Com mais de 50 anos de experiência, o sociólogo Luiz Werneck Vianna, professor da PUC-RJ, atua principalmente nas áreas de judicialização da política, relações entre os Poderes e, mais recentemente, nas gestões do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nesta entrevista ao Estado, durante o 39.º Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), em Caxambu (MG), Vianna avalia como “preocupante” o fato de Lula e dois filhos dele serem citados em investigações da Polícia Federal e diz que “já passou da hora de o PT fazer uma autocrítica”. Ele acredita, no entanto, que o partido não deve acabar, mas “deve mudar”.
Como o sr. avalia a crise envolvendo Lula e o PT?
Essa vizinhança das investigações com relação ao ex-presidente (Luiz Inácio Lula da Silva) é algo muito preocupante. Ele é uma das maiores lideranças políticas do Brasil contemporâneo, criou um partido que é uma presença ainda relevante na nossa história política. Em algum momento esse partido, que tinha uma trajetória feliz, falhou pensando na ampliação da sua projeção. Com isso, trouxe também uma carga negativa, o patrimonialismo (a falta de distinção entre patrimônio público e privado). Essa (investigação) é uma questão política, certamente, embora agora esteja sendo tratada como fato policial. Espero que o ex-presidente tenha um tratamento justo do ponto de vista policial.
Do ponto de vista político, no entanto, é inevitável constatar que isso chegou a seu sistema nervoso central (do PT), sua liderança maior partidária. Que sua defesa seja feita fora dos trâmites policiais e passe a ser feita no fórum da política. O PT passou da hora de fazer uma autocrítica. A esta altura, as lideranças mais pesadas não ignoram os elementos de erro que se introduziram. O PT não vai acabar, aliás, não deve acabar, mas deve mudar.
Qual o papel do Lula nessa mudança do PT?
(Ele) Tem que se defender bem e definir uma linha de ação onde as mudanças fiquem muito presentes no horizonte. Não podem ser palavras ao vento.
As eleições municipais de 2016 devem ser um teste da força do PT. O sr. acredita que o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, possa deixar o PT e disputar a reeleição por outro partido?
Ele entra fraco na disputa, sem dúvida. Qualquer um que seja do PT, entra fraco. Para ele, politicamente, é interessante sair sim, mas, por razões ético-morais, ele fica. Politicamente nada o agarraria. O futuro dele está fora do PT, mas pode ser que ele - que tem feito uma boa administração, relativamente bem aceita pela cidade - fique lá por esses motivos.
Interessa à senadora Marta Suplicy (PMDB) que Haddad fique no PT?
Ela seria a primeira beneficiária. Já é. Acho que ela só pode ser deslocada caso o Haddad vá para a Rede (Sustentabilidade, da ex-ministra Marina Silva).
Como o PSDB se posiciona nessa disputa municipal?
O governador Geraldo Alckmin (PSDB) está olhando sobretudo para 2018, em sua eleição presidencial. Ele só não pode perder de vista o seu mundo local, a sua aldeia, onde ele não pode errar muito. Ele só vai se posicionar sobre as eleições municipais de 2016 depois que o Haddad se decidir onde ficar. Se ele ficar no PT, o cálculo dele é um, se o Haddad aceitar a solução da Rede, o cálculo passa a ser outro.
O sr. vê algum sinal de melhora para o PT no cenário até as próximas eleições?
A economia pode melhorar, soprando a favor do governo. Esse é um ponto, pois pode melhorar sim. Se há melhora na economia, o mundo do trabalho olha com jeito mais favorável para o governo.
Analistas econômicos acham difícil uma melhora a curto prazo. O sr. acredita então que há exagero nessa avaliação?
Você vê e lê de tudo aí, não é uma ciência exata. Quando eles estão falando em economia, a linguagem deles está mais orientada para um mundo das expectativas do que para o mundo das coisas efetivamente reais. O que está valendo é a narrativa. A economia real, as coisas sólidas estão andando.
Como o sr. vê informações de que Lula e seu grupo gostariam da troca do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo?
Aí ele (Lula) está cometendo um equívoco de personalizar as vicissitudes dele mesmo nesse ministro. Mesmo que o Cardozo quisesse, ele não teria como mudar o curso de nenhuma investigação porque essas agências - como a Polícia Federal e o Ministério Público Federal - não vão voltar atrás. Podem até entender uma tentativa de freá-las como sinal para aprofundar mais nas investigações. A Operação Lava Jato vai se diversificando e duvido que agora essa orientação que eles tomaram em direção ao Palácio do Planalto mude de direção.
O sr. acredita que o governo deveria lançar um ‘bote salva-vidas’ ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), fazendo um acordo com ele para salvar seu mandato e evitar que avancem no Congresso pedidos de impeachment de Dilma?
Que bote é esse? Qual poderia ser? Só se o Cardozo tivesse condições de parar (a investigação), mas ele não tem. E além do mais, o procurador-geral da República(Rodrigo Janot) está com gosto de sangue na boca, ele não vai retroceder (em relação à investigação envolvendo o presidente da Câmara). E o Cunha sabe disso.
O sr. acredita que Cunha pode usar o impeachment para ganhar força política?
O Cunha vai tentar não cair e só. Dilma não está sozinha, já Cunha não tem nada. Ele tem (apenas) seus correligionários, seus neopentecostais. Mas ele não está inerme (sem armas) para quem quiser derrubá-lo, e ele pode apertar o botão (e dar início ao processo de impeachment).
Então o sr. avalia que o impeachment pode ocorrer de fato?
É um risco imenso, pode ser que ele venha. O PT tem seus apoios na sociedade, inclusive de setores organizados dos trabalhadores subalternos da sociedade. Getúlio (Vargas), em 1954, quando se mata, vivia um isolamento político quanto às elites e aos trabalhadores. No dia em que ele se mata, a manchete do jornal Novos Rumos, do Partido Comunista, era pela derrubada de Getúlio. Na madrugada, quando se soube do suicídio, esses jornais foram recolhidos da banca pelos próprios editores porque o suicídio tinha mudado a onda negativa, consensualmente negativa. Mas não é a Dilma que tem isso, é o PT, é o Lula.
Isso quer dizer que a onda negativa poderia ser revertida se houver impeachment?
Essa onda negativa pode virar positiva sim.
Fonte: Por Alexandra Martins (O Estado de São Paulo/03-11-15)
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