Embora a polarização política seja frequentemente criticada por promover a intolerância política, fechar as portas ao diálogo e bloquear as soluções de compromisso, ela tem seus defensores, normalmente entre aqueles envolvidos na disputa.
Há, em geral, duas linhas de argumentação. A primeira, mais acadêmica, enfatiza as virtudes sistêmicas da polarização, que ampliaria a participação política e organizaria melhor o espectro, tornando as opções mais claras e mais coerentes do ponto de vista ideológico.
Mas há também as defesas engajadas, que veem a polarização como uma disputa cristalina entre posições justas e injustas, éticas e antiéticas.
Assim, na esquerda, a polarização é frequentemente apresentada como luta de classes, com um lado defendendo o trabalhador e o outro defendendo o capital; já na direita, ela é vista como a batalha entre quem defende a ética na política e quem defende a roubalheira.
Um argumento frequentemente utilizado pelos defensores da polarização contra os seus críticos é o de que os polos não são iguais em valores e métodos e que, portanto, a polarização seria assimétrica, com as mentiras e o ódio concentrados num lado só. Esse argumento é muito comum na esquerda.
Vemos ecos dele na entrevista que Lula concedeu na semana passada à BBC Brasil.
Logo depois de criticar a eleição de Jair Bolsonaro por ter se dado "à base de fake news", Lula é perguntado sobre declarações em que insinuava que Bolsonaro não tinha sido esfaqueado. Lula responde descontente: "Eu não disse que não tinha tomado, disse que não acreditava (...) tenho suspeitas (de que não ocorreu)". A jornalista então insiste --para irritação do ex-presidente-- que disseminar uma suspeita dessas sem evidências não é em nada diferente das alegações de Bolsonaro de que ONGs poderiam estar colocando fogo na Amazônia.
O caso ilustra bem o ponto cego das posições polarizadas, nas quais os problemas do adversário são logo identificados e geram indignação, mas há uma espécie de cegueira para problemas análogos no próprio campo.
Isso não quer dizer, porém, que as posições polarizadas sejam simétricas, já que é falso que um lado seja a negação do outro.
Uma das características mais salientes da polarização brasileira é o desencontro entre como cada lado se vê e como vê o adversário. A esquerda se vê como defensora da justiça social e acredita que o campo opositor defende a exploração e a injustiça. Já a direita se vê como defensora da ética e da correção e vê no opositor a corrupção e a vagabundagem. Cada lado só consegue projetar no outro o avesso de si mesmo.
(*) Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.
Folha de S. Paulo/ 3 de setembro de 2019
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