Começo reiterando análise feita num artigo publicado, em março último, sobre o que se espera de partidos e lideranças políticas quando, num quadro de mal-estar social e dificuldades econômicas, o jogo democrático entre elites abrigadas nos partidos e líderes que os chefiam é truncado por táticas do varejo político. Aquele contexto já requeria que partidos atuassem como instituições e líderes como estrategistas do atacado para reabilitarem a fluência do jogo político, através de um pacto pela governação.
Será sensato reiterar essa expectativa quando, tantos meses depois, a crise política prossegue grave, com as dores agudas da novidade dando lugar a sintomas de problema crônico? Creio que a ideia de um pacto político tende a se tornar cada mais persuasiva à medida em que se generalize a percepção do pântano em que estamos navegando. O pacto pela governação pode não ser o desfecho mais provável da crise política, mas penso que seja a opção mais realista, dentre as que não flertam com o fantasma do caos.
Sem esse pacto político destinado a produzir entendimento e governo não iremos a lugar melhor do que o presente. Refiro-me a uma solução provisória do contencioso político, reunindo um arco de partidos para permitir o controle da economia e a pavimentação de um caminho institucional até as eleições de 2018.
Essa perspectiva joga o nosso olhar para um centro político esvaziado no qual, objetivamente e solitariamente está, desde o início do ano, o PMDB. Esse centro não é ideológico, mas “posicional” e relacional, tendo em vista a configuração dos scripts e atores reais. Penso que erra sobre o PMDB quem lhe atribui lugar e papéis fixos na política brasileira. Continuamos sem saber quem (se governo ou oposição) entenderá antes que uma saída realista e democrática para a crise política passa necessariamente pelo reforço institucional e político daquele partido. Aqui não expresso uma preferência política, mas uma convicção analítica.
O Governo teve, em abril, a chance de fazer de Michel Temer mais do que um canal de atendimento de demandas por cargos públicos, sediadas no Congresso. Poderia também ter "terceirizado", através dele, um diálogo com a oposição. Ambos os passos ajudariam à aprovação do ajuste fiscal, solução que não se pôde fazer avançar na velocidade requerida pela crise econômica. Com esse diálogo o Governo teria a ganhar, no mínimo, uma chance de recomeço e, a depender dos resultados econômicos de médio prazo, de recuperação da credibilidade e consequente adoção de um discurso político novo para 2018, já que aquele inaugurado em 2002 chegou à exaustão. Seria um modo de seguir o jogo político com maiores chances para o Governo e maiores riscos para a oposição.
Já o PSDB, no vácuo da inação que então marcava o núcleo petista do governo, poderia ter buscado em Temer um canal negociador para criar condições de aprovação de medidas de ajuste na economia, ademais desdobramento lógico do próprio discurso eleitoral tucano de 2014; e também para fazer surgir, no Congresso, uma proposta alternativa de ajuste viabilizada por essas forças oposicionistas, no caso de fracasso de um entendimento bancado pelo Governo, ou da recusa deste em promovê-lo.
Enfim, ter protagonismo numa solução para a crise teria sido um modo de a oposição fazer mais do que somente replicar, na arena política, a agenda do Ministério Público, do Judiciário e da Polícia Federal. Construiria uma agenda política com P maiúsculo, resgatando o discurso da campanha de Aécio Neves, então assumido candidato não só do PSDB, mas de um conjunto de forças que quer mudar o governo do País. O jogo político também seguiria, mas, nesse caso, com mais chances à oposição e mais riscos ao Governo.
Prevaleceram, porém, desde março até aqui, em ambos os lados do espectro político, scripts de quem aposta no truncamento do jogo. Além de Eduardo Cunha e, até certo momento, Renan Calheiros, várias lideranças do PSDB, Aécio Neves incluso, faziam, até ontem, discursos monotemáticos contra a corrupção no Governo e no PT. Apelo eleitoral sem dúvida, mas sem eleições no horizonte imediato. Por outro lado, no PT, pregações críticas ao ajuste fiscal e por “refundação” da democracia encenaram saída retórica “pela esquerda”, combinada a operações desastradas para manter postos governamentais no varejo político, ao custo da inviabilização do governo no atacado.
Por que as coisas se deram assim? Essa é uma pergunta que não encontra respostas convincentes no campo da crítica moral às estratégias dos atores políticos, embora ela possa ser feita também. Penso que é mais sensato admitir que, num ambiente político marcado por alto grau de incerteza, os atores tiveram dificuldade para ir além do plano tático. Como nenhum deles governa os movimentos de todos os outros, prevaleceram as táticas defensivas, inclusive aquela que estipula o ataque como a melhor ação de defesa.
Parece claro que sem pacto - sequer entendimento - e com esvaziamento do centro político a instabilidade aumenta. Após a queda prevista de Eduardo Cunha poderá se acentuar o protagonismo do Congresso em convívio com um Executivo fraco. Até quando essa relação assimétrica se sustentará não se pode prever. A volatilidade das relações entre os poderes alterna períodos de sangramento com outros de estancamento provisório. Hoje o impeachment estará fora do script, mas nunca fora de cogitação.
Entre os sucessivos cenários mantém-se como o pior a ausência de pacto amplo no interior da elite política e sua consequente inação, à espera da conclusão do Lava Jato, sob efeito da recessão, da inflação e do desemprego. Se a um cenário desses sobreviver alguma voz ativa no mundo da política institucional, o que ela verbalizar como solução certamente será uma alternativa preferível à inação.
Mas nada garante que essa voz se imporá como movimento interno à elite política, mesmo que por instinto de sobrevivência corporativa. Daí, é preciso ir além da reiteração das análises sobre os atores políticos. Também nas pautas dos atores sociais precisa se destacar a preocupação com a urgência de um pacto pela governação do País. Nessa linha argumentarei a seguir, perante esse auditório majoritariamente empresarial.
Certas afirmações podem ser incômodas. A primeira é a de que pactos não são grátis. E se um pacto político tem, como é o caso, motivações ligadas ao rumo da economia, seus custos não podem deixar de afetar os agentes econômicos. Para definir como esses custos serão partilhados não cabe perguntar de quem foi a culpa pela crise, se do governo, da oposição, do setor privado, ou do mordomo. Isso pode ser assunto para as urnas. Colocá-lo na mesa agora, como premissa, é diletantismo. Levará a manter o País no pântano, atolando, juntos, governo, políticos e a própria economia. A pergunta a ser feita mira o presente e o futuro imediato. Diz respeito a que políticas e reformas de curto e médio prazo são economicamente racionais e pragmáticas (no sentido de se aproximarem do consenso, mais o que do dissenso, entre analistas e atores da economia) e politicamente viáveis, no sentido de que possam ser assumidas publicamente por líderes e partidos políticos sem que com isso eles estejam cometendo suicídio eleitoral.
As respostas, portanto, não podem ser encontradas no retrovisor ou em bolas de cristal e sim nos limites da crise e da democracia. A crise é momentânea e a democracia parece felizmente consolidada entre nós, embora possa, como em qualquer lugar, ter avanços incrementais e/ou retrocessos parciais. Nessas condições, tanto a competição como os direitos têm lugar e valor de coisas práticas, isto é, valor econômico, social e político.
A segunda ideia decorre da primeira. Empresas de diversos portes e empreendedores de variada força econômica são protagonistas da economia de mercado, mas os trabalhadores, de modo geral, também cumprem papel de agentes econômicos, além de serem atores sociais politicamente válidos, isto é, titulares de direitos e não só usuários ou clientes de políticas públicas e beneficiários de empregos da iniciativa privada. A política do pacto ultrapassa, portanto, a parceria ou a queda de braço entre setor privado e governo. As duas partes - aliadas aqui, litigantes ali - não encerram o problema. Por isso não o resolverão sozinhas. E não basta incluir na mesa o vago e não devidamente entendido (muito menos, bem representado) “terceiro setor”. Há que se levar em conta o mundo do trabalho propriamente dito, sua representação sindical e também sua cidadania eleitoral, pela qual os atores desse mundo do trabalho integram-se subjetivamente ao povo. Esse é um modo politicamente eficaz de atrair as elites políticas a um pacto público. E por que as atrair e convencê-las do pacto? Não para revogar o conflito político, cancelar a disputa eleitoral entre partidos e grupos, mas para fixar regras informais, de modo que a disputa regrada resolva e não agrave as crises.
Até bem pouco tempo (creio que até antes da última campanha eleitoral) essa extensa e intensa malha de agentes e interesses alimentava, em diferentes graus, uma presunção de prescindir da “política dos políticos”, isto é, dos partidos, do Congresso, do Estado. Vigoravam com força, também no Brasil, ideias que, segundo uma vertente da literatura internacional sobre partidos políticos (Peter Mair é dela um exemplo), contribuem para reforçar o indiferentismo político nas democracias do mundo atual.
A primeira dessas ideias é a de contrapor, quase platonicamente, a política real (rotineira, instrumental e impura) à política das virtudes cívicas, às quais se associam ideias sobre o que deveria ser a “boa”, ou a “verdadeira” democracia. A segunda idéia-força, ruidosamente presente nas ruas brasileiras, em 2013 e em 2015, é a crença na eficácia da subpolítica, isto é, a política da sociedade privada, que faz de um ativismo “cidadão” um substitutivo do seu envolvimento com a política convencional.
Cotidianamente, à subpolítica ativista dos cidadãos privados soma-se à dos grupos de pressão, dentre eles os empresariais. Muitas pessoas que vão à rua, como cidadãos individuais, pedir qualidade dos serviços públicos e ética na política participam, também, de pressões sobre governantes e burocratas do Estado, aí na condição de representantes de segmentos empresariais e mesmo de suas empresas. Esse conjunto de modos de ação não partidários e não assumidamente políticos faz parte de uma política “da sociedade” e consagra, na prática, uma terceira percepção alimentadora do indiferentismo político contemporâneo. Refiro-me, acompanhando a mesma literatura, à ideia da democracia como governo “para o povo”, julgado mais pela eficácia de políticas públicas no atendimento a demandas dos grupos de pressão do que pela qualidade da representação política. A essa última, âncora da ideia (antiga?) de governo “do povo” ou, em versão realista, de governo de partidos, resta a imagem de uma Geni.
Guiados por essas percepções desqualificadoras da política convencional, atores sociais consideram partidos políticos como intermediários inconvenientes e, até certo ponto, dispensáveis na representação de seus interesses, já que estado e políticas públicas mostram-se cada vez mais permeáveis à influência desses grupos. Analogamente, um eleitorado cada vez mais pragmático usa o mesmo metro (o do governo “para o povo”) para avaliar governos e eleger governantes. Assim, no caso brasileiro, eleitorado e grupos de pressão (inclusive empresariais) tornaram-se canais de legitimação do governo “para o povo” e assim legitimaram a estatolatria que, pela percepção de Werneck Vianna, anima a parte da esquerda brasileira que governa há mais de década.
Ocorre que a estatolatria governante, combinada a esquemas de corrupção, foi uma das variáveis que contribuiram para quebrar o próprio Estado. Assim ela perdeu a chave do seu argumento público. Resultam altíssimos índices de reprovação do governo e dos atores políticos mais identificados com ele. Estão situados, em sua maioria, no campo da esquerda política liderada pelo PT, embora disso não saiam ilesas as áreas do sistema político que validaram o processo, bem como os segmentos empresariais específicos que adubaram interessadamente o terreno para a produção de malfeitos em larga escala.
Se o Estado quebrou nas mãos de estatólatras é da lógica democrática que a busca de saídas para a crise seja guiada pelo oposto, isto é, pela valorização liberal do mercado. A política do pacto, porém, requer que essa lógica seja moderada por partilha social de danos. Trocando em miúdos: o discurso que vai vencendo à medida em que a crise avança e as forças que o proferem podem até ser implacáveis com os atores do campo político que vai sendo derrotado pelos fatos, mas terão que contemplar, numa nova política, os interesses dos beneficiários sociais da antiga. Mais uma vez é bom lembrar que numa democracia direitos são moderadores da lógica da competição. Ao liberalismo em ascensão não será dado condenar ao puro relento do mercado os pobres beneficiários sazonais da política superada, sob pena de torná-los força arredia à democracia. No mínimo, poderão ser órfãos eleitoralmente ativos de Lula e do PT e, no limite, massas sem rumo e impermeáveis a influências políticas. Justamente essas possibilidades fazem com que se esteja hoje falando em pacto, não só pura e simplesmente em impeachment.
Chego ao último ponto dessa reflexão, que se liga ao seu ponto inicial. A quebra fiscal do Estado, a usina do governo “para o povo”, deixa a ver navios não apenas o eleitorado do lulopetismo mas também a estratégia subpolítica dos grupos de pressão. Por outro lado, percebe-se os limites políticos do ativismo de cidadãos privados. Manifestações de rua contra o governo e o PT podem voltar a ser massivas e mais frequentes. Podem até mesmo agregar pautas e interesses, melhor do que os partidos e a política convencional. Mas não produzem governação. E sem ela a sociedade vai a pique, economia incluída.
A governação eleva-se à condição de exigência de primeira ordem, ou mesmo assume o grau zero de prioridade. E para ela partidos políticos são imprescindíveis, ainda mais quando há amplo consenso quanto à ausência de fortes lideranças políticas pessoais. Dizendo melhor, além de partidos é imprescindível um sistema partidário, isto é, não basta haver um conjunto aleatório de partidos, mas interação sistemática de partidos e desse sistema com Governo e Congresso. A boa notícia é que, bem ou mal, temos isso, após trinta anos de democracia. A má notícia é que a eficácia desse sistema está em suspenso há meses, pela situação de desgoverno e pela relativa paralisia decisória da Câmara, às vezes convertida em arena plebiscitária. Ambas as notícias devem moderar a afoiteza dos apetites por reforma política, cujos efeitos, sempre duvidosos, virão, se vierem, a longo prazo. Precisamos agora do edifício institucional existente, mesmo com rachaduras, pois suas dependências são as mais adequadas para sediar um pacto que envolva toda a sociedade e não só os que se acomodam no seu andar de cima.
O caminho que aposta nas regras e na estrutura do atual sistema partidário traz ônus e bônus: é mais complexo, mas em compensação dificulta o perigoso atalho de soluções salvacionistas. O pacto urge, inclusive para que o ambiente político não se torne propício a elas. E como urge, não pode esperar por partidos de amanhã e por um novo sistema partidário. Terá que ser obra dos partidos e do sistema partidário atual. Fique claro que não menciono nada semelhante a uma conciliação personalista entre líderes.
No início dos anos 90, após a renúncia de Collor, um pacto de sucesso foi feito a partir da constituição do governo interpartidário de Itamar Franco. Seu programa foi o Plano Real. Só agora se esgotou o impulso positivo daquele mergulho, inclusive do ponto de vista das instituições políticas. A partir dali a dinâmica do sistema partidário brasileiro passou a ser, para surpresa de muitos, próxima ao que a literatura clássica sobre o assunto (Sartori) chama de sistema de pluralismo moderado.
Apesar do grande número de partidos com representação congressual (que dava ao sistema feição de pluralismo atomizado) a interação entre os partidos relevantes estabilizou só duas opções de coalizão viáveis para disputa do poder. O PMDB posicionava-se no centro político, entre o PSDB e o PT, mas o poder revezava-se à volta dos partidos líderes das coalizões alternativas. O PMDB foi se tornando imã a atrair a política dos polos ao centro, fomentando moderação. A fórmula funcionou até o primeiro governo Lula, embora já então o mensalão - dando espaço no centro a partidos menores, concorrentes entre si, alguns sem tradição e vocação para o centro - sinalizasse subestimação do papel estabilizador do PMDB. A sociedade e talvez o próprio PT não viram isso, distraídos pela popularidade de Lula, que chefiava um governo polar e era também o moderador.
O sistema começou a trincar quando, na sucessão de 2010, o PT, não podendo contar com nova reeleição de Lula e já na ausência também de um centro político e partidário consistente a mediar as duas coalizões possíveis, adotou uma candidatura filha da liderança pessoal do Presidente. O advento da chamada nova matriz econômica foi a tradução, na política econômica, da veleidade petista de governar para si e a partir de si, esvaziando o centro político de outros atores relevantes, para tentar ocupá-lo sozinho. Como o PT não era centro e sim expressão nítida de um dos dois polos, o sistema partidário transitou aos poucos para o que Sartori chamou de pluralismo polarizado, com esse agravante de ser postiço o centro a partir do qual o PT queria governar. Como não havia partido antissistema relevante à esquerda do PT, o rei polar logo ficaria nu. Um arranjo como esse só costuma durar em democracias infantis.
Mesmo assim, mais uma vez, o grande número de partidos aparentava um pluralismo atomizado mas não impedia que a interação entre os mais relevantes conseguisse evitar a dinâmica da atomização. Só que, nessa nova fase, a interação, com o arredamento prático do PMDB, induzia não à moderação, mas à polarização crescente, da qual a campanha de 2014 foi o clímax. Nessas condições, com o polo governante subsumindo o centro e improvisando outro, a emersão da dinâmica de um pluralismo polarizado torto foi efeito colateral da estratégia de um ator. O PT queria evitar o risco de alternância de poder em favor da coalizão alternativa, liderada pelo PSDB, para a qual a balança eleitoral parecia pender, se a competição não se radicalizasse. Para evitar o desfecho provável foi quebrada uma regra básica do pluralismo moderado. Deu errado. O PT venceu as eleições, mas durante 2015 até a polarização desvaneceu e o sistema partidário brasileiro apresenta, pela primeira vez em duas décadas, dinâmica atomizada. A quebra fiscal do Estado brasileiro é o capítulo mais dramático desse processo político.
O sentido mais geral do pacto político cuja urgência aqui se discute é o da retomada, pelo sistema partidário, de uma dinâmica mais próxima de um pluralismo moderado. Para isso um pacto político pode ser mais veloz e eficaz do que uma reforma política que tente reduzir riscos de atomização sem sacrificar o pluralismo. As eleições de 2018 são um horizonte temporal possível, mas não obrigatório, para que a viabilidade desse objetivo seja testada. A retomada de um pluralismo moderado pode demorar mais.
De todo modo trata-se de recompor um centro político real do sistema, que modere e facilite a governação, cuja chave está guardada pelo PMDB. No curtíssimo prazo tratase de revogar a atomização atual. Para tanto, parece inevitável um estágio de retorno ao pluralismo polarizado, pelo qual o centro governa, privilegiando aliança com um dos polos e correndo o risco do outro assumir (ou reassumir, no caso do PT) traços de partido antissistema. Essa travessia pode ser feita com o PMDB na presidência ou com a (improvável) “despetização” da presidência atual. Mas as duas alternativas – especialmente a primeira – podem, ou não, implicar em que essa transição vá além de 2018, caso ali a polarização antiga possa ser retomada pelo PT, via candidatura Lula.
Durante o ano de 2015 o PT teve algumas chances de aceitar esse script, entregando gradualmente poderes no curto prazo para preservar-se como um ator capaz de recuar para dar uma volta por cima e disputar de novo o protagonismo político em prazo médio ou longo. Mera cogitação, sem base na realidade, pois tal estratégia colidiria com a tradição autárquica do PT, com limites de formulação política da atual liderança lulopetista e com motivações contrárias, oriundas do envolvimento do partido no Lava Jato, envolvimento que o faz cativo de táticas defensivas, restritas ao curto prazo.
Pode-se entender esses limites objetivos, evitando juízos morais. Mas isso não cancela a urgência de reconstruir-se o centro político, mesmo que isso tenha que se fazer, como em 1992, sem o auxílio do PT. O programa econômico do PMDB, que a princípio adere (aliás, contra a tradição do partido) a uma pura lógica liberal, não é por isso um programa de governo. Independentemente de supostas intenções de sinalização ao empresariado, ele pode e deve ser usado para dar partida à discussão dos termos de um pacto pela governação que vá além de uma conversa entre elites econômicas e políticas.
Reconhecer, com objetividade, o papel da política real (convencional, partidária) na solução das crises pode ser difícil e parecer perigoso para quem se acostumou a ver essa política como menor, supérflua, ou malévola. Mas ao menos enquanto um Zepelin econômico nos sobrevoa e já nos atira petardos, convém parar de jogar pedra na Geni.
(*) Cientista político. Professor e pesquisador da UFBA
**Palestra proferida no XI EAU (Encontro Anual de Usuários) da USUPORT – 23.11.15
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