sexta-feira, 13 de novembro de 2015

O cálculo do impeachment (Gustavo Müller)

Ao longo deste ano de 2015 em várias circunstâncias foi dado quase como certa a deflagração do processo de impeachment contra a presidente Dilma, que somente não ocorreu em razão de um cálculo perverso por parte da “elite do poder”.
Embora o elemento que pudesse dar sustentação fática normativa ao pedido seja motivo de controvérsia jurídica, sabe-se que o impeachment é, sobretudo, um processo político revestido de algum embasamento jurídico. Também é sabido que nosso ordenamento está muito longe de ser baseado única e exclusivamente na letra da lei como propunha Kelsen. O que impede de fato que o processo seja deflagrado são dois vetores: o ônus das reformas impopulares e o receio da moribunda capacidade de mobilização dos grupos vinculados ao petismo, ou, mais especificamente ao lulismo.
Enquanto pairava sobre o Brasil vinda da terra dos mortos a alma do capitalismo de Estado, a oposição encarnada pelo PSDB foi incapaz de denunciar ao país que essa alma logo desceria ao inferno carregando consigo os avanços conquistados tanto pela estabilização econômica de Fernando Henrique como a expansão de programas sociais da era Lula, principalmente os programas voltados para a população mais pobre.
Ora, quem acabou com a hiperinflação não foi Lula e jamais poderia ter sido. Foi Fernando Henrique e a equipe que comandou o Plano Real. Ocorre que as verdadeiras lideranças políticas são aquelas capazes de ver a política como um processo de longo prazo. Se tivessem essa visão as lideranças do PSDB teriam disputado as eleições presidenciais para marcar posição. Mas ao contrário, o imediatismo do calendário eleitoral fez com que José Serra e Geraldo Alckmin se rendessem aos preceitos do marketing político realizando campanhas deploráveis na vã ilusão de disputar com Lula o eleitor de baixa renda e de baixa informação. Se é verdade que esses candidatos foram ao segundo turno, também é verdade que o PSDB perdeu sua identidade, principalmente quando Serra trouxe a questão religiosa para a política.
Sem uma oposição consistente o país que por sua natureza é habituado ao capitalismo de Estado, se deixou embriagar pela ilusão de que o Estado tudo podia e que falar em equilíbrio fiscal e metas de inflação era coisa de economista neoliberal. Aliás, se o Estado tudo podia, aqueles que lutavam contra a volta do neoliberalismo podiam também pegar o seu quinhão.
Por não ter denunciado de forma contundente o artificialismo da ascensão social promovida pelo lulismo, e por ter negado o legado de Fernando Henrique, o PSDB perdeu a condição de liderar um possível pedido de impeachment pois, além de nunca ter estabelecido laços sociais, teme a reação dos grupos vinculados ao lulismo, e aqui entra o segundo vetor do cálculo do impeachment.
O Brasil nunca conheceu uma sociedade civil autonomamente organizada. As organizações, sejam elas sindicais ou empresariais, sempre buscaram canais de acesso ao Estado, quase sempre não pela via da representação política mas pelos tais “anéis burocráticos”. Nos doze anos de lulismo esses anéis foram revigorados e, mesmo com o Estado a beira da insolvência, ainda existem grupos que preferem sugar a última gota de leite à ter de enfrentar reformas estruturais que dinamizem o capitalismo.
Diante de tal quadro o PMDB tornou-se o fiel da balança do impeachment e fez o seu próprio cálculo que resumidamente pode ser colocado nestes temos: Com o impeachment de Dilma Temer assume e terá que arcar com os custos da abertura do “saco de maldades”, tendo o PT como oposição. Como o PMDB não é dado a encarar reformas impopulares, qual seria a melhor jogada? Travar o arremedo de ajuste fiscal e quaisquer outras medidas que poderiam sinalizar um rumo para a crise econômica. Com as expectativas e os indicadores econômicos se deteriorando em galope de alazão, o PMDB aposta na mobilização popular para, de preferência, forçar a renúncia de Dilma. Caso isso não venha ocorrer, o PMDB continuará abocanhando a sua parcela do Estado para, na véspera de 2018, definir para qual lado tenderá para se manter coadjuvante do governo de plantão.
O cálculo do impeachment conta com a sonolência da nação, mas esquece de que flerta com uma repetição de junho de 2013 num quadro ainda pior. Em outras palavras, espertezas políticas estão muito longe de significar inteligência.

Fonte: Política para políticos (10/11/15)

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