Pedimos todos o impeachment de Fernando Collor em 1990. Entre 1999 e 2001, os petistas pediram o impeachment de Fernando Henrique aos gritos de “fora FHC”, que infernizaram um governo que naquele momento enfrentava muitas dificuldades. Agora, os tucanos, não se sabe se para dar o troco, deixam correr mundo afora a ideia de um impeachment de Dilma e são acusados de golpistas.
Impeachment é figura constitucional, prevista e regulamentada. Tem suas regras e seus requisitos, seus ritos e suas consequências. Não deveria causar espécie, especialmente se acompanhado dos devidos fatos que tornariam indigno e “perigoso” o prosseguimento do mandato de um governante eleito.
Acontece que impeachment também é uma arma de combate. Tornou-se uma palavra carregada de força simbólica e fácil de ser esgrimida contra os adversários. Sugere mil coisas e pode, sem dificuldade, ser empregada para estigmatizar quem quer que seja. Nada mais fácil que fazer vibrar a acusação de que um presidente põe em risco a estabilidade política da nação ou os valores éticos do povo. Nada mais fácil que acusar de golpistas os que pensam que um impeachment se justifica.
Gritar “fora Dilma” e propor seu impeachment viraram sinônimos nos dias que correm. Mas não são. Quando os petistas, em 1999, começaram a falar “fora FHC”, não estavam necessariamente pedindo seu impedimento. Passa-se o mesmo com os tucanos e os antipetistas hoje, que gritam “fora Dilma” na esperança de com isso aprofundar o desgaste da presidente e lhe criar novos constrangimentos. FHC foi desgastado lá atrás, terminou seu segundo período de governo em baixa, comeu o pão que o diabo amassou, mas não deu motivos para ser impedido. Dilma, agora, começou em baixa seu segundo mandato. Há motivos para ser impedida ou a proposta não passa de um movimento a mais para aprofundar esta baixa? Se, por exemplo, a lama dos escândalos da Petrobrás, que se acumula ameaçadoramente às portas do Palácio do Planalto, aumentar e invadir os corredores, a temperatura subirá e o impeachment ganhará força, sobrepujando a agitação fácil do “fora Dilma”. Mas não se sabe se tal ocorrerá. Nem é correto ou adequado que se torça para que isso ocorra.
O que se sabe é que a própria menção à hipótese do impeachment fornece combustível para que se complique ainda mais o já conturbado ambiente político, econômico e social. Há fermento espalhado fazendo o bolo crescer. O governo foi atingido em cheio pela derrota na Câmara, pela queda do índice de popularidade e pelo aumento das tensões no interior do próprio PT. Está com muitos flancos desguarnecidos, carece de bons articuladores, falha na comunicação. Ataques a ele, ou à presidente Dilma, já não são mais, hoje, privilégio das oposições. É muita coisa para quem acaba de começar o segundo mandato, tendo de se haver com mais quatros anos pela frente. Se nada de novo acontecer, a turbulência tenderá a aumentar.
Nada autoriza, porém, que se vejam somente nuvens carregadas no horizonte. O tempo político existe para ser domado. Há muitos factóides, muito barulho e muitos prognósticos apocalípticos soltos no ar, a embolar o meio de campo e a travar a análise. Mas que a situação se complicou, e pode se complicar mais ainda, é um fato difícil de ser contestado.
Melhor fariam todos se deixassem a poeira assentar. Um impedimento presidencial invariavelmente traz complicações, tensões e dificuldades, por mais que possa abrir comportas e fazer o País respirar, como de resto aconteceu com Collor. Jamais será decidido de um dia para outro: tratar-se-á sempre de um processo sujeito e chuvas e trovoadas. No qual não dá para estabelecer de antemão quem será o vencedor e quem sairá derrotado.
Por isso, bem mais importante do que cogitar de sua aceleração é analisar o que pode ser feito para o País não ficar à deriva e a política recuperar algum poder de agendamento. Ponto em que os políticos e os partidos — PT e PSDB à frente — estão a dever.
(Marco Aurélio Nogueira, professor titular de Teoria Política da Unesp)
Fonte: O Estado de São Paulo (11/02/15)
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