Hamlet, a obra do dramaturgo inglês William Shakespeare, escrita por volta de 1601, caiu no gosto do povo quando a Inglaterra sonhava em tornar-se a nova potência imperial. A “Invencível Armada” espanhola tinha sido derrotada, os Países Baixos estavam revoltados e poderoso Felipe II da Espanha havia morrido. Shakespeare, porém, não escreveu uma obra ufanista: resolveu tratar das conspirações e traições da Corte, dos bastidores espúrios da luta pelo poder.
A tragédia conta que Hamlet, o principal protagonista da peça, fez-se de louco para dar a impressão de ser incapaz de compreender o que estava se passando no reino. Agiu assim para sobreviver. O velho Rei da Dinamarca acabara de morrer. Seu irmão, Cláudio, alegando uma possível invasão das forças norueguesas de Fortimbrás, casara-se com a viúva e assumira o trono. Contudo, o espectro do rei aparece à noite para o filho e exige vingança, pois fora assassinado pelo próprio irmão.
A frase “há algo de podre no reino da Dinamarca” é de um oficiais da corte. A expressão correu o mundo, ao lado daquela que resume toda a sua dramaturgia: “Ser ou não ser”. Continua sendo usada até hoje quando há indícios de que algo grave e indecente está acontecendo nos bastidores de um governo. A podridão está oculta, mas o odor que exala toma conta dos ambientes oficiais, como se houvesse um rato morto atrás do trono.
Hamlet se faz de louco, mas não consegue esconder a própria náusea: “Ó Deus, meu Deus, que fatigantes, insípidas, monótonas e sem proveito as práticas do mundo, todas, me parecem! Que nojo o mundo, este jardim de ervas daninhas que crescem até dar semente…” Parece que a presidente Dilma Rousseff se comporta na política como o personagem shakespeariano. As articulações do Palácio do Planalto no Congresso foram tão estapafúrdias que dão a impressão de que a presidente se fez de louca como um Hamlet de saias.
O que será?
Dilma operou nas eleições da Câmara e do Senado contra a orientação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cujo grupo foi alijado da cozinha do Palácio do Planalto. O ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, e ministro das Relações Institucionais, Pepe Vargas, que estão sendo chamados de incompetentes pelos aliados no Congresso, trabalharam para enfraquecer o PMDB no Senado e derrotá-lo na Câmara. O resultado foi um desastre.
Não há uma explicação lógica para a estratégia adotada, a não ser que a presidente Dilma tenha informações sobre os políticos envolvidos na Operação Lava-Jato que ainda não vieram a público. Como se sabe, antes de montar seu ministério, havia dito que consultaria o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, sobre as autoridades citadas nas delações premiadas do doleiro Alberto Yousseff e do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto da Costa. O Ministério Público Federal, à época, considerou a declaração impertinente. Portanto, oficialmente o governo nada sabe. Mas age como se soubesse.
Na Câmara, a Operação Lava-Jato é aguardada como se fosse um strike, mas o novo presidente da Casa, Eduardo Cunha, repudia qualquer insinuação de que esteja envolvido no caso e desafia quem quiser a prová-lo. Como suas diferenças com Dilma Rousseff são bem antigas, pode-se atribuir o que houve às idiossincrasias presidenciais.
No Senado, porém, o caso é diferente. Renan Calheiros, reeeleito para o comando da Casa, é um aliado de primeira hora, mesmo assim o governo estimulou a candidatura de Luiz Henrique (PMDB-SC), parceiro de Dilma em Santa Catarina. E tentou articular um novo eixo de sustentação na base governista com peemedebistas não alinhados com Calheiros. Depois, teve que correr atrás do prejuízo e garantir-lhes os votos da bancada do PT.
O esforço de montar um novo dispositivo parlamentar fora do controle dos caciques do PMDB também foi antecedido por medidas para reduzir a influência do antigo Campo Majoritário do PT do governo. Como se sabe, o grupo ao qual pertence Lula teve suas principais lideranças condenadas no Ação Penal 470, do Supremo Tribunal Federal, o chamado processo do mensalão.
É voz corrente no Congresso que Dilma tenta construir um divisor de águas entre o seu mandato e os políticos envolvidos no escândalo da Petrobras. O desfecho da operação, porém, fez com que se tornasse ainda mais refém do PMDB, ou melhor, do vice-presidente Michel Temer, de Calheiros e de Cunha. Dependerá dessa troika a sua sustentação política… ou não!
Fonte: Correio Braziliense
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