terça-feira, 30 de julho de 2013

O "Re-Boot" do Governo como uma escolha de Sofia..., ops,... de Dilma! (José Roberto Bonifácio)




Em todos os veículos midiáticos repercute a resolução do diretório nacional do PT no sentido do rompimento com partidos centristas da base de suporte ao governo federal¹.
Analisar como isto se dá e porque ocorre nos permite analisar uma série de facetas, aspectos e desdobramentos (reais ou potenciais) da decisão partidária. Nos permite também analisar uma série de criticas que o partido tem recebido por seu desempenho à frente do governo, do Estado e diante mesmo da própria sociedade brasileira.
Cumpre dimensionar a amplitude e apontar os antecedentes da decisão, os parâmetros do cálculo político envolvido, antes de especular sobre seus resultados.
Em princípio diríamos que isto é iniciativa da Articulação de Esquerda (AE) e outras tendencias radicais do PT, não do partido como um todo. A mesma tem em vista primariamente o ajustamento do discurso ao cenário legislativo da reforma política em que cresce a insatisfação à proximidade do deputado Vaccarezza às posições dum Aécio Neves e dum Luis Eduardo Alves quanto a temas como o da extinção da reeleição e outros. Secundariamente, tambem a proximidade e os rumores acerca da reforma ministerial, com possível redução do número de pastas do gabinete cujo número se aproxima do cabalístico número de cúmplices do folclórico personagem dum conto das Mil e Uma Noites...
De certo modo o episódio crítico ecoa histórica a tensa disputa interna da legenda, entre o chamado "Campo Majoritário" agrupado em torno da tendência "Construindo Um Novo Brasil" (CNB) e suas oponentes históricas. Aquela, tendo o ex-ministro Ricardo Berzoini² como um dos seus dirigentes evidentemente que incorporou bandeiras destas, visando neutralizar seu avanço no Processo de Escolha Direta (PED) que se institucionaliza como norma de competição interna e tomada de decisões coletivas, junto às bases, dentro do PT. . Rivalidade esta que se desdobrou numa série de derrotas congressuais há algumas semanas e em uma entrevista bombástica do ex-ministro Tarso Genro, publicada no dia de ontem³.
Existem vários "PTs" (tendências) dentro deste PTzão que se apresenta públicamente. Então podem ocorrer coisas esquizofrenicas como esta, das tendencias aprovarem seus posicionamentos e mesmo destes posicionamentos serem adotados pelo diretório nacional e ainda assim a coisa não se efetivar políticamente, por serem incovenientes ou irrealistas. De todo modo, a exclusão do peemedebismo vem a ser um "turning point" interessante e possivelmente um retorno aos primeiros anos de Lula no poder.
Naquela época o método de gerenciamento do trabalho legislativo se pautava mais na tática de negociação pontual de projetos e mesmo em coalizões transversais com a oposição mediante acordos com os governadores que controlam bancadas, com facções e mesmo legisladores individuais.
O problema é que agora eles saem do método de "maioria defensiva", de que fala o Merval, e vão para uma estratégia de mais alto risco, contando com as facções menos fisiológicas e mais ideológicas do PMDB, do PP, do PR e outras legendas, quando não com o "varejo" parlamentar puro e simples. O potencial de crises institucionais, com paralização de trabalhos legislativos é bem mais elevado agora.
Dias difíceis se aproximam. A resolução do diretório parece ser uma sinalização direta aos segmentos ruralista e evangélicos que a então candidata à sucessão de Lula agregou à sua campanha antes e durante o processo eleitoral de 2010. Os germes da instabilidade já estavam lá todos presentes e explicitos: PNDH 3, código florestal, royalties do pré-sal, reforma agrária, indigenismo, reforma política plebiscitária etc.
O método de gerenciamento do trabalho do Congresso lá escolhido, ao privilegiar o papel dos líderes partidários (daí o facto de Temer ter sido aceito como vice, mesmo a contragosto do Barbudo) e as negociações no "atacado", foi insensivel às diferenças ideológicas no seio da base governista. Ao mesmo tempo o governo não vem cumprindo suas promessas aos setores mais fisiológicos de cada partido da base enquanto o faz de maneira mais generosa ao proprio PT e outros setores bem posicionados da propria esquerda (ex. PCdoB/UNE, PSB, PDT...). O critério da proporcionalidade na alocação de ganhos da coalizão governista vem sendo deliberadamente violado em prol da satisfação das forças partidárias ideológicamente dissimilares ao PT na base de beneficios particularizados aos grupos de interesses que proveem seu financiamento eleitoral - vide os subsidios diretos e indiretos à industria, aos bancos, à agricultura etc.
Assim sendo a coisa não pode se sustentar e as coisas vão ficar muito instáveis se a resolução for cumprida à risca - o que consideramos impraticável. Para quem é do campo é hora de se preparar para uma fase de grandes riscos ou relativizações do direito de propriedade. Um alento se acha no reconhecimento (implicito na resolução) de que pode governar com as facções não fisiológicas, minoritárias ou não, dentro de cada partido, o que inclui os de oposição.
Isto daria razão às críticas recentes de um Ciro Gomes ao governo, mas apenas num sentido limitado. Isto porque as escolhas presidenciais envolvidas podem ter um componente trágico implicações em termos de responsabilização dos atores políticos (situação e oposiçã) que o ex-ministro da Integração Nacional talvez não tenha dimensionado adequadamente, ao mobilizar o linguajar chulo e pouco edificante que o notabiliza.
A responsabilidade política do PSDB4, do PPS e do DEM aumenta exponencialmente nesta nova fase, - a despeito do que o PT, o Lula e os radicais pensem deles ou mesmo contem com eles - e os eleitores destes partidos terão que atualizar drasticamente sua visão acerca dos eventos, dos fenomenos e dos processos em curso. Antes de tudo cumpre entender que ser oposição não é um destino, más uma oportunidade, o que acarreta perdas, como também riscos e possíveis ganhos de credibilidade, coerência e flexibilidade. Quando se redemarca o campo político no sentido de que as posições retornem (guardadas a direção, o sentido, a profundidade e a mplitude das diferenças) o desdobramento que se espera é que se redefinam as vocações (berufs) políticas dos jogadores.
Isto posto, da parte do governo, ceder aos radicais não implica em fazer concessões ao radicalismo, em "esquerdizar-se", e sucumbir aos ditames mais extremistas da doutrina e do programa do PT - no que se equivocam certos críticos, como p.ex. o economista Alexandre Scheinkmann, ao atribuir a isto o atraso das reformas econômicas, da desestatização em forma de  Parcerias Público Privadas (PPPs), concessões e leilões de blocos exploratórios de petróleo da ANP. Implica em re-profissionalizar suas estratégias de articulação política, em fazer um re-boot do mandato presidencial. De certo modo implica, para ser eficiente, consistente e duradouro o novo momento presidencial, em liquidar a "República das Companheiras", o espírito de camarilha política presidencial, trazendo de volta um estilo menos emotivo de fazer a política congressual e executiva.
Se Ideli Salvatti, Miriam Belchior, Gleisi Hoffman, Maria do Rosário irão sobreviver em suas funções no gabinete nesta nova fase - juntas ou separadamente - é dificil prever. Não se sabe se isto trará um Antonio Palocci de volta à articulação política ou um Meirelles à gestão macroeconômica. Não se sabe se o realinhamento de tendencias do PT acarretará equilibrio ou desequilibrio e muito menos se isto transbordará as fronteiras da legenda, instabilizando toda a esquerda e por conseguinte o sistema político. Apesar disto é licito especular que a maneira como este "quarteto fantástico" desempenha tais incumbencias de gerenciamento governamental deva passar por uma drástica otimização. Mais que isto, o desafio transcende a dimensão meramente gerencial ou tecnocrática. Em verdade, a “escolha de Sofia” com que o Petismo se defronta pode revolucionar os parâmetros do cálculo político no Brasil.
Neste sentido, mesmo para críticos notoriamente benevolentes com o petismo, como o intelectual uspiano Renato Janine Ribeiro5, tendem a enfatizar estes deslocamentos que abalam o PT, acentuando a fuga progressiva e deliberada aos ditames da responsabilização ético-política ao longo de uma década de exercício do poder supremo do país. "O partido perdeu líderes, adquiriu gestores." sumariza o filósofo em seu recente artigo ao jornal Valor Econômico, em que enfatiza que a perda da hegemonia na sociedade civil pelo PT não implica automaticamente num prospecto de derrota eleitoral iminente. Apenas cria novos desafios e dificuldades que os dirigentes petistas não souberam ainda se dar conta e muito menos superar. Mais que defender seu programa de governo e as políticas públicas equalizadoras, o PT deve voltar a fazer política, como o fazia há pouco mais de uma década. A ordem de prioridades está estruturalmente equivocada.
O equivoco de Ribeiro é crer que a "bandeira da ética na política" se acha irremediavelmente perdida para a oposição e para os usos pouco profícuos ou convincentes que dela pode ou tem podido fazer. E também em crer que há uma eticidade ou um significado moral imanente na defesa das políticas e ações governamentais de combate à miséria e à pobreza extremas, hoje consagradas pela divulgação do novo Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil 2013, feito pela PNUD em parceria com o IPEA e com a Fundação João Pinheiro, em que se atesta que o IDH dos municípios brasileiros praticamente dobrou no curso de duas décadas. Na visão de Ribeiro, como de certo modo na de Ciro Gomes, é como se uma coisa compensasse a outra aos olhos dos formadores de opinião e do eleitorado.
Ora, a "bandeira da ética  na distribuição de renda", uma espécie de "materialismo ético" ou de busca consistente, persistente e valorativamente orientada pelas bases materiais do consentimento, à maneira como os partidos socialdemocratas europeus fizeram no imediato pós-guerra, é obra perene, abrangente e sólida da Constituição Cidadã de 1988, e de nenhum partido ou força política isolada como pretende o filósofo. Trata-se, enfim, de um bem coletivo pelo qual cooperaram políticos de diferentes gerações, tradições e linhagens políticas, desejando ou não.
A “exclusão programática” dos peemedebistas, além de conduzir o país de volta ao cenário de grave polarização política dos dois primeiros anos do mandato inaugural de Lula, interrompe o prosseguimento uma delicada correlação de forças. Este arranjo, independentemente das metas e das intenções dos agentes, tem acarretado diversos pontos de equilíbrio político ao longo da Nova República e especialmente do período de constitucionalização da democracia pós-autoritarismo.
Dissociando-se do “Centrão”, tendo perdido (com o episódio do “Mensalão” e similares) as características distintivas que o colocavam como alternativa política superior a ele, o petismo coloca-se num ponto de equilíbrio muito inferior, quando não de desequilíbrio explicito e aberto, quando comparado ao atual.
O governo passaria a depender direta e cotidianamente da boa vontade daqueles a quem execra e atacava no passado remoto como também no presente. Afasta a possibilidade de recuperar aquelas bandeiras e mesmo de ser reconhecido como um dos seus múltiplos defensores. Daí o irrealismo da decisão e das chances de ser efetivada pelo governo. Os riscos de “ingovernabilidade” – esta é a palavrinha-mágica e sempre recorrente quando se raciocina sobre a arte de governar sem o PMDB e o “Centrão” – podem ser altos. Ou não!
Em verdade, a classe política brasileira como um todo, e não somente o PT (e suas facções) ou a esquerda, defrontam-se com um chamado à responsabilidade política. Tal chamado tem em  vista o imperativo de perenizar e maximizar os aspectos positivos e constitutivos do bem-estar geral no presente e tomar decisões que podem sacrificá-lo no curto prazo visando maximizá-lo num futuro remoto.
Para isto, o cálculo político racional pode ter ou não da “governabilidade” do lado preponderante da equação, a depender dos valores, das preferências, das vocações dos agentes políticos. Depende intrinsecamente, mais ainda, de sua predisposição a assumir riscos, a aceitar a corrosão do seu capital político. Não se pode viver de índices de popularidade para sempre!  Aquele chamado é fatal e ineludível e dele tanto Dilma Roussef e seus apoiadores, como também seus adversários, não pode se esquivar.
A presidente somente é interpelada a fazer escolhas com maior veemência e frequência porque seu nome é mais visível.



Notas:
¹”Dilma sem o PMDB: é um risco ou oportunidade?" Disponivel em:http://www.brasil247.com/+mkwuf ²Disponível em:http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2013-07-29/pt-exclui-pmdb-de-alianca-programatica.html
³GENRO, Tarso: “Não sejamos ingênuos. Quem está ganhando é o Centrão”. Entrevista. Disponível em: sul21.com.br
4BONIFACIO, José Roberto. PSDB: a Oposição como Destino, Vocação ou Oportunidade? Disponível em:https://plus.google.com/u/0/106016301142393799788/posts/1CNB4W33Yj4 5RIBEIRO, Renato Janine. Como o PT perdeu a hegemonia. 29/07/2013. Disponível em: http://www.valor.com.br/politica/3213848/como-o-pt-perdeu-hegemonia#ixzz2aYVYA7Hk  
Citação:
BONIFACIO, José Roberto. O "Re-boot" do Governo como uma escolha de Sofia..., ops,... de Dilma! Disponível em:https://plus.google.com/u/0/106016301142393799788/posts/fQ1rmiiqw1U

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