quarta-feira, 17 de julho de 2013

Manifestações do Outono Quente do Brasil em debate no IHU


Conjuntura das manifestações ocorridas em junho foram discutidas no Seminário Anual do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
Confira. 
O primeiro dia de debates do Seminário Anual do Instituto Humanitas Unisinos  IHU  encerrou-se com a discussão do Caderno IHU Ideias #VemPraRua Outono Brasileiro? Leituras.
O texto, que reúne as entrevistas realizadas no sítio IHU com os pesquisadores Luíz Werneck Vianna, Giuseppe Cocco, Rudá Ricci, Bruno Lima Rocha, Giovanni Alves e Carlos Gadea, debatido pelos professores da Unisinos e integrantes do IHU Gilberto Faggion e Marilene MairaCesar Sanson, professor de sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN; e Darli SampaioJonas Jorge da SilvaAndré Langer, integrantes do Cepat.
Confira abaixo os principais comentários de cada um dos debatedores sobre os temas estudados.
De acordo com o debatedor Gilberto Faggion, a insatisfação dos manifestantes está relacionada, na perspectiva de Werneck Vianna, a dois eixos. Um deles é de que os jovens foram se distanciando da política e dos partidos, e a outra diz respeito às mudanças da composição social do país, o que no olhar do autor do texto não está ligado diretamente à questão econômica, mas com uma visada mais transdiscilplinar.  
“O tema aqui é mais político e cultural. É um sentimento de exclusão da arena pública. A falta de participação dessa geração na política é algo que chama a atenção. Por outro lado, a busca por reconhecimento social desses grupos emergentes das classes médias é muito forte e o tema do reconhecimento é muito associado ao tema do ressentimento. As pessoas querem ser reconhecidas, querem que sua dignidade e identidade sejam respeitadas, legitimadas”, explica Vianna.
Faggion chamou atenção para o ponto em que Vianna ressalta a falta de legitimação dos partidos políticos e que, fora às redes sociais, não há nada organizado, nem clubes, nem partidos, nem mesmo a Igreja. Tal contexto gerou aquilo que o entrevistado chama de “deserto cultural”. “O fato é que estamos em um deserto cultural, político, num Saara monumental em que tudo o que era vivo foi levado para dentro do Estado, através desta cooptação política desenfreada que esse governo – que é Estado – desencadeou. E esses movimentos sociais cooptados (como ficou claro) não têm a menor condução dos processos reais”, avalia.
O segundo tema  foi o trabalho imaterial, abordado na entrevista com Giuseppe CoccoCesar Sanson foi o responsável por trazer o tema à discussão, onde pontuou dez tópicos, abarcando resumidamente dez das ideias suscitadas no texto.
A primeira delas foi “Muito mais que 20 centavos”, onde o entrevistado frisa que a problemática das manifestações suscita mais perguntas que respostas e que é preciso, por parte dos políticos e dos intelectuais, assumir a condição de fragilidade das avaliações. Em segundo lugar chamou atenção àquilo que Cocco denomina revolução 2.0, apropriando-se do discurso de uma propaganda de automóveis favoráveis à Copa, mas que gerou o slogan das manifestações #VemPraRua. Em terceiro lugar, trouxe a frase “eu me represento”, ressaltando a intempestividade das manifestações, que tiveram, na avaliação de Cocco, um olhar conservador pelos movimentos sociais.
O quarto aspecto trazido pelo debatedor foram as palavras de ordem “sem partido, sem partido”, resultantes de uma lógica de autorreprodução das siglas partidárias, mas que na avaliação do Cocco não geraram a “falência da política, mas a persistência da política”. Em quinto lugar foi levantado o tema “Da copa eu abro mão, eu quero mais dinheiro para a saúde e educação”, aspecto que teria sido subavaliado pela esquerda, que denota um sentido de esgotamento dos valores da sociedade de mercado e consumo. Em sexto lugar, os protestos contra “o machismo, o racismo e a homofobia”, tendo em conta a participação de grupos defendo tais interesses dentro das manifestações, o que comporta um desejo não apenas de igualdade, mas de reconhecimento.
O sétimo aspecto abordado na reflexão foi sintetizado na ideia “as pessoas se recusam a morrer em silêncio”, cuja justificativa principal está amparada na discussão mais de horizonte que transcende os “20 centavos”.  Em oitavo lugar, um dos principais eixos de discussão que deu origem às mobilizações de massa: “se a tarifa não baixar, o Brasil vai parar”, tendo em vista perspectivas muito contemporâneas da mobilidade urbana, sobretudo naquilo que está relacionado às metrópoles. Em penúltimo lugar, uma palavra de ordem ecoada no Rio de Janeiro: “acabou a mordomia, o Rio virou uma Turquia”, numa alusão a possíveis semelhanças das manifestações turcas. Por fim, a frase destacada pelo debatedor foi “Erro. Sistema reiniciado”, fazendo um paralelo com a proposta de Cocco, de que a terra tremeu e continua tremendo e que a rua é o espaço da resistência.
O paralelo traçado por Rudá Ricci na entrevista concedida à IHU On-line, e destacado pela debatedora Darli Sampaio, foi pensar o carnaval como metáfora à organização das manifestações. Em síntese, há pelo menos duas maneiras de pensar e analisar os conflitos: as expressões pacíficas e as violentas. Tal cenário deu a ver questões sociais importantes, como, por exemplo, o despreparo da polícia ao conflito de rua, que, segundo Ricci, não foram capazes de abalar a estrutura interna das Polícias Militares, mas que, pelo menos, criaram uma tensão.
Em uma perspectiva não só de análise, mas de proposição, Ruda Ricci sustenta o plebiscito, sugerido pela presidente Dilma depois de recuar com a proposta da constituinte, como a melhor alternativa ao momento. "É a maneira mais inteligente de a energia que está nas ruas efetivamente se expressar e orientar a reforma política". Entretanto, reitera a importância da sugestão inicial. "A questão, agora, é de construção de uma engenharia política adequada. Está em questão a composição e escolha dos constituintes. Teremos candidatos avulsos, não filiados a partidos?”, provoca.
Outra reflexão trazida ao debate por Darli, refere-se à transição entre a democracia representativa e a participativa, tendo em vista a “anacronia” dos partidos políticos na avaliação de Ricci. "Acredito que as ondas de manifestações sociais de massa do século XXI estão dando seus recados. Os partidos revelam exaustão como estruturas de representação e não estão inseridos no cotidiano dos cidadãos. São estruturas do século XIX, afinal. Fico surpreso com o tom fatalista das vozes mais conservadoras, quase religiosa, dos que afirmam que sem partidos cairíamos no fascismo ou anarquismo. Não está em questão a necessidade de mediação social, de representação, mas se a forma partidária não seria anacrônica.”
Nas discussões do quarto texto Jonas Jorge da Silva,discutiu as abordagens de Bruno Lima Rocha sobre a conjuntura das manifestações. Bruno ressalta que os movimentos populares mais clássicos – como centrais sindicais, movimentos de reforma agrária, etc – estão subordinados aos interesses do governo e deixaram de ser um campo de tensão social. Nesse sentido, há uma espécie de autoritarismo do Estado à medida que ele cumpre a tarefa de configurar a agenda social, concentrando as decisões do que é melhor ou não para a sociedade. “Há 10 anos vivemos um cogoverno de centro-esquerda, vivemos melhor no mundo do consumo, mas estamos desorganizados como povo. Setores inteiros do movimento popular estão desarticulados ou têm relações complicadas – subordinadas – para com o governo. Ao mesmo tempo, no Brasil circula muita informação que adere, desde 2000, às lutas antiglobalização”. 
No entanto, o que as manifestações mostraram, segundo a avaliação do jornalista, foi que as coletividades apresentaram uma nova perspectiva, que transcende a inclusão via capitalismo e a luta por direitos e cidadania mais aprofundados. Conforme destacou Jonas da Silva, o autor do texto considera que a pressão exercida pelas forças coletivas e a pressão do povo nas ruas são capazes de reverter decisões políticas e, além disso, capazes de gerarem novos valores à democracia. “Afirmo que, para ampliar a democracia direta e a defesa dos direitos coletivos, tal presença é fundamental. Todos os elementos apresentados: horizontalidade, identidade e independência de classe, sentido popular, democracia direta, profunda democracia interna, exercício do direito das maiorias, todas estas categorias estão presentes e constituem a ideologia anarquista em si”, diz Bruno.
O penúltimo eixo de discussão foi abordado por André Langer, que se debruçou sobre a questão do precariado, tema discutido por Giovanni Alves. Em termos conceituais, fundamentais para entender a discussão,Giovanni Alves pensa a questão do precariado a partir de duas camadas: uma delas seria o subproletariado urbano, formado por jovens adultos, qualificados tecnicamente, com inserção no “mercado de trabalho precarizado”; a outra via se refere ao subproletariado pobre, formado pela população dependente dos programas de redistribuição de renda do governo.
O debatedor chamou atenção para um fenômeno ocorrido nos últimos anos, o qual diz respeito à precarização do trabalho salarial e existencial, que, entre 2002 e 2011 sofreu uma queda de 8%. Tal cenário é completamente distinto da década de 1990, quando a baixa qualificação era a responsável pelo maior número de desempregados. “Enfim, houve mais ofertas de trabalhadores assalariados altamente escolarizados, a maior parte deles jovens recém-graduados. E muitos profissionais podem ter ingressado no nível mais elevado de escolaridade, mas com o mesmo salário, o que reduziu a média de ganho da categoria. Desse modo, o precariado possui, em si e para si, um misto de frustração de expectativas e insatisfação social e, por outro lado, carecimentos radicais que o torna susceptível de atitudes de rebeldia”, explica Giovanni.
Em relação às questões existenciais, uma das trazidas à discussão foi a precarização existencial, relacionada aos problemas cotidianos do transporte, da saúde e dos espaços públicos. O debatedor lembrou que Giovanni não vê as manifestações como uma revolta da classe média, pois não considera o precariado como classe média, e que nessa mesma esteira corre a opção equivocada de Lula e Dilma pelo reformismo fraco com foco no subproletariado pobre. “Na verdade, a frente política do neodesenvolvimentismo de Lula e Dilma focou o gasto público no subproletariado pobre (por exemplo, aumento do salário mínimo, Bolsa Família, acesso ao crédito), deixando de lado as demandas sociais reprimidas da camada média do subproletariado urbano – o precariado, imerso na dupla dimensão da precarização do trabalho: precarização salarial e precarização existencial”, avalia Alves.
Conforme salientou André Langer em sua apresentação, o entrevistado sustenta que a esquerda social-democrata perdeu o horizonte estratégico de crítica ao capitalismo e que, ao contrário, tentaram humanizar o sistema. Para concluir, o debatedor ressaltou que as ameaças à democracia, como propôs Todorov, não vêm de inimigos externos, mas internos das práticas de governo.
A última explanação foi de Marilene Maia, abordando a entrevista de Carlos Gadea. A apresentação teve como elemento estético alusivo aos protestos, o uso, ao invés de recursos eletrônicos, de cartazes de papel, ao melhor estilo #VemPraRua. O texto analisado foi publicado em abril, quando as manifestações ainda se constituíam de modo disperso, mas que continham a potência dos levantes que se intensificaram em junho. As ações e marchas contra o racismo, a homofobia e o episódio do Tatu Bola, no centro de Porto Alegre, foram alguns exemplos trazidos pelo professor Carlos Gadea ao que ele denominou de uma “reativação da sociedade”.
Marilene lembrou que na perspectiva do entrevistado as manifestações contemporâneas representam um ecletismo de valores e ideias, e que as lutas não são exatamente contra o capitalismo e o antineoliberalismo, esses últimos concorrendo como fatores acessórios às demais pautas. “O importante a ser lido está em outro lugar: esse ecletismo se desdobra em duas motivações práticas de enorme significado interpretativo acerca do que representam as atuais ações coletivas e, em particular, a mobilização dos jovens em Porto Alegre. (...) Creio não entender-se este fenômeno equivocadamente quando se percebe que estas mobilizações surgem do diagnóstico realizado por muitos do próprio esvaziamento do ‘espaço da esquerda’ na gestão da política por parte de certas instâncias de governo”, argumentaGadea.
A questão da violência como forma de revelar o conflito, segundo destacou a debatedora Marilene Maia, constitui uma mobilização paradoxal naquilo que o entrevistado entende com uma maior interconexão dos indivíduos concomitante a uma “despersonalização” e “instrumentalização da vida”. A questão da violência também foi pensada no sentido de linguagem, como destacou a debatedora ao trazer à discussão a posição de Gadea sobre a violência. “Importante deixar claro algo que a violência não pode ser entendida como simplesmente o ‘fim de uma relação’ qualquer; nesse caso, daquilo que se define a priori como 'os mobilizados' e a 'realidade instituída'. (...) Contrariamente, é quando estes se encontram no momento da sua máxima aproximação. Existem, sim, 'experiências coletivas' que podem se valer da violência para estabelecer-se uma relação de conflito. Mas é uma linguagem, e as ações coletivas, na sua estratégia e identidade, alternam linguagens variadas, próprias da experiência política e social nas que se vêm envolvidas”.

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