quarta-feira, 3 de julho de 2013

Cuspiu no prato que comeu (Roberto Beling)




"Quem joga os amigos ao mar não contará com eles na tempestade"
Roberto Beling

1. O  PT,  depois da acachapante derrota eleitoral de 1982, quando descobriu que os slogans "trabalhador vota em trabalhador" e/ou  "vote no 13, o resto é burguês", só funcionavam na cabeça dos intelectuais, redirecionou o seu discurso em direção a classe média, ainda apenas lida e compreendida nos canones dos escritos de Marx/Engels.
Descoberta dura da realidade. Descoberta daquilo que havia sido escrito e reescritos por diferentes intelectuais: a classe média era o centro de gravidade da política brasileira.
Sem ler Helio Jaguaribe chegava a realidade pelo choque da verdade das urnas.

2. Não apenas direcionava o discurso, como se tornou fundamentalmente um partido de classe média, nos seus quadros dirigentes e bases eleitorais. 
Nos estratos de maior renda e escolaridade, especialmente no segmento universitário, a preferência eleitoral por Lula, a militância pelo PT chegou a seus índices mais elevados.
Nós, que vivemos a política na Universidade nos anos 80 e 90, sabemos o que isso significou e como impactou a opinião pública brasileira

3. O Lulismo produziu uma inflexão na base social do governo. André Singer mostrou bem esse processo, sociologicamente importante e dado novo novo na realidade, mas lido equivocadamente do ponto de vista político pelos ideólogos e pensadores do sistema, como Franklin Martins e os marqueteiros governamentais.
Nova base social, nova legitimidade baseada nos emergentes.


4 O problema é que PT e o Governo acabaram prisioneiros de seu próprio discurso. A chave ou pedra filosofal do novo entendimento social estava na proclamação do fim da chamada opinião pública. A chave do processo estava na distinção entre a opinião publicada (que até então era entendida como opinião pública) e a verdadeira opinião da legião de não escolarizados, desorganizados, etc, mas incorporados pelo processo de inclusão social desencadeado pelo governo. 

5. A essa nova realidade só havia um intérprete e apenas uma liderança com capacidade de traduzir e falar dos anseios dessa nova massa.
O problema é que essa relação carismática e quase messiânica dependia da locução diária do líder, de um palanque permanente para Lula. 
Palanque, esse, que deixa de existir quando encerra seu mandato, mesmo fazendo a sucessão com sucesso, inaugurando o que depois se tornaria uma espécie de certeza: a capacidade de eleger postes. 

6. Ao conceito antigo de “opinião pública” , entendido e traduzido  agora apenas como opinião publicada pela grande mídia, ficou reservado a redução e qualificação ou desqualificação de PIG (partido da imprensa golpista). 
Repercutido pelos chamados blogueiros "progressistas" da Petrobrás e da Caixa, toda e qualquer crítica era associado a movimentos golpistas e conspirações das elites. 

7. O governo e o Lulismo criaram a própria viseira que não lhe permitiu enxergar o movimento de insatisfação/desencanto que tomava conta de vários setores da sociedade, especialmente o cansaço/desencanto e insatisfação da desqualificada classe média.
Essa, agora, entendida apenas como mera repercutidora do discurso moralista, com vezo da antiga UDN (esquecendo-se que quando o PT se reivindicava o monopólio da ética e da moralidade pública também era tachada - remember Brizola - pejorativamente de "UDN de macacão").

8. Desdenhando aqui e ali, Marcos Coimbra, guru das pesquisas do governo, no seu último artigo, elencava 10 razões porque a sucessão e reeleição era coisa definida e no horizonte do Governo só se vislumbrava um céu de brigadeiro.
A oposição só era percebida no fragilizado trio PSDB/DEM/PPS. O resto comia tranquilo nas mãos do Governo.

9. O que Marcos Coimbra desdenhou era a alteração radical na curva de preferências e satisfação com o governo.
Invertia-se a curva de aprovação/desaprovação  entre setores de maior renda e escolaridade, exatamente os segmentos que haviam catapultado o crescimento do PT, a partir do final dos anos 80.

10. As pesquisas confirmavam o que as urnas já estavam indicando. Como exercício, compare-se a votação de Lula no DF em 1989 e a de Marina em 2010.

11. Suprema ingratidão. No lançamento do livro "10 anos de governos posliberais no Brasil", Marilena Chauí, teórica petista de priscas eras e justificadora do mensalão e congeneres, resolveu desancar as classes médias como direitistas, fascistas, atrasadas, etc. Esqueceu que o PT chocou, enquanto formulação, no berço da Universidade, berço esplendido da classe média.
E aí, de repente, os filhos dessa classe média tomaram as ruas, e trouxeram, na sequência, os pais, os amigos,papagaios e piratas (não há uma boa foto política sem um papagaio de pirata). 

12. Só para lembrar o comentário que José Roberto Bonifácio, postou por aqui: a esquerda se comporta diante da classe média do mesmo modo como a direita se posicionava em face das massas atendidas pelo bolsa-família e outros programas sociais: expressando intensa animosidade, quando não ojeriza ou hostilidade explicitas. As consequências politicas disso não tardarão.

E continua JR: não creio que seja uma boa rotular assim a juventude de classe media refrataria ao complexo UNE/CUT/PT como "protofascista". Essa coisa de usar categorias dum discurso politico habitual para descrever coisas novas, especialmente numa conjuntura em que se questiona violentamente uma hegemonia longamente estabelecida na sociedade civil, já se provou perigosa e ineficaz. Trata-los como "fascistas" em potencial ou reais vem a ser uma confissão de inépcia e uma recusa em ressocializa-los politicamente, em compreender adequadamente suas aspirações, desejos e necessidades. É jogar a toalha antes que o jogo termine.
Em verdade aquilo ecoa por toda a internet e "fascismo" virou mantra recorrente, sistemático e obsessivo da esquerda - enquanto reação atávica e irrefletida ao questionamento de sua hegemonia na sociedade civil. Basta ver os blogs, o twitter, o próprio facebook.

13. E para lembrar: Os jovens que hoje estão nas ruas se formaram em um contexto em que os partidos e políticos se desmoralizavam a cada dia. A política movida por uma lógica própria,  alienada da sociedade e seus sentimentos. Lógica dominada pela única e exclusiva busca da reprodução do poder, da conquista e manutenção do poder pelo poder.
Nessa lógica do poder como fim e dos interesses corporativos como objetivo o pragmatismo espúrio dominando todo e qualquer universo de valores possível. 
Cansaço e desencanto com essa política, políticos e partidos que estão aí.
E paro essa reflexões no número 13 em homenagem ao PT e, na certeza, que acima das práticas espúrias, haverá uma massa de  militantes na sua base que saberá reconstruí-lo.

PS: Texto elaborado coligindo notas postadas no facebook.

4 comentários:

  1. Visão positiva demais meu querido. Creio que o PT se confundiu com Lula. Algo menos positivo e continuará composto por líderes de segundo escalão.

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  2. Penso que o PT se confundiu com uma mercadoria qualquer para se vender ao eleitor,no mínimo,conservador,mas com muitas outras características de ATOR.Nesta "confusão" estratégica, as mudanças foram para o campo secundário.Especialmente depois de muitos eleitos e nomeados sentirem o sabor dos orçamentos.dos 14º salários,das verbas públicas e de muitas outras tentações, que uma moral fraca não soube enfrentar com dignidade.

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  3. Necessário lembrar que não existe PT sem Lula, como também, não existe LULA sem o PT, a relação é simbiótica.
    Outra questão fundamental, porque é fundamento para qualquer5 análise, HÁ UM VOTO CONTRÁRIO AO PT E POR CONSEQUÊNCIA AO LULA POR MERO PRECONCEITO, OU SEJA, UMA IDÉIA CONCEBIDA POR ANTECIPAÇÃO, NOTADAMENTE PELAS ELITES REGIONAIS.
    Por fim , o que transparece por tudo que se diga é a visão do mestre FLORESTAN FERNANDES QUE DIZ TEXTUALEMENTE, QUE O PT ESTAVA GERANDO NA SUA DIREÇÃO INTERMEDIÁRIA, LEIA-SE DIREÇÕES REGIONAIS, UMA CONFUSÃO ENTRE OS TERMOS PRAGMATISMO E FISIOLOGISMO.
    Quanto ao Dirceu todo mundo tem o direito de defesa, senão trata-se da INQUISIÇÃO, onde o órgão que apura ou investiga é o mesmo que acusa que é mesmo que julga. Há de se restringir os poderes, estabelecendo critérios de quem compete o exercício das atividades, isto é, a competência.

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  4. Um partido que se corrompeu pelo poder e quer que aceitemos que os fins justificam os meios. Pseudos intelectuais autoritários que também fazem parte de uma elite que condenam...o sonho acabou, pois criaram pesadelos para si e para os outros. O pior ainda está por vir, espero estar enganado, pois o modelo de gestão e "estabilidade" aparente, para muitos não passa de populismo que em breve colocará o país numa grave crise econômica com rebatimentos sociais piores do que o presenciamos. Educação de péssima qualidade formando um exército de analfabetos funcionais, Saúde e segurança um verdadeiro caos, e "bolsas" financeiros gerando um exército de preguiçosos e acomodados...3 mandatos que tiveram avanços, mas poderiam ter avançado muito mais se cumprissem as promessas e resistido a ganância financeira e do poder pelo poder!!!

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