2013, que jazia embaixo do tapete, estranho aos discursos das três candidaturas originais, que tinham selecionado como mote os temas econômicos.
Invocados os sentimentos difusos em favor de "uma nova sociedade" e de uma "nova política", que tinham encontrado vocalização naquelas inéditas manifestações, logo acabaram por encontrar em Marina, tanto por sua figura não convencional quanto pelo discurso que adotou, o seu natural portador. Junho de 2013, para tantos um episódio remoto, passou a participar da sucessão presidencial. Tal identificação projetou-a meteoricamente nas pesquisas eleitorais, salvo outras intervenções do Sobrenatural de Almeida, para a disputa no segundo turno. A economia foi obrigada a compartilhar seu tradicional lugar de primazia na campanha eleitoral com razões de outras procedências, deslocando Aécio, que, preparado para outro tipo de embate, não teve condições de reciclar seu discurso. Restou-lhe, ao menos até aqui, a dignidade de permanecer fiel ao seu programa e à sua história.
O debate entre os candidatos, sem desconhecer as questões econômicas, passou a gravitar em torno de um elenco novo de questões, com ênfase especial nos temas políticos - nosso degradado presidencialismo de coalizão foi chamado à berlinda - e nas questões de fundo ético-moral, estas últimas, desta vez, sem serem desqualificadas sob a designação de moralismo vazio. Outros ecos de junho de 2013 também se fizeram ouvir, como nas discussões sobre a necessidade de ampliar a esfera pública a partir de mecanismos de participação popular. A agenda do moderno de algum modo se infiltrou nos debates eleitorais, reduzindo o papel tradicionalmente ocupado pelas políticas de modernização e pelo papel do Estado na condução da economia, aliás, em defensiva em muitos dos seus momentos.
Bem antes do seu desenlace em outubro, estas eleições, qualquer que seja o vitorioso nas urnas, já nos deixam resultados tangíveis. O principal deles está na confirmação de que a via régia para as mudanças reclamadas difusamente pelas ruas se encontra nas instituições da democracia política, cujo aperfeiçoamento se tornou imperativo. Um longo ciclo, de Fernando Henrique Cardoso aos governos do PT, em que o moderno vem tendo de pagar pedágio às forças do atraso e às tradições do mando oligárquico, calculando e moderando cada passo com vista a manter sua coalizão com ele, já esbarrou nos seus limites.
Este ciclo encontra quem o defenda na presente competição eleitoral e a coalizão política, que ainda preconiza a sua continuidade, parece ser a favorita para vencê-la. Mas está exangue e tem contra si, a esta altura, uma consciência crescente por parte da população dos seus efeitos perversos sobre a vida social e a política. Nesse sentido, com a sociedade alinhada em direção oposta, consiste numa política de alto risco conceder mais uma oportunidade a ela.
Aécio e Marina têm exercido um papel pedagógico na denúncia dessa política desastrada, que a tudo sacrifica em nome de uma governabilidade cuja razão de ser é manter tudo isso que aí está. Decerto que uma ética de responsabilidade não pode desconhecer as circunstâncias inóspitas em que atua. Contudo, se ela abdica de valores éticos, degrada-se em pragmatismo estéril se não souber preservar valores de convicção diante dos valores de sucesso, tal como sinaliza, em sua interpretação de Weber, Wolfgang Schluchter em seu clássico Paradoxos da Modernidade (Unesp, 2010). Os riscos, na situação atual, para os governantes que não desertam de suas convicções são bem menores do que seguir adiante com as práticas degradadas que ora nos arruínam.
*Professor pesquisador do Departamento de Ciências Sociais da PUC-Rio
Fonte: O Estado de S. Paulo
Há duas semanas, o favoritismo de Marina era bem maior. A perda de terreno nas intenções de voto não é o principal indicador de que Marina é hoje menos favorita do que foi. A perda de votos é, antes de tudo, consequência de acontecimentos de campanha que acabaram por deixá-la em posição menos confortável.
O fenômeno Marina pode ser explicado por três fatores combinados: o maior conhecimento de seu nome por parte do eleitorado, o fato de ela ocupar o terreno do voto de oposição e características que a aproximam da imagem de Lula. Note-se que esses três elementos dizem respeito à opinião pública, ao eleitorado. São as visões que o eleitorado tem de Marina.
No Brasil, o nível de conhecimento do candidato é uma formidável barreira ao sucesso eleitoral. Convencionou-se denominar isso, como se nossa língua não tivesse uma palavra adequada, de "recall". É muito comum que os políticos, quando se trata de serem eleitos para o Poder Executivo, disputem mais de um pleito. O processo eleitoral é caracterizado por um curto e intenso período de comunicação. Graças a isso, alguém que não é muito conhecido no início da campanha pode se tornar bem mais conhecido em seu final. Lula é o exemplo clássico. Disputou três eleições antes de vencer a quarta. A cada eleição que disputava, Lula se tornava mais conhecido do eleitorado.
Ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos, não há primárias no Brasil. O processo de escolha do candidato em eleições primárias faz com que seu nome se torne conhecido pela maior parte do eleitorado. Assim, quando um candidato democrata e outro republicano iniciam a corrida para a Casa Branca, devidamente escolhidos por seus partidos, ambos têm o mesmo nível de conhecimento. É como se dois atletas fossem correr os 100 metros rasos e os dois partissem da mesma linha de largada.
Na corrida eleitoral de 100 metros, Marina largou na frente de Aécio pelo simples fato de ter disputado a eleição de 2010. Ao colocar seu nome nacionalmente, há quatro anos, ela largou com cinco pontos percentuais de vantagem sobre Aécio, em termos de nível de conhecimento, assim que Eduardo Campos morreu. Parece uma vantagem pequena, mas não é. Considerando-se os seis meses que antecederam o acidente aéreo que vitimou Campos, Marina pouco havia aparecido na mídia nacional. Ainda assim, ela se manteve mais conhecida do que Aécio, que estava nos mesmos seis meses em plena campanha eleitoral. Apenas isso era suficiente para que Marina tivesse mais votos do que Aécio, como acabou sendo demonstrado pelas pesquisas.
No momento, o nível de conhecimento de Marina é pelo menos 10 pontos percentuais maior que o de Aécio. Isso praticamente soterra as esperanças do candidato do PSDB de ultrapassar Marina. Fica evidente que foi um grande erro o PSDB ter lançado Serra candidato a presidente em 2010. Aquela eleição, e o PSDB sabia disso, caminhava para ser ganha pela candidata de Lula. Estando isso claro, o melhor teria sido lançar Aécio em 2010, para que em 2014 o nome dele fosse nacionalmente conhecido. Como Serra foi candidato em 2010 e Aécio é o candidato de 2104, ficou aberto o caminho para Marina, que veio a ser candidata nas duas eleições. O PSDB foi punido por uma decisão tecnicamente equivocada, quando se considera a lógica da opinião pública.
Outro fator relevante para o sucesso de Marina é que ela atrai o voto de oposição. Por definição, só há um candidato governista, ao passo que podem existir vários candidatos de oposição. O eleitor sabe que Dilma representa o governo e que, portanto, todos os demais candidatos são contrários ao governo. Assim, aqueles que querem mudança dirigem sua atenção majoritariamente para Marina e Aécio. Como Marina sempre teve "recall" mais alto que o de Aécio, ela acaba conquistando imediatamente mais eleitores de oposição que ele. Dito de maneira talvez mais clara: para o eleitor, Marina é mais de oposição do que Aécio. Não importa que ela tenha feito a maior parte da carreira política no PT. Importa é que, hoje, na visão dos eleitores, representa a mudança em face do governo Dilma. A combinação entre "recall" mais elevado que o de Aécio e o voto de oposição faz com que Marina ocupe em definitivo o terreno que seria do candidato do PSDB.
O terceiro fator para o sucesso de Marina é o que denominamos de "Lula de saias" na coluna do dia 22 de agosto. De fato, a imagem de Marina, junto aos eleitores, é muito semelhante à de Lula. É por essa razão específica que Marina pode ser considerada o "Lula de saias". Os eleitores afirmam que as principais características pessoais de Lula e Marina são as de serem "gente como a gente" e entenderem "o problema dos pobres". Isso permite que Marina conquiste eleitores mais próximos de Dilma e do PT. O mais interessante é que Marina não vem se utilizando disso na campanha. Ela fez pouco uso, até agora, de sua trajetória política e pessoal, tampouco conectou isso com suas propostas de governo. Apesar de ter junto ao eleitorado a imagem de "Lula de saias", sua campanha vem posicionando-a mais como uma peessedebista repaginada. Marina não se utiliza de seu principal capital de imagem, e isso vem resultando na perda de favoritismo.
Além do enorme tempo de propaganda, muito maior que o de seus oponentes, a campanha de Dilma tem levado ao ar programas de rádio e TV primorosos, irretocáveis, tanto na forma quanto no conteúdo. Por isso, no primeiro mês de propaganda eleitoral gratuita, a avaliação positiva do governo melhorou: a soma de "ótimo" e "bom" aumentou algo em torno de cinco pontos percentuais. A melhoria da avaliação do governo é algo que Marina e sua campanha não controlam. Não é possível afirmar se o "ótimo" e o "bom" de Dilma continuarão aumentando. O fato é que isso dificulta a vida de Marina: quanto mais eleitores avaliam positivamente o governo, maiores as chances de crescimento de Dilma.
A melhoria da avaliação de governo não é algo trivial. Em 1998, graças à propaganda eleitoral, Fernando Henrique melhorou em cinco pontos percentuais a avaliação de "ótimo" e "bom" de seu governo. Lula conseguiu uma melhora de nove pontos percentuais em 2006, ano de sua reeleição.
Nas eleições para governador, ocorre de tudo. Há aqueles que melhoram a avaliação de seus governos e há os que não conseguem fazer isso. São raras as melhorias de avaliação muito acentuadas. Isso acontece quando o governador é pouco conhecido do eleitorado, quando disputa sua primeira eleição. Foi o caso de Anastasia em Minas Gerais e o de Pezão nesta eleição no Rio de Janeiro (como também de Gilberto Kassab, no Município de São Paulo).
Governantes que assumem no meio do mandato, que eram vices e acabam se tornando conhecidos no decorrer do processo eleitoral no qual disputam sua reeleição têm mais espaço para melhorarem sua avaliação do que aqueles que já foram votados quatro anos antes. Não significa que Dilma não possa melhorar ainda mais a avaliação de seu governo, mas isso não tem sido a regra. Pode-se argumentar que eleições para governador têm lógica diferente das eleições para presidente. É verdade. Mas é o que temos para analisar o que acontece no Brasil.
O que parecia se constituir em uma vitória bastante provável de Marina, deixou de ser. A eleição presidencial assumiu contornos de disputa acirrada. A trajetória de Marina em muito se assemelha ao Cruzeiro no campeonato brasileiro. Até pouco tempo atrás, sua vantagem sobre o segundo colocado era bem confortável. Caiu bastante, porém, e hoje é de somente quatro pontos. O time mineiro, assim como Marina, dependia e continua dependendo de seus próprios resultados. Há duas semanas, os erros e falhas da defesa não colocavam em risco suas respectivas lideranças. Não é o que acontece hoje.
Fonte: Valor Econômico (Eu & Fim de Semana)
Enquanto pesquisas para os principais cargos do Poder Executivo são divulgadas quase diariamente e acompanhadas com avidez, pouco se veem projeções para a composição do Poder Legislativo. Mas o Instituto Análise acaba de realizar um levantamento que prevê quais candidatos, entre os 7.138 inscritos em todo o Brasil, conseguirão se eleger e quais ficarão para trás. A projeção foi feita graças à regularidade na formação das bancadas ao longo do tempo. A taxa de acerto esperada pelos realizadores da pesquisa fica entre 80% e 90%, segundo Gerson Jorio, responsável pela condução do levantamento.
A renovação da Câmara dos Deputados projetada é de cerca de 35%, em linha com a média das eleições anteriores. Dos 391 atuais deputados que buscam se reeleger, uma ampla maioria deverá conseguir, muito provavelmente acima de 70%. Segundo o instituto, a votação de um deputado tende a variar muito pouco em relação à eleição anterior, porque os mecanismos que determinam o sucesso eleitoral para o Legislativo já estão estabelecidos. Como resultado, os novos deputados deverão ser cerca de 180.
Entre os 391 candidatos à reeleição, um que provavelmente será bem-sucedido é o parlamentar do PR-SP Francisco Everardo Oliveira Silva, mais conhecido como Tiririca, que durante seu mandato chegou a manifestar desilusão com a política. Em 2010, o palhaço foi o candidato com a maior votação entre os postulantes a uma vaga na Câmara dos Deputados em todas as unidades da Federação, com 1,35 milhão de votos. Um deputado que abre vaga para a entrada de um novo parlamentar pelo Estado do Rio de Janeiro é o outrora craque do futebol Romário, do PSB, que concorre não à reeleição, mas ao Senado. Somando as 122 vagas abertas por deputados que não buscam a reeleição, como Romário, com aqueles que não conseguirão novo mandato, a análise chega aos 35% de taxa de renovação.
Figuras que garantiram polêmicas e manchetes ao longo dos últimos quatro anos deverão confirmar a perenidade de suas cadeiras em Brasília. O psolista Jean Wyllys, do Rio, está cotado para conseguir a vaga novamente, assim como seu correligionário paulista Ivan Valente. Do lado oposto das brigas em torno de direitos humanos vivenciadas ao longo do governo de Dilma Rousseff, o pastor Marco Feliciano (PSC-SP) e o ex-militar Jair Bolsonaro (PP-RJ) também prosseguem na carreira parlamentar.
Outras projeções do Instituto Análise são o ex-presidente do Corinthians Andrés Sanchez, candidato pelo PT-SP, o tucano paulista Bruno Covas, neto do governador Mario Covas, e os também herdeiros políticos Rodrigo Maia (DEM-RJ, filho do ex-prefeito carioca Cesar Maia e ex-líder do PFL na Câmara), Carlos Daudt Brizola (PDT-RJ, ex-ministro do Trabalho e neto de Leonel Brizola) e Clarissa Garotinho (PR-RJ, filha dos ex-governadores fluminenses Anthony e Rosinha Garotinho). A ex-governadora tucana do Rio Grande do Sul Yeda Crusius também aparece na lista.
"Todo mundo gosta de se perguntar sobre a renovação do Legislativo, mas gosto de brincar dizendo que mudam os nomes, mas as pessoas são as mesmas", diz o sociólogo Alberto Carlos Almeida, diretor do Instituto Análise e colunista do Valor. "Nominalmente, há mudanças, mas a estrutura partidária segue preservada." Portanto, o PMDB fluminense deve seguir forte, elegendo 7 deputados, assim como o PSDB paulista, que pode conseguir 11, e o PT do mesmo Estado, 16. Em Pernambuco, Estado do candidato à Presidência Eduardo Campos - que morreu no mês passado -, seu PSB pode obter 5 das 24 cadeiras, mas passar em branco no Estado natal de Marina Silva, o Acre, que elegeria 3 petistas.
Duas dificuldades que apareceram para os pesquisadores foram a Lei da Ficha Limpa e a criação de novos partidos entre 2010 e 2014, sobretudo o PSD de Gilberto Kassab. A Ficha Limpa pode dificultar os cálculos da transferência de votos em coligações, se candidaturas bem colocadas na análise forem, de fato, indeferidas, como pode ocorrer com o ex-governador de São Paulo Paulo Maluf (PP) e a ex-governadora do Distrito Federal Jacqueline Roriz (PMN).
Com os novos partidos, surge a dificuldade de avaliar até que ponto os candidatos arrastarão para o novo partido a votação que tiveram na legenda de que participavam anteriormente. Na estimativa do Instituto Análise, portanto, o PSD surge com uma bancada de 41 deputados, já sendo o quarto maior da Câmara. O PROS figura com 13 nomes, mesmo número atribuído à bancada do Partido Solidariedade.
Com o PSD, chegam a um mandato o candidato a vice-presidente Índio da Costa (RJ) em 2010 e o ex-goleiro gremista Danrlei Hinterholz (RS). O PROS emplaca nomes como Miro Teixeira (RJ), que foi ministro das Comunicações nos governos Fernando Henrique e Lula. Paulinho da Força, fundador do Solidariedade, consegue uma vaga por São Paulo, segundo o Instituto Análise.
Seja qual for o vencedor na corrida presidencial, o quadro que se apresenta, a partir dos dados do instituto, é de dificuldade para a formação de uma maioria coesa e eficaz, com capacidade para fazer avançar a pauta de reformas consideradas necessárias para destravar o desenvolvimento do Brasil. A maior bancada, do PT, terá apenas 91 deputados, para uma maioria simples - aquela que permite vencer votações comuns sem necessidade de atrair votos de oposição - de 257 deputados e uma maioria qualificada (necessária para aprovar emendas constitucionais, com dois terços dos votos da Casa), de 342 nomes.
O sistema eleitoral brasileiro é construído de tal modo, segundo o cientista político Carlos Melo, professor do Insper, que mudanças radicais na composição do Congresso de uma legislatura para a seguinte são muito improváveis. "Não existe nenhum motivo para que o próximo Congresso seja diferente do atual. Ele continua se elegendo pelos mesmos mecanismos, o recrutamento dos candidatos é o mesmo, os partidos não inovaram e nenhuma bandeira legislativa foi levantada, como seria a reforma política, por exemplo."
Entretanto, Almeida chama a atenção para uma tendência de maior diversidade ou fragmentação na representação partidária na Câmara dos Deputados. O número de "partidos efetivos", índice que mede o grau de fragmentação dos partidos que estão presentes no Parlamento, deverá passar de 10,4 para 11,7, segundo a projeção. Ou seja, o ocupante do Palácio do Planalto a partir de janeiro terá que negociar com mais partidos para formar sua maioria, o que implica custos maiores de transação.
Esse cenário tornará mais difícil a vida do vencedor da disputa de outubro, seja a presidente Dilma Rousseff, sejam seus rivais diretos, Marina Silva (PSB) ou Aécio Neves (PSDB). A tarefa mais difícil seria provavelmente a de Marina, cujo partido deverá contar com apenas 28 dos 513 deputados, o que fará dele apenas a sétima maior bancada. Some-se a isso o fato de que a candidata se juntou à agremiação há apenas cerca de um ano, para disputar a Vice-Presidência, e foi alçada à posição de titular da candidatura com a morte de Campos. Nada garante que sua relação com os correligionários será harmoniosa no momento em que for necessário montar a maioria para governar e distribuir os cargos entre os partidos aliados.
"Marina diz que pretende instituir um novo método de formação de maiorias, governando com os melhores de cada partido", diz Melo. "Mas entre o que um ator político fala e o que de fato ocorre há uma distância muito grande. Até hoje não entendi o que ela quis dizer com isso e como ela vai fazer."
Melo cita também as especulações em torno de um possível realinhamento partidário que Marina terá que operar, caso seja eleita. "Mas em que consistiria esse realinhamento? Ela vai propor a criação de novos partidos? Vai tentar atrair dos partidos consolidados os quadros desses novos partidos?" Líderes políticos, como Tasso Jereissati (PSDB-CE), já afirmaram que os partidos não vão querer liberar seus melhores quadros para o governo Marina, lembra o cientista político.
Para Almeida, Marina poderia precisar recorrer a seu projeto de fundar o Rede Sustentabilidade para conseguir montar sua maioria e evitar o risco de operar com um Congresso majoritariamente hostil. "Ela teria que montar o seu Rede pegando deputados de todos os outros partidos." Naturalmente, essa atitude iria de encontro ao propósito original do Rede Sustentabilidade, que se propunha a introduzir novas práticas e novos rostos na política. "Não tem jeito. Ela tem que operar dentro de um sistema que já funciona. Os sistemas têm uma inércia gigante."
Quanto a Dilma, assim como em seu primeiro mandato, ela assumiria o segundo à frente do maior partido da Câmara, com estimados 91 deputados, e coligado com o segundo maior partido, o PMDB, com seus 67, entre outros partidos da base. Embora a coalizão não seja mais tão confortável quanto parecia ser a supercoalizão que a elegeu em 2010, ainda assim é uma ampla maioria. Por outro lado, a grande base aliada de que dispunha não garantiu tranquilidade à presidente em sua relação com o Legislativo, deixando uma dúvida sobre o que seria necessário para obter essa tranquilidade no segundo mandato.
"A reeleição da presidente Dilma nos colocaria numa situação nova, que chamo de 'presidencialismo de coalizão 4.0'", analisa Melo. A progressão dos tipos de presidencialismo de coalizão em seu olhar segue a regra das relações que se podem estabelecer entre o Executivo e o Legislativo à medida que um partido vai se mantendo no governo.
Na primeira versão, um presidente que entra tendo desalojado um partido rival tem à disposição grande número de cargos públicos para distribuir entre seus aliados, conseguindo formar maioria e ter governabilidade. "No início, o presidente tem lua de mel com o Congresso, que o protege, porque tem interesse nesses cargos. Com isso, forma-se uma maioria e até se conseguem reformas. Fernando Henrique e Lula fizeram isso", diz Melo.
Em seguida, o "presidencialismo de coalizão 2.0" se apresenta ao ocorrer a reeleição: a negociação para a governabilidade já tinha sido feita, os partidos da base aliada querem repactuar. "Só que os inúmeros cargos já foram distribuídos e começam a aparecer as crises", porque as joias da coroa têm de entrar na negociação, a começar pelos postos em empresas estatais. "A situação é acalmada quando se tira espaço de quem perdeu um pouco e se dá espaço a quem ganhou", observa Melo.
A vitória de Dilma em 2010 introduziu o "presidencialismo de coalizão 3.0": não mais simplesmente a reeleição, mas a sucessão sem alternância. Tudo foi distribuído e há cerca de 400 deputados na base de apoio ao governo, querendo ainda mais espaço na gestão. "O Congresso começa a não aprovar algumas medidas provisórias, a derrubar vetos presidenciais e outras coisas complicadas. Por quê? O PMDB não está contente com seis ministérios. O PT não abre mão de 14; o PTB reclama porque não tem o espaço que pretendia; o PSD também quer um ministério..."
"Chega-se à situação de 39 ministérios e ninguém está satisfeito. Acresce-se a isso uma crise econômica: o país não cresce e, com limitações fiscais, faltam recursos para distribuir aos grupos de poder. Resultado? O Congresso começa a aprovar CPIs contra o governo", afirma Melo. Com a reeleição de alguém que sucedeu a um aliado, o mesmo problema persiste. "Dilma não teve lua de mel com o Congresso, como tiveram Fernando Henrique e Lula. Seu primeiro ano foi de demissão de ministros, o que denota um colapso da distribuição dos cargos e um conflito com o Congresso", afirma Melo. "Mas se ela não teve lua de mel no primeiro mandato por que teria no segundo?"
Segundo Almeida, o espaço para reduzir os conflitos entre a presidente e o Poder Legislativo existe, mas está vinculado ao estilo pessoal de negociação da chefe do governo. "Isso vai depender de ela proceder de uma maneira diferente com o mundo político e os parlamentares em particular", diz. "Agradar a esses políticos não é só uma questão de verbas e cargos. A política tem outras moedas de troca", conclui, citando a participação em comitivas presidenciais, visitas aos Estados das bancadas, fotografias em inaugurações de obras e outros agrados. "Tudo isso é relevante para que o mundo político esteja ao seu lado."
Do ponto de vista da composição parlamentar, porém, Almeida vê um aumento no custo das negociações do Executivo com o Legislativo como resultado da fragmentação parlamentar ampliada. "Isso seria ainda mais um motivo para que ela mudasse o estilo pessoal de negociação, recebesse os deputados no Palácio do Planalto, ouvisse suas demandas." A hipótese de que Dilma tentasse governar com maioria menos ampla, dado o custo elevado de manutenção da coalizão formada em 2010, é considerada improvável. Segundo Almeida, o sistema político brasileiro, ao conferir um valor desproporcional ao tempo de TV no cálculo político dos partidos, faz que a base de apoio aos governos, no nível federal como também nos Estados, seja montada com o pensamento voltado não para as necessidades de governar, mas para as alianças que serão montadas no período eleitoral seguinte.
O custo disso está na governabilidade. As coalizões se tornam tão heterogêneas que dificultam a vida dos presidentes e governadores, como ocorreu durante o governo de Dilma até agora. "O caso clássico foi a votação do Código Florestal. A base de apoio do governo era tão ampla que tinha gente dentro que era radicalmente a favor e gente que era radicalmente contra", lembra Almeida.
Já o tucano Aécio Neves, caso consiga ultrapassar suas adversárias e vencer a eleição, assumirá o governo com um partido cuja bancada está enfraquecida (deve eleger, segundo a projeção, 51 deputados) e enfrentando um adversário visceral que é o maior partido da Casa, o PT. "Aécio não teria nenhuma dificuldade em atrair o PMDB e outros partidos para seu governo, mas o preço a pagar certamente seria alto, já que ele começa de posição inferior", nota Melo. "É uma situação diferente da de Fernando Henrique, que assumiu em 1995 com uma bancada considerável, somando PSDB e PFL. Os custos de negociação com esses partidos vão ser maiores, simplesmente."
Ainda assim, o tucano poderá contar com uma vantagem que não está ao alcance de sua adversária petista: o retorno ao "presidencialismo de coalizão 1.0". Com isso, todos os cargos desejados por partidos que poderiam compor a base aliada estarão disponíveis para distribuir. "Mas é bom frisar que isso ocorreria dentro da mesma lógica, do mesmo jogo. Seria o mesmo tipo de coalizão que temos no governo Dilma, e toda a renovação seria pura e simplesmente o fruto da alternância de poder", decreta o cientista político.
De acordo com Almeida, outra vantagem que poderia favorecer a montagem de novo governo tucano seria a proximidade de articuladores políticos qualificados e coesos, isto é, um "lastro partidário", algo que partidos como PSDB e PT possuem, mas falta à campanha de Marina Silva. "Apesar de todas as derrotas do PSDB, o partido possui bons negociadores políticos, como o PT, pessoas afinadas com o pensamento do partido, articuladas e com socialização política comum", na descrição de Almeida. "Já Marina tem excelentes políticos ao seu lado, mas alguns com cabeça de tucano, como Walter Feldman, outros com cabeça de petista, como Mauricio Rands, e outros com cabeça de PSB, como Beto Albuquerque. Isso não dá o mesmo lastro", afirma.
Apesar das reviravoltas ocorridas na eleição presidencial desde que Marina se tornou candidata, a aposta entre os especialistas em política brasileira é de que o impacto do desempenho dos candidatos a presidente sobre a composição do Congresso que sairá das urnas no mês que vem seja ínfimo. Segundo os dados do Instituto Análise, por exemplo, o voto em legendas não passa de 5% do total, e fatores locais são mais decisivos do que os nacionais. Além disso, Melo, do Insper, enfatiza o vínculo muitas vezes fraco entre os partidos e seus candidatos: "Há distância muito grande entre os candidatos e os partidos. O candidato se elege por seu partido, mas poucas vezes existe um compromisso com o programa partidário".
"Existe relativa autonomia entre as eleições majoritárias e as proporcionais", afirma Almeida, dando como exemplo o PT, que comanda o governo há 12 anos, mas tem apenas 20% dos deputados em Brasília. O partido vem, porém, aumentando sua representação parlamentar quase constantemente desde a redemocratização. O PMDB, ao contrário, não tem candidato presidencial há muito tempo, mas continua sendo uma peça central na política brasileira, graças à sua força em municípios e Estados.
Em razão dessa autonomia, nem a perda de ímpeto da candidatura de Aécio deverá ter efeitos significativos sobre a bancada do PSDB - que dos 70 deputados em 2003 chega a 51 em 2015, conforme o levantamento - nem a ascensão de Marina deverá catapultar a bancada do PSB, que elege 28 nomes na projeção do Instituto Análise. Um efeito das dificuldades que os tucanos enfrentam nas eleições majoritárias nacionais se reflete naqueles 122 deputados que não buscam a reeleição. Segundo Almeida, há deputados federais, sobretudo no Estado de São Paulo, que preferem concorrer à Assembleia Legislativa estadual. Em Brasília, esses deputados correm o risco de ficar isolados, não ser recebidos por nenhum ministro e não conseguir entrar em comissões. "Já em São Paulo, certamente as secretarias de governo vão recebê-los e eles podem até mesmo conseguir um cargo nelas."
Os dados do Instituto Análise consistem em projeção estatística, reunindo uma série de variáveis sobre os candidatos, os partidos e as coligações à qual se soma a série histórica, a partir dos dados coletados nas eleições realizadas no Brasil entre 2000 e 2012. Para as eleições de 2014, foram analisadas as chances de cada um dos 7.138 candidatos em todo o país. O levantamento tratou apenas da Câmara dos Deputados, deixando de lado o Senado, por questões de metodologia.
Fonte: Valor Econômico (Eu & Fim de Semana).