Nestes tempos em que as manifestações, protestos e reivindicações coletivas se tornam frequentes no cotidiano, em que as pessoas redescobrem os métodos da "ação direta" ou simplesmente voltam a praticar ou a experimentar hábitos e sentimentos cívicos, a rua se tornou um âmbito central na vida social dos brasileiros. Nem que seja por um período transitório ou fugaz, a rua enquanto metáfora do espaço público (assim como a praça para os povos da Europa e do Oriente Médio) ainda seguirá exercendo uma função significativa e preponderante na politica. E o fará com tão maior intensidade quanto for estimulada pelas interações nas redes sociais (ainda que não apenas e somente por estas).
Isto nos leva a uma velha e surrada anedota que nos parece o indicativo mais crível dos desdobramentos que a conjuntura pode seguir nos mais diversos momentos e lugares: Quer que um problema politico saia do âmbito das posições mais polarizadas (a rua ou a praça) ainda que não seja solucionado? Nomeie uma comissão, crie uma "cortina de fumaça".
Não me lembro onde li isto exatamente, mas sei que se relaciona a situações onde a voz (protesto) prevalece sobre o conformismo (lealdade ao status quo) e sobre a saída (deserção).Isto se aplica a situações e eventos políticos tão díspares e em esferas tão diferentes quanto entre o que ocorre hoje no Egito (onde protestos que levaram 17 milhões de pessoas às ruas, na semana anterior, precederam um golpe de Estado militar), na Turquia, no Brasil e em outros lugares.
Em outras palavras: coloque outras instituições representativas (da sociedade política) ou intermediárias (da sociedade civil) para operar o milagre da "desconflitualização" das demandas sociais. Atribua-lhes status "semi-público", o que implica em reconhece-lo como legitimo representante de um grupo de interesses organizado, em formalizá-lo e por conseguinte disciplinar ou ritualizar suas formas de manifestação. Trata-se, ao mudar o campo de jogo em que se posicionam os manifestantes, em fazer a voz ser suplantada pela lealdade, superar sua aversão atávica ao processo politico. Em termos mais
caracteristicamente anedóticos: cozinhe tudo em "banho maria" por algumas semanas.
Assim ocorreu com a proposta dos "5 Pactos" de Dilma (em verdade um requentamento do programa de governo de 2010, especialmente com fins publicitários de curto e médio prazos) e, subsequentemente a proposta plebiscitária. Não discutiremos se melhor seria reativar o famoso "Conselhão" (CDES) da Era Lula ou se isto reflete uma inflexão na doutrina petista histórica que enxerga (erroneamente) o Brasil como uma democracia de perfil mais adversarial ou majoritário do que consociativo (modelo europeu com ampla dispersão de poder).
Assim ocorre com a "agenda positiva" de Renan e Alves no Congresso Nacional - este dois atualmente de volta ao centro dos holofotes com o escândalo das viagens turísticas, pessoais e recreativas em aeronaves da FAB.
Assim ocorreu com o pacote de reformas administrativas (espécie de mini-ajuste neoliberal) de um governador Alckmin em SP. Outros governadores, ainda que não anunciem medidas institucionais de mesmo sentido e abrangência, também tem exibido certa tenacidade e jogo de cintura ao gerenciar as crises oriundas da retroalimentação avassaladora do circuito "rede - ruas". Todos correm contra o tempo.
É certo que nem tudo pode ser resolvido dentro do plenário, e talvez a parlamentarização (como efetuado pelo PT e PMDB) no âmbito nacional, quanto a judicialização (como buscado pelo TCE RS ou o TJ MG) também sejam incapazes de absorver as reivindicações e aplainar seu potencial disruptivo.
Mas ainda assim os sintomas de acefalia da ordem politica ainda se fazem sentir, como no estado do Espírito Santo, onde nenhuma das opções de encapsular os conflitos no estrito âmbito do plenário do Legislativo (pesadamente dominado pelo Executivo) chegou a bom termo. E a carta da "judicialização" ainda não foi cogitada.
Por certo (e obviamente) a circunstância enfrentada pelo Executivo capixaba não é tão drámatica em significado, amplitude e repercussões quanto a experimentada pelo mandatário egípcio recém-deposto. Mas ele pode se igualar aos governadores de SP, MG e RJ - o que é muito mais preocupante. Mas quais as opções estratégicas que se avizinham para o governo capixaba neste instante?
Se não se logrou tecnicamente atribuir status "semi público" ao MPL (dada a natureza sui generis do movimento, a desafiar todos os paradigmas até então existentes acerca de ciclos de protesto e mobilização social) como efetuado por um Alckmin, um Cabral, uma Dilma Roussef, ou "judicializar" como fez Anastasia ou ainda antecipar como fez Eduardo Campos (seu colega de partido a frente de Pernambuco) o que resta a um Renato Casagrande (PSB) efetuar?
Que estratégias são cabíveis diante do caos que se instalou durante esta semana na Assembléia Legislativa do ES (ALES)? Estamos fadados a repetir a crise de segurança de 2011, com o desfecho trágico registrado naquela ocasião?
Não teria sido mais prudente ter antecipado tais demandas (em verdade um deslocamento das bem-sucedidas reivindicações tarifárias do transporte coletivo estudantil para o pedágio da Terceira Ponte, histórica e palpável bandeira de luta das classes médias urbanas, dos sindicatos, dos movimentos sociais e da esquerda local há pelo menos um quarto de século; o que acrescenta a nossas metáforas habituais do protesto politico um outro âmbito contundente e significativo: a Ponte!) com base no reincidente fracasso da classe politica em matéria de gerenciamento de crises estudantis como esta (com o vice Givaldo Vieira e com o próprio ex-governador Paulo Hartung, em 2004-05)?
A rua ruidosa chama sem demora! O plenário, titubeante e dividido, é incapaz de gerar decisões coletivas estáveis e consistentes. A comissão é postergada. E o gabinete, inexperiente e pressionado, hesita.
Ainda nos caberia esboçar uma ainda mais profunda indagação: será que tentar "vencer pelo cansaço" - apostar deliberadamente no desgaste das massas, no prolongamento do "timing" como na tática da comissão, tentada por Morsi com desfecho funesto, ou ainda na tática do plenário, como tentado por Dilma - não é muito arriscado?
Cumpre oferecer uma resposta. Pois nesse meio tempo, com as pessoas esperando ou não (desejando como no caso de muitos que se reuniram festivamente na Praça Tahrir ou temendo como alguns que outrora, há 20 e poucos anos, protestavam nas ruas brasileiras e hoje nelas já tem que dividir espaços com portadores de outras bandeiras ideológicas, alguns destes ansiando, nas redes, por um desfecho "egípcio" ao persistente e nauseante dilema institucional brasileiro...), pode entrar em cena um outro personagem: o quartel!
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