terça-feira, 30 de julho de 2013

O "Re-Boot" do Governo como uma escolha de Sofia..., ops,... de Dilma! (José Roberto Bonifácio)




Em todos os veículos midiáticos repercute a resolução do diretório nacional do PT no sentido do rompimento com partidos centristas da base de suporte ao governo federal¹.
Analisar como isto se dá e porque ocorre nos permite analisar uma série de facetas, aspectos e desdobramentos (reais ou potenciais) da decisão partidária. Nos permite também analisar uma série de criticas que o partido tem recebido por seu desempenho à frente do governo, do Estado e diante mesmo da própria sociedade brasileira.
Cumpre dimensionar a amplitude e apontar os antecedentes da decisão, os parâmetros do cálculo político envolvido, antes de especular sobre seus resultados.
Em princípio diríamos que isto é iniciativa da Articulação de Esquerda (AE) e outras tendencias radicais do PT, não do partido como um todo. A mesma tem em vista primariamente o ajustamento do discurso ao cenário legislativo da reforma política em que cresce a insatisfação à proximidade do deputado Vaccarezza às posições dum Aécio Neves e dum Luis Eduardo Alves quanto a temas como o da extinção da reeleição e outros. Secundariamente, tambem a proximidade e os rumores acerca da reforma ministerial, com possível redução do número de pastas do gabinete cujo número se aproxima do cabalístico número de cúmplices do folclórico personagem dum conto das Mil e Uma Noites...
De certo modo o episódio crítico ecoa histórica a tensa disputa interna da legenda, entre o chamado "Campo Majoritário" agrupado em torno da tendência "Construindo Um Novo Brasil" (CNB) e suas oponentes históricas. Aquela, tendo o ex-ministro Ricardo Berzoini² como um dos seus dirigentes evidentemente que incorporou bandeiras destas, visando neutralizar seu avanço no Processo de Escolha Direta (PED) que se institucionaliza como norma de competição interna e tomada de decisões coletivas, junto às bases, dentro do PT. . Rivalidade esta que se desdobrou numa série de derrotas congressuais há algumas semanas e em uma entrevista bombástica do ex-ministro Tarso Genro, publicada no dia de ontem³.
Existem vários "PTs" (tendências) dentro deste PTzão que se apresenta públicamente. Então podem ocorrer coisas esquizofrenicas como esta, das tendencias aprovarem seus posicionamentos e mesmo destes posicionamentos serem adotados pelo diretório nacional e ainda assim a coisa não se efetivar políticamente, por serem incovenientes ou irrealistas. De todo modo, a exclusão do peemedebismo vem a ser um "turning point" interessante e possivelmente um retorno aos primeiros anos de Lula no poder.
Naquela época o método de gerenciamento do trabalho legislativo se pautava mais na tática de negociação pontual de projetos e mesmo em coalizões transversais com a oposição mediante acordos com os governadores que controlam bancadas, com facções e mesmo legisladores individuais.
O problema é que agora eles saem do método de "maioria defensiva", de que fala o Merval, e vão para uma estratégia de mais alto risco, contando com as facções menos fisiológicas e mais ideológicas do PMDB, do PP, do PR e outras legendas, quando não com o "varejo" parlamentar puro e simples. O potencial de crises institucionais, com paralização de trabalhos legislativos é bem mais elevado agora.
Dias difíceis se aproximam. A resolução do diretório parece ser uma sinalização direta aos segmentos ruralista e evangélicos que a então candidata à sucessão de Lula agregou à sua campanha antes e durante o processo eleitoral de 2010. Os germes da instabilidade já estavam lá todos presentes e explicitos: PNDH 3, código florestal, royalties do pré-sal, reforma agrária, indigenismo, reforma política plebiscitária etc.
O método de gerenciamento do trabalho do Congresso lá escolhido, ao privilegiar o papel dos líderes partidários (daí o facto de Temer ter sido aceito como vice, mesmo a contragosto do Barbudo) e as negociações no "atacado", foi insensivel às diferenças ideológicas no seio da base governista. Ao mesmo tempo o governo não vem cumprindo suas promessas aos setores mais fisiológicos de cada partido da base enquanto o faz de maneira mais generosa ao proprio PT e outros setores bem posicionados da propria esquerda (ex. PCdoB/UNE, PSB, PDT...). O critério da proporcionalidade na alocação de ganhos da coalizão governista vem sendo deliberadamente violado em prol da satisfação das forças partidárias ideológicamente dissimilares ao PT na base de beneficios particularizados aos grupos de interesses que proveem seu financiamento eleitoral - vide os subsidios diretos e indiretos à industria, aos bancos, à agricultura etc.
Assim sendo a coisa não pode se sustentar e as coisas vão ficar muito instáveis se a resolução for cumprida à risca - o que consideramos impraticável. Para quem é do campo é hora de se preparar para uma fase de grandes riscos ou relativizações do direito de propriedade. Um alento se acha no reconhecimento (implicito na resolução) de que pode governar com as facções não fisiológicas, minoritárias ou não, dentro de cada partido, o que inclui os de oposição.
Isto daria razão às críticas recentes de um Ciro Gomes ao governo, mas apenas num sentido limitado. Isto porque as escolhas presidenciais envolvidas podem ter um componente trágico implicações em termos de responsabilização dos atores políticos (situação e oposiçã) que o ex-ministro da Integração Nacional talvez não tenha dimensionado adequadamente, ao mobilizar o linguajar chulo e pouco edificante que o notabiliza.
A responsabilidade política do PSDB4, do PPS e do DEM aumenta exponencialmente nesta nova fase, - a despeito do que o PT, o Lula e os radicais pensem deles ou mesmo contem com eles - e os eleitores destes partidos terão que atualizar drasticamente sua visão acerca dos eventos, dos fenomenos e dos processos em curso. Antes de tudo cumpre entender que ser oposição não é um destino, más uma oportunidade, o que acarreta perdas, como também riscos e possíveis ganhos de credibilidade, coerência e flexibilidade. Quando se redemarca o campo político no sentido de que as posições retornem (guardadas a direção, o sentido, a profundidade e a mplitude das diferenças) o desdobramento que se espera é que se redefinam as vocações (berufs) políticas dos jogadores.
Isto posto, da parte do governo, ceder aos radicais não implica em fazer concessões ao radicalismo, em "esquerdizar-se", e sucumbir aos ditames mais extremistas da doutrina e do programa do PT - no que se equivocam certos críticos, como p.ex. o economista Alexandre Scheinkmann, ao atribuir a isto o atraso das reformas econômicas, da desestatização em forma de  Parcerias Público Privadas (PPPs), concessões e leilões de blocos exploratórios de petróleo da ANP. Implica em re-profissionalizar suas estratégias de articulação política, em fazer um re-boot do mandato presidencial. De certo modo implica, para ser eficiente, consistente e duradouro o novo momento presidencial, em liquidar a "República das Companheiras", o espírito de camarilha política presidencial, trazendo de volta um estilo menos emotivo de fazer a política congressual e executiva.
Se Ideli Salvatti, Miriam Belchior, Gleisi Hoffman, Maria do Rosário irão sobreviver em suas funções no gabinete nesta nova fase - juntas ou separadamente - é dificil prever. Não se sabe se isto trará um Antonio Palocci de volta à articulação política ou um Meirelles à gestão macroeconômica. Não se sabe se o realinhamento de tendencias do PT acarretará equilibrio ou desequilibrio e muito menos se isto transbordará as fronteiras da legenda, instabilizando toda a esquerda e por conseguinte o sistema político. Apesar disto é licito especular que a maneira como este "quarteto fantástico" desempenha tais incumbencias de gerenciamento governamental deva passar por uma drástica otimização. Mais que isto, o desafio transcende a dimensão meramente gerencial ou tecnocrática. Em verdade, a “escolha de Sofia” com que o Petismo se defronta pode revolucionar os parâmetros do cálculo político no Brasil.
Neste sentido, mesmo para críticos notoriamente benevolentes com o petismo, como o intelectual uspiano Renato Janine Ribeiro5, tendem a enfatizar estes deslocamentos que abalam o PT, acentuando a fuga progressiva e deliberada aos ditames da responsabilização ético-política ao longo de uma década de exercício do poder supremo do país. "O partido perdeu líderes, adquiriu gestores." sumariza o filósofo em seu recente artigo ao jornal Valor Econômico, em que enfatiza que a perda da hegemonia na sociedade civil pelo PT não implica automaticamente num prospecto de derrota eleitoral iminente. Apenas cria novos desafios e dificuldades que os dirigentes petistas não souberam ainda se dar conta e muito menos superar. Mais que defender seu programa de governo e as políticas públicas equalizadoras, o PT deve voltar a fazer política, como o fazia há pouco mais de uma década. A ordem de prioridades está estruturalmente equivocada.
O equivoco de Ribeiro é crer que a "bandeira da ética na política" se acha irremediavelmente perdida para a oposição e para os usos pouco profícuos ou convincentes que dela pode ou tem podido fazer. E também em crer que há uma eticidade ou um significado moral imanente na defesa das políticas e ações governamentais de combate à miséria e à pobreza extremas, hoje consagradas pela divulgação do novo Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil 2013, feito pela PNUD em parceria com o IPEA e com a Fundação João Pinheiro, em que se atesta que o IDH dos municípios brasileiros praticamente dobrou no curso de duas décadas. Na visão de Ribeiro, como de certo modo na de Ciro Gomes, é como se uma coisa compensasse a outra aos olhos dos formadores de opinião e do eleitorado.
Ora, a "bandeira da ética  na distribuição de renda", uma espécie de "materialismo ético" ou de busca consistente, persistente e valorativamente orientada pelas bases materiais do consentimento, à maneira como os partidos socialdemocratas europeus fizeram no imediato pós-guerra, é obra perene, abrangente e sólida da Constituição Cidadã de 1988, e de nenhum partido ou força política isolada como pretende o filósofo. Trata-se, enfim, de um bem coletivo pelo qual cooperaram políticos de diferentes gerações, tradições e linhagens políticas, desejando ou não.
A “exclusão programática” dos peemedebistas, além de conduzir o país de volta ao cenário de grave polarização política dos dois primeiros anos do mandato inaugural de Lula, interrompe o prosseguimento uma delicada correlação de forças. Este arranjo, independentemente das metas e das intenções dos agentes, tem acarretado diversos pontos de equilíbrio político ao longo da Nova República e especialmente do período de constitucionalização da democracia pós-autoritarismo.
Dissociando-se do “Centrão”, tendo perdido (com o episódio do “Mensalão” e similares) as características distintivas que o colocavam como alternativa política superior a ele, o petismo coloca-se num ponto de equilíbrio muito inferior, quando não de desequilíbrio explicito e aberto, quando comparado ao atual.
O governo passaria a depender direta e cotidianamente da boa vontade daqueles a quem execra e atacava no passado remoto como também no presente. Afasta a possibilidade de recuperar aquelas bandeiras e mesmo de ser reconhecido como um dos seus múltiplos defensores. Daí o irrealismo da decisão e das chances de ser efetivada pelo governo. Os riscos de “ingovernabilidade” – esta é a palavrinha-mágica e sempre recorrente quando se raciocina sobre a arte de governar sem o PMDB e o “Centrão” – podem ser altos. Ou não!
Em verdade, a classe política brasileira como um todo, e não somente o PT (e suas facções) ou a esquerda, defrontam-se com um chamado à responsabilidade política. Tal chamado tem em  vista o imperativo de perenizar e maximizar os aspectos positivos e constitutivos do bem-estar geral no presente e tomar decisões que podem sacrificá-lo no curto prazo visando maximizá-lo num futuro remoto.
Para isto, o cálculo político racional pode ter ou não da “governabilidade” do lado preponderante da equação, a depender dos valores, das preferências, das vocações dos agentes políticos. Depende intrinsecamente, mais ainda, de sua predisposição a assumir riscos, a aceitar a corrosão do seu capital político. Não se pode viver de índices de popularidade para sempre!  Aquele chamado é fatal e ineludível e dele tanto Dilma Roussef e seus apoiadores, como também seus adversários, não pode se esquivar.
A presidente somente é interpelada a fazer escolhas com maior veemência e frequência porque seu nome é mais visível.



Notas:
¹”Dilma sem o PMDB: é um risco ou oportunidade?" Disponivel em:http://www.brasil247.com/+mkwuf ²Disponível em:http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2013-07-29/pt-exclui-pmdb-de-alianca-programatica.html
³GENRO, Tarso: “Não sejamos ingênuos. Quem está ganhando é o Centrão”. Entrevista. Disponível em: sul21.com.br
4BONIFACIO, José Roberto. PSDB: a Oposição como Destino, Vocação ou Oportunidade? Disponível em:https://plus.google.com/u/0/106016301142393799788/posts/1CNB4W33Yj4 5RIBEIRO, Renato Janine. Como o PT perdeu a hegemonia. 29/07/2013. Disponível em: http://www.valor.com.br/politica/3213848/como-o-pt-perdeu-hegemonia#ixzz2aYVYA7Hk  
Citação:
BONIFACIO, José Roberto. O "Re-boot" do Governo como uma escolha de Sofia..., ops,... de Dilma! Disponível em:https://plus.google.com/u/0/106016301142393799788/posts/fQ1rmiiqw1U

Sanear o processo eleitoral (José Eli da Veiga)



É preciso reconhecer que a evolução do sistema político brasileiro está emperrada por desfavorável combinação objetiva de interesses, à qual se soma a triste incompetência dos atuais deputados e senadores em optar por desobstruir pequenos vasos, em vez de se perderem em debates sobre temerárias propostas de transplante.

Como dificilmente pode haver algo mais nocivo ao futuro de qualquer sociedade que a incapacidade de adequar suas instituições a novas circunstâncias, talvez nada seja mais crucial hoje do que destravar essa evolução, de preferência de forma incremental. Daí a importância de perguntar se o saneamento do processo eleitoral não pode dispensar recurso às sempre traumáticas emendas constitucionais. E uma resposta positiva pode ser sintetizada em cinco tópicos.

Para começar, é perfeitamente possível cortar as asas das legendas de aluguel sem reduzir o grau de liberdade garantido pela Constituição à criação de partidos. Basta que as regras a serem respeitadas na formação de coligações acabem com a farra da acumulação dos respectivos tempos de rádio e televisão e dos quinhões recebidos do atual Fundo de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (FAFPP). Os tempos e recursos públicos de cada coligação devem ser unicamente os que cabem ao partido que tiver maior número de deputados. Extinta a possibilidade de negociar esses dois trunfos, os partidos de araque tenderão a definhar por falta de oxigênio. O que pode ser obtido com ínfimas alterações em duas leis ordinárias: a dos Partidos (9096/95) e a das Eleições (9504/97).

Partidos devem ser induzidos a se financiar exclusivamente pela captação de doações junto a seus adeptos

Também é viável democratizar as regras de alocação do Horário Eleitoral Gratuito. A cada novo partido, que esteja disputando sua primeira eleição, deve ser garantido um mínimo de dois minutos de cada hora. Do tempo restante, um terço pode ser repartido igualitariamente entre os partidos (inclusive aos novatos) e dois terços proporcionalmente ao número de deputados eleitos no pleito anterior. Sem esquecer que em caso de coligação só será considerado o tempo destinado ao partido com maior número de deputados.

Em terceiro, é preciso enfatizar que também não há necessidade de se mexer na Constituição para começar a reduzir a abjeta influência eleitoral do poder econômico. Porém, sem passar mais dinheiro público aos políticos, como acha muita gente bem intencionada, mas que desconhece a experiência internacional.

Para que se tornem autênticas ferramentas representativas de correntes de opinião da sociedade civil, partidos políticos devem ser induzidos a se financiar exclusivamente pela captação de doações junto a seus adeptos, simpatizantes e apoiadores, mantendo a maior autonomia possível em relação ao Estado. Fórmula que tem mostrado altíssima eficácia quando prevê - além da proibição de doações por pessoas jurídicas - razoáveis incentivos fiscais para as doações de pessoas físicas, com teto realista e xilindró para quem burlar tais regras.

Essa é, infelizmente, uma das principais mazelas do anteprojeto de iniciativa popular "Eleições Limpas" (www.eleicoeslim pas.org.br), que - com apoio da OAB- pretende que seja criado um "Fundo Eleitoral de Campanhas" ao lado do já discutível FAFPP. Pior: pretende limitar as doações de pessoas físicas a irrisórios R$ 700. Seria possível pecar por mais estatismo?

A quarta mudança incremental necessária ao saneamento das eleições seria a paulatina criação de circunscrições nos Estados que mais concentram eleitores. São Paulo, por exemplo, deveria ter oito, duas delas na capital, como propõe o minucioso estudo que Octavio Amorim Neto, Bruno Freitas Cortez e Samuel Pessôa publicaram na revista Opinião Pública de junho de 2011.

Finalmente, mas tão importante quanto os quatro dispositivos anteriores, é a necessidade de estimular o eleitor a comparar os programas apresentados por partidos ou coligações, sem com isso restringir sua liberdade de escolher o representante de sua preferência. Também é muito canhestra a proposta da iniciativa "Eleições Limpas" para que isso ocorra em dois turnos, pois nesse caso a lista preordenada de candidatos seria uma camisa-de-força que só aumentaria as guerras intestinas dos partidos. Inevitável em primárias internas para a composição dessa lista, mas extremamente nociva em segundo turno, quando os principais adversários de qualquer candidato seriam forçosamente seus companheiros de partido.

Bem melhor opção pode ser algo na linha do que propõe o deputado carioca Alfredo Sirkis (www.http:www.sir kis.com.br). Em pleitos proporcionais o eleitor daria simultaneamente dois votos para o mesmo mandato. Um deles em legenda de partido ou coligação, obediente à sua lista preordenada, mas outro livre, que poderia ser dado até ao último nome de qualquer das listas.

Esses cinco tópicos demonstram que intenso saneamento do processo eleitoral é imediatamente realizável se nesta volta do recesso parlamentar nossos deputados e senadores lhe atribuírem a prioridade que merece. Seria o pontapé inicial da tão badalada "reforma política".

José Eli da Veiga, professor dos programas de pós-graduação do Instituto de Relações Internacionais da USP (IRI/USP) e do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ),

Fonte: Valor Econômico

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Como o PT perdeu a hegemonia (Renato Janine Ribeiro)



Um tempo antes de eleger Lula presidente da República, o Partido dos Trabalhadores alcançou a hegemonia na opinião pública - não em matéria econômica, onde prevalecia a defesa das privatizações, mas na ética e na questão social. Sua vitória em 2002 não foi um passeio, mas se escorou na conquista da opinião pública. O PT nasceu como nosso grande partido ético. De 1981 a 2002, foi esta sua grande característica. O próprio PSDB, fundado em 1988, surgia das costelas do PMDB como um projeto ético - dos descontentes com Orestes Quércia - e a muitos parecia ser o PT palatável, o PT moderado, o PT light; unidos, esperou-se, os dois mudariam o Brasil. Isso não ocorreu.

Mas o PT aumentava seu prestígio. Um ano antes da eleição de Lula, era hegemônico na cultura política brasileira. Sua defesa da decência na vida pública, somada à proposta de justiça social, lhe davam o que Gramsci chama de hegemonia. É claro que precisou mostrar-se realista, dando garantias aos agentes econômicos; mas estava na posição de quem, mesmo perdendo, ganhava moralmente. Pois ganhava nos espíritos, mesmo que perdesse na matéria. A longo prazo, isso conta.

Lembro Al Gore: nos Estados Unidos, as causas sociais se impuseram quando se tornaram éticas - a emancipação dos escravos, o fim da segregação racial. Foi o que o PT fez com a inclusão social.

Intelectuais e políticos se esvaziaram

Hoje, vemos o movimento contrário. A ética deixou de ser o distintivo do PT. Desde a crise do mensalão, em 2005, a oposição se apossou dela. A questão hoje é: se perdeu a hegemonia, se perdeu o domínio das mentes e corações, estará o PT fadado a perder, também, as eleições? Ou as vencerá em 2014, mas só reforçando um descompasso entre a opinião e o voto? E por que perdeu este poder espiritual que, quando lhe faltavam os poderes materiais (o político, o econômico), parecia ser decididamente seu?

Há explicações para isso, mas não me importam aqui as que denunciam a ação dos partidos de oposição (que, afinal, fizeram o que uma oposição faz: oposição) ou a mídia. O que interessa é o que o PT fez para perder a hegemonia. Mas, antes, um pouco sobre essa palavra.

Marx, embora descrevesse bem o funcionamento do capitalismo (não devemos esquecer que seu maior livro se chama "O capital" - e não "socialismo" ou "revolução"), nunca detalhou como se poria fim a ele. Por vários acasos, esse papel coube a Lênin, líder de um partido secundário num país atrasado, mas que foi onde se deu a revolução. Lênin delegou a tarefa a um partido único, composto de revolucionários profissionais e organizado em torno do segredo e da hierarquia (para ser exato, do "centralismo democrático": primeiro, um debate livre; depois, a decisão em assembleia; depois disso, obediência estrita à decisão da maioria). Foi o que funcionou nos países pobres, de Estado hipertrofiado e sociedade atrofiada, em que o comunismo se impôs nas décadas que se seguiram a 1917.

Gramsci, comunista italiano, que passou seus últimos anos de vida nas cadeias de Mussolini, propôs outra via. Em países de forte sociedade civil, a conquista dos espíritos seria mais importante do que a vitória pelas armas. Essa ideia singela mas forte inspirou uma forte renovação democrática na esquerda, comunista ou não. Foi influente no Brasil. Ressalta o combate cultural, ideológico, numa sociedade democrática. Explica como o PT foi crescendo. Explica também como, em seus anos no governo, o PT se enfraqueceu. Pois hoje o PT é quase só um partido de poder, ao contrário de seu passado; se perder o poder federal, será uma pálida sombra do que já foi.

Exemplos não faltam. Depois da eleição de Lula, o PT teve dois presidentes com ideias, José Genoino e Tarso Genro; foram os únicos a perder esse cargo. Os dirigentes que estão no partido ou no Legislativo pesam menos do que quem está no Executivo. Isso porque no governo, no mundo da assinatura, você faz acontecer; já no Senado, na Câmara, no mundo da palavra, você não gera resultados imediatos tangíveis. Um político ganha ao ir para um ministério; mas, se ele for um líder, com isso perdem o partido e a opinião política. E saíram de cena os intelectuais identificados ao PT - uns porque romperam com ele, como Chico de Oliveira; outros, simplesmente, se calaram. O partido perdeu líderes, adquiriu gestores. Hoje, o discurso de defesa do governo se concentra na defesa dos programas - emergenciais - de inclusão social, como o Bolsa Família e o ProUni. Aprovo-os, mas eles, se resolvem um passado odioso, não desenham um futuro. O PT deixou de ser um partido de propostas, mesmo que estas fossem utópicas.

Poderia ser diferente. A meu ver, no capítulo da moral o PT poderia enfatizar que o grande escândalo ético brasileiro era, dez anos atrás, ter quase metade da população nas classes D e E. Deveria insistir no caráter ético das políticas contra a miséria e a própria pobreza. Não deixaria, então, o tema ético ser tomado, como aconteceu, pela oposição - que coloca em segundo plano a miséria e o que se fez contra ela, para se concentrar nas acusações de corrupção, que atravessam nossa história desde a colônia com muita retórica e pouco resultado.

Mas não é esse o combate que o PT tem travado. Basta ver o bordão do terceiro mandato petista - "País rico é país sem pobres". Admiro essa redefinição do que é riqueza, como o contrário do sonho de Miami. Mas poderia ser "país digno". Poderia ser "país ético". A riqueza, sobretudo quando medida em termos de consumo, consegue apoio somente a curto prazo - um apoio que se esvai quando se esgota o consumo. Ética, dignidade, esperança têm alcance mais longo.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.

Fonte: Valor Econômico

domingo, 28 de julho de 2013

Aladim e o gênio da garrafa (Luiz Werneck Vianna)



Sobre as jornadas de junho rios de tinta já foram derramados e outros tantos ainda vêm por aí, na busca de explicações para o levante popular de âmbito nacional que tudo e todos pôs de pernas para o ar. Nada mais justo, porque eventos dessa natureza, quando o social, desavindo com as margens institucionais que lhe conformam o hábito e orientam seu cotidiano, irrompe nas ruas com a fúria de um fenômeno natural, marcam, em geral, o fim de uma era e o começo de outra. Não se pode mais não ver: esgotou-se o ciclo da modernização "por cima" que, em ondas sempre renovadas, cada qual com um estilo adaptado às suas circunstâncias - do de Vargas dos anos 1930 ao de Lula e Dilma nos dias atuais, passando pelo de Juscelino e dos generais-presidentes do regime militar -, vem dominando a imaginação das nossas elites políticas e os objetivos que perseguem.

A longa duração de tal ciclo certamente pode ser explicada pelas características próprias da nossa formação, em que o Estado trouxe para si a tarefa de criar uma nação a partir de uma teoria política, como nas lições de Euclides da Cunha, e fez do Direito Administrativo, sob a interpretação estatólatra do influente ministro do Império visconde do Uruguai, um dos principais instrumentos para a realização dos seus propósitos. Modelar por cima uma massa tida como amorfa rumo aos ideais civilizatórios, discipliná-la e exercer sobre ela uma pedagogia cívica demandava a ação permanente do educador até que ela viesse a demonstrar estar apta a se auto-orientar.

De fato, foi sob um sistema de orientação centralizador, estatista, com o vértice do poder político dotado de um decisionismo que não conhecia freios e contrapesos, que o País transitou à sua moda para a civilização, superando as forças centrífugas que ameaçavam a sua unidade e evitando o risco maior, na avaliação de suas elites, do caudilhismo que imperava no mundo hispano-americano.

As nações, tal como os indivíduos, anotava Tocqueville nas primeiras páginas de A Democracia na América, carregam consigo as marcas de suas origens, e foram elas que ressurgiram dominantes no regime republicano, em particular na recriação do regime pela chamada Revolução de 1930, portadora do projeto de modernização do País pela indústria e pela criação de uma moderna força de trabalho. Nessa hora decisiva de mudanças sociais e econômicas, ao Estado caberia o papel estratégico de instituir as bases materiais e ideais para essa grande transformação, adotando a fórmula corporativa nas relações entre as classes sociais sob a sua tutela, ao tempo em que se instituía, como no texto da Carta de 1937, em intérprete privilegiado "do pensamento da Nação". A modernização seria filha do decisionismo político.

Mais uma vez essa modelagem, em seus traços principais, foi bem-sucedida, e seria reiterada em momentos seguintes, particularmente no regime militar, quando se completou a obra da modernização econômica com a incorporação do mundo agrário ao modo de produção especificamente capitalista. Na esteira desses processos, contudo, e a partir das profundas mudanças operadas em nossas estruturas demográficas e societais, emergiram movimentos sociais e partidos políticos que denunciaram a natureza autocrática do sistema historicamente imperante, abrindo espaço para a democratização do País.

Dentre esses novos personagens, destacaram-se o sindicalismo das fábricas metalúrgicas do ABC e o Partido dos Trabalhadores, nascido da iniciativa de suas lideranças, apresentando-se como portadores de uma nova agenda sindical e política. Partiu deles a denúncia do caráter tutelar da legislação trabalhista, que logo evoluiu para uma contundente crítica ao processo pelo qual se realizou a formação histórica brasileira, subscrevendo argumentos de pensadores como Florestan Fernandes, Sérgio Buarque de Holanda e Raymundo Faoro, que, por afinidades eletivas, concederiam suporte intelectual à fundação do novo partido.

A trajetória do PT surge, então, alinhada ao tema moderno da autonomia dos seres sociais quanto ao Estado, em clara oposição à cultura heterônoma prevalecente, mas sua ênfase nos movimentos sociais, no basismo e no assembleísmo seria responsável, nos seus primeiros tempos, por uma recusa acrítica da política, assim como sua interpretação sinistra da História do País não lhe permitiria a valorização dos seus aspectos positivos.

O caminho eleitoral foi o da sua preferência, opção que conduziu à busca de alianças políticas, às quais aderiu com maior desenvoltura quando a conquista do governo se tornou uma possibilidade tangível. Nesse movimento, a expressividade do moderno, que era sua marca identitária, aos poucos se diluiu, em especial quando se tornou governo, levando-o a absolver acriticamente a História do País, antes objeto de sua feroz condenação. O passado não seria mais uma página virada, mas uma experiência a ser retomada, e, nessa toada, Lula e seu sindicalismo se reencontraram com a era Vargas, virando as costas para o moderno e tudo de novo que emergia da vida social.

Retomam-se a ideologia do nacional-desenvolvimentismo e políticas de grandeza nacional e, no pior estilo da modernização autoritária, o moderno se alia ao atraso oligárquico não para induzir sua transformação, mas para se fundir com ele. A estatalização dos movimentos sociais desertificou a sociedade civil, deixando-lhe apenas as redes sociais, por onde a juventude e seus valores por autonomia respiram.

O itinerário das jornadas de junho, das ruas aos sítios do Congresso e do Palácio do Planalto, significa um estado de rebelião contra esse retorno. Agora que o gênio saiu da garrafa, ninguém sabe o que ele pode aprontar, e não é verdade que tenhamos à mão um Aladim capaz de negociar com ele.

Luiz Werneck Vianna, professor-pesquisador da PUC-Rio

Fonte: O Estado de S. Paulo

sábado, 27 de julho de 2013

Os democratas e as minorias (Marco Aurélio Nogueira)



Os democratas brasileiros, que integram diferentes partidos, classes sociais e correntes (liberais, petistas, tucanos, socialistas, comunistas), deveriam estar mais articulados entre si. Quem sabe, até mesmo unidos. Por vários motivos, mas sobretudo porque a sociedade ganharia muito com isso.

Se assim fosse, seria mais fácil fazer a crítica política dos governos, dar a cada um deles a devida cota de responsabilidade e ajudá-los a sair do cerco em que se encontram. Daria para avançar na reforma política e no equacionamento dos problemas estruturais que rebaixam a qualidade de vida dos brasileiros. Seria possível caminhar firme para o saneamento da República e a instalação no País de uma democracia plena, aberta à participação popular e à sociedade civil.

O Brasil está num ponto de inflexão. Se os protestos de junho disseram alguma coisa, foi isto: tudo precisa ser diferente a partir de agora. Se será, não dá para saber. Mas seria bom se pudesse ser. O País não vai bem. O discurso positivo dos governos é desmentido cotidianamente pelos fatos. Há uma sensação de urgência instalada na sociedade, ainda que não se tenha uma tragédia à vista.

Se uma crítica deve ser feita à Presidência, é a de não ter tido a ousadia de chamar as forças políticas do País para uma negociação em alto nível. Ela falou em "pactos", mas não propôs nenhuma pactuação. Defendeu a necessidade da reforma política, mas não propôs nenhuma reforma concreta. Ficou sem condições de produzir consensos, pois os detalhes de uma proposta de reforma é que podem agregar. Travou o debate, em vez de facilitá-lo. Ocorreu algo parecido com as medidas destinadas a reformar a saúde: elas têm mérito e mais acertam do que erram, mas foram propostas de cima para baixo, sem mediações. O governo pode avançar no terreno, mas terá de reformular seu discurso.

A ideia de reforma política está posta faz tempo. É um erro banalizá-la ou combatê-la. O País necessita de outro sistema político, com outras regras, outros vetos e incentivos. Os democratas não deveriam gastar energia para fazer elogios fáceis ao governo Dilma ou para criticá-lo de modo acerbo. Seu papel é anunciar as mudanças de que o País necessita. Não podem ficar em silêncio, cada qual em seu canto, assistindo à desagregação do processo político e sem contribuir para que se aproveite de forma positiva o momento excepcional em que está a sociedade.

A eleitoralização do debate - sua redução à lengalenga primitiva de PT x PSDB - é inimiga dos democratas. Para eles o melhor é que o governo Dilma seja capaz de administrar a crise. Tal como a presidente, os democratas acreditam na inteligência dos brasileiros. Por isso não aceitam que o povo seja convocado a decidir o que quer que seja sem que possa discutir. Se a intenção é fazer uma consulta popular que forneça o espírito de uma reforma democrática, o debate público é essencial. Não ocorrendo, a decisão será por palmas ou vaias, ao sabor da força sedutora de lideranças e campanhas publicitárias. Por ter inteligência, o povo quer espaços de reflexão, diálogo e debate democrático.

Uma reforma política feita com debate público e participação popular é a joia da coroa. Não se deveria estragá-la.

A articulação política dos democratas seria decisiva, também, para que se enfrentasse o problema das minorias. As maiorias avançam, fazem ouvir sua voz e se democratizam. Mas o que fazer com as minorias, como assimilá-las, respeitá-las, atendê-las, e enfrentá-las se necessário for?

As minorias são, por princípio, merecedoras de toda a justiça social. Algumas lutam por identidade e reconhecimento. Outras querem mais espaço e mais oxigênio. São como o sal da terra: estão aí para que as maiorias lembrem que desigualdades, injustiças e diferenças existem e precisam ser enfrentadas.

Mas o que fazer com as minorias do mal? Com aqueles, por exemplo, que deformam a política do confronto de ideias para estigmatizar os que pensam diferente deles, valendo-se de discursos hiperbólicos para jogar grupos contra grupos, taxando uns de "elitistas" e outros de "amigos do povo"?

Uma categoria muito pior é a dos que se agrupam para pressionar e humilhar as maiorias, ou pessoas que integram as maiorias. Orgulham-se de si próprios porque acham que é assim, com violência, que "a História avança". Não querem confluir para nenhuma maioria porque acham que as maiorias são passivas e "dóceis". Infiltram-se no meio das multidões para desmoralizá-las. Usam máscaras porque precisam de identidade, o que é paradoxal. Mascarados que batem e quebram não são progressistas. Muito menos radicais da democracia. Porque democratas radicais não agem às escondidas, na calada da noite. Não humilham nem coagem trabalhadores. Não usam da violência, nem sequer da verbal. Não usam máscaras, pois não são clandestinos de si próprios.

As minorias do mal não serão vencidas com cassetetes, balas de borracha ou prisões. O único jeito de confrontá-las é com a inteligência e a firmeza do gestual dialógico. Hoje é tempo de assimilar os que se apresentam como exterminadores vindos do futuro, mas têm raízes nas terras ancestrais da humanidade primitiva. Só a democracia pode isolá-los.


Os democratas sempre querem defender, ampliar e revitalizar a democracia. É o que os une. No Brasil isso passa pelo reconhecimento de que o sistema existente atingiu um ponto de saturação e esgotamento. Os democratas não são da situação nem da oposição. Estão nas ruas e nos palácios. Não aceitam a indigência teórica das oposições, sua mesquinhez e seu alheamento em relação às exigências da hora presente. Também não aceitam a arrogância e a paralisia propositiva do PT e do governo, sua recusa a assumir a coordenação política do País.

Os democratas estão por aí e deveriam demarcar com clareza sua presença.

* Marco Aurélio Nogueira é professor titular de Teoria Política e Diretor do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da UNESP.

Fonte: O Estado de S. Paulo

sexta-feira, 26 de julho de 2013

O que se passa com a popularidade da presidente Dilma? (Sérgio Abranches)

A popularidade da presidente Dilma Rousseff apresentou uma queda acentuada na vira de junho para julho. O Datafolha captou esta queda primeiro, com pesquisa de campo entre os dias 26 e 27 de junho. O Ibope confirmou na pesquisa para a CNI, em sondagem, cujo campo foi entre 9 e 12 de julho,. Esta queda representou uma aceleração muito forte de erosão da popularidade presidencial que as duas pesquisas já haviam registrado nas respectivas rodadas anteriores. Portanto em junho/julho, não foram duas quedas. Apenas uma, apreendida por duas pesquisas em  momentos diferentes, com duas amostras obtidas por métodos distintos. Mas será que entre o final de junho e o princípio de julho, a popularidade ficou parada?
Se usamos o método de comparação entre médias de amostras diferentes com métodos também diferentes – não transformarei esta análise em exercício estatístico – o que se pode dizer é que a média de “Ótimo/Bom” das duas é estatisticamente idêntica: Datafolha, 30%, CNI-Ibope, 31%, como está no gráfico abaixo. Mas a média de “Ruim/Péssimo”, é estatisticamente diferente. Uma diferença ligeiramente acima da margem de erro para a comparação entre populações diferentes que é maior que a das pesquisas (4,5 pontos percentuais): Datafolha, 25%; CNI-Ibope, 31%.
 Avalia
O que isto pode significar? Que, embora não tenha havido mais queda da aprovação do desempenho da presidente entre uma pesquisa e outra, pode estar havendo um incremento na desaprovação. Como explicar a igualdade na aprovação e a desigualdade na desaprovação? Pelo movimento daqueles que respondem “Regular”. Dos 23 pontos percentuais perdidos entre as duas últimas pesquisas do Datafolha (queda do “Ótimo/Bom”, de 57% para 30%, 10 pontos foram para o “Regular” e  17 pontos, para o “Ruim/Péssimo”. Na CNI-Ibope, dos 24 pontos de queda entre uma pesquisa e outra (55% para 31%), apenas 5 pontos foram para o regular e 18 foram para o “Ruim/Péssimo”.
Este aumento da rejeição aparece, também, na pergunta sobre aprovação da maneira de governar da presidente, na pesquisa CNI-Ibope, que mostra mais desaprovação do que  aprovação, como se vê no gráfico abaixo. Uma diferença de 4 pontos percentuais, acima da margem de erro da pesquisa, ou um índice líquido negativo de -4%. Na pesquisa anterior, 71% aprovavam e 45%, desaprovavam a maneira de governar da presidente.
Aprova
Há, também, pela pesquisa CNI-Ibope, mais pessoas em média que não têm confiança na presidente do que as que têm. Uma diferença de 5 pontos percentuais, ou um índice líquido de -5%. Uma reversão da situação na pesquisa anterior, quando 67% diziam confiar na presidente e 28%, diziam não confiar.
Confia
A que se deve essa erosão da popularidade, aparentemente ainda em curso? Eu continuo a achar que é a economia que explica, principalmente a queda da renda real com o aumento da inflação. O Datafolha registrou expectativas muito negativas para a inflação e a economia. Do início de março para o final de junho, aumentou de 45% para 54% a proporção de pessoas acreditando que a inflação vai subir mais. Não explica toda a queda da popularidade e perda de confiança. Mas explica uma boa parte. Mais ainda, é provável que o desconforto econômico, tenha tornado mais visíveis outras áreas de descontentamento com a presidente e seu governo. Se a tendência persistir, novas rodadas dessas pesquisas provavelmente captarão quedas adicionais, possivelmente menores, pois a economia não deve melhorar significativamente nos próximos meses.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Qual o rumo do governo? (Renato Janine Ribeiro)



Que repercussões os recentes protestos terão nas eleições de 2014? A pesquisa divulgada esta semana pela CNT mostra que Dilma Rousseff continua líder, mas com só um terço dos votos, enquanto Marina Silva garante 20%, seguindo-se Aécio Neves, com 15%, e fechando a fila com Eduardo Campos e seus 7,4%. É uma escadinha. Assim Dilma ainda pode se reeleger, com certa dificuldade, mas os tucanos ficariam fora da final pela primeira vez desde 1989. Só que tudo pode mudar.

Pode mudar, mas há parâmetros novos: Dilma tem pouco mais do que o piso petista. Os votos adicionais, que desde a campanha de 2002 permitiram uma sucessão de vitórias do PT, foram embora. Já Marina pode ter apenas um soluço de popularidade. Ela não ofende, soma em vez de agredir e seu discurso é o mais próximo das manifestações de rua. Mas seu partido é, parte por convicção, parte por fragilidade mesmo, pouco sólido para assegurar um bom desempenho em 2014 - até porque, segundo a sabedoria convencional, ele precisaria de palanques nos Estados, ou seja, como já afirmei aqui, necessita assegurar a governabilidade antes, e não depois, das eleições. Eduardo Campos bem pode desistir, porque não sei se lhe interessa concorrer para ter menos de dez por cento dos sufrágios; isso pode comprometer projetos futuros. Resta Aécio.

Neste momento, se Marina é a challenger moral de Dilma, porque une todos os atributos para propor outro rumo ao País, Aécio é seu desafiante político. Pode estar atrás dela - e isso é normal, dado o protagonismo que Marina alcançou - mas tem os governadores, prefeitos e parlamentares que escoram uma campanha eleitoral. Quando sonhos e utopias cederem lugar ao feijão e ao fator prosaico da política, os tucanos avançarão nas pesquisas. O tempo da usura e do desgaste milita em seu favor. Basta não cometer erros maiores - e já vimos que Aécio não os fará. Pode falhar, mas não errar. Explico: Serra errou, por agressividade. Aécio demorou a assumir posições, não se projetou ainda como presidenciável para valer, mas a restrição a ele não vai além do "ainda", o que, para um político jovem e cheio de vida, não constitui um problema maior.

Assim, na hora de ver quem ganhou e quem perdeu com a mudança no panorama político desde o dia seguinte ao Dia dos Namorados, dá para dizer: perderam Dilma e o PT, que podem se recuperar, mas terão que dar duro; ganha Marina, mas o que em teatro se chama um "succès d"estime", um sucesso de crítica, que não necessariamente se traduz em sucesso de público: é a vitoriosa moral; e ganham os tucanos.

Isso é curioso. Dos quatro presidenciáveis que citei, quem mais apareceu foi Marina Silva, seguida de Dilma Rousseff, que não podia se omitir quando entraram em cheque seu governo e partido. Mas o possível beneficiário político da crise é justamente - assim como Eduardo Campos - quem menos falou, porque talvez menos tivesse a dizer, sobre o clamor popular.

Agora, o que fica interessante é que tanto Marina quanto Aécio colocam a necessidade de uma nova agenda para o País, a do pós-Bolsa Família, como ele a chamou. Com efeito, os programas petistas mais populares, essa bolsa e o Pró-Uni, são medidas emergenciais contra a miséria e a injustiça social; ora, como ficará o País depois que sair da emergência? Quando as políticas - justamente - do PT tiverem levado o Brasil a uma normalidade, a uma saúde social, o que terão os candidatos a propor? Aqui me parece estar a questão quase fatal posta a cada um dos aspirantes ao Planalto.

Mesmo a falha na questão prejudica, em vez de ajudar, Dilma. Se é fato que os muito pobres e miseráveis passaram de 100 a 50 milhões no governo Lula, o problema é que as dezenas de milhões faltantes são as mais difíceis de retirar da grande pobreza. Portanto, a agenda petista não caducou. Continua sendo necessário erradicar a miséria. Mas já não está em jogo o destino de metade dos brasileiros, e sim de um quarto. Para os outros, novas agendas são necessárias. Aécio propõe a criação de novos empregos graças ao setor privado. Marina faz uso da ambiguidade da palavra "sustentável" - que nasce para tratar do verde, porém se pode aplicar a tudo, até mesmo à sustentabilidade de uma empresa no plano econômico, o que, sozinho, nada tem em comum com a ecologia - para sugerir uma revisão radical da economia e da sociedade. É a candidata, é o partido (ou Rede) mais utópico - e mais intelectualizado. Mas, enquanto isso, Dilma tem que formular sua proposta para o "day after" à pobreza, ao mesmo tempo que precisa continuar a erradicá-la. Jornada dupla de trabalho...

Para dificultar as coisas, seus antecessores deixaram marcas claras e populares. FHC concluiu a luta contra a inflação iniciada por Itamar Franco. Lula virou a política brasileira pelo avesso com a inclusão social. Mas qual é a marca de Dilma? Mesmo suas iniciativas mais fortes, como a redução na taxa de juros, trazem críticas sérias. Estamos naquele momento difícil em que qualquer movimento do cobertor mais expõe ao frio do que protege do calor. Propostas tão diferentes entre si como o plebiscito e o Mais Médicos geram efeitos negativos de tudo o que é lado. Será um problema de comunicação, como atiladamente observou Jânio de Freitas? Ou será mais fundo: de concepção? Não está claro o que o governo pretende. E a inércia das coisas, que até meados de junho favorecia a reeleição, agora a submete a um bombardeio cerrado. A boa fortuna de Dilma é que ela tem algum tempo - não muito, mas talvez o bastante, se mostrar "virtù" suficiente, para desenhar uma marca a aplicar às coisas.

Renato Janine Ribeiro, professor da USP

Fonte: Valor Econômico

Votos religiosos e políticos (José Roberto Toledo)



Em tempos de visita do papa Brasil, a pesquisa Ibope/Estadão sobre a sucessão presidencial revela como se misturam as crenças políticas e religiosas:

1) Os católicos são 60% do eleitorado nacional. Os evangélicos crescem a cada eleição e já são responsáveis por praticamente 1 a cada 4 votos. Todas as outras religiões somadas, mais os agnósticos e ateus, chegam a apenas 16% dos eleitores.

2) Dilma Rousseff (PT) vence Marina Silva (sem partido) por 32% a 19% entre católicos. No mesmo segmento, Aécio Neves (PSDB) chega a 13%, e Eduardo Campos (PSB) tem 5%.

3) Evangélica, Marina empata tecnicamente com Dilma entre os evangélicos: 28% a 29%. Campos vai a 7%, e Aécio desce a 11% nesse grupo.

4) Entre adeptos de outras religiões, ateus e agnósticos, está 26% para Dilma, contra 21% de Marina. Quase um empate técnico.

5) Dilma pode aproveitar o encontro com o papa Francisco para pedir uma bênção. Desde março, a maior queda da intenção de voto na presidente foi entre os católicos: perdeu 29 pontos.

6) Mesmo assim, o perfil do eleitorado de Dilma continua sendo mais católico do que a média: 2 em cada 3 eleitores que declaram voto na presidente seguem o catolicismo.

7) Uma das principais razões para a predominância do voto católico em Dilma é geográfica. A presidente só não caiu mais porque manteve uma força eleitoral acima da média no Nordeste, justamente a região mais católica do Brasil.

8) O maior crescimento de Marina nos últimos meses foi entre os evangélicos: ela ganhou 11 pontos entre eles.

9) O grupo dos sem-religião ou adeptos de outras religiões tem menos fé nos candidatos a presidente: 1 em cada 4 diz que vai anular ou votar em branco.

10) Não faria nada mal a Campos descolar uma indulgência do papa. Nem que fosse pelo Twitter. Ele é o presidenciável com menos católicos em seu rebanho. Só não pode exagerar na carolice para não afugentar eleitores sem religião e de outros credos, entre os quais vai melhor do que os rivais.

11) Como já ocorrera em 2010, Marina vai melhor entre evangélicos: 1 em cada 3 eleitores seus é dessa fé. Mas ela está conquistando um público mais ecumênico do que lograra conquistar há três anos. Com um eleitorado ideologicamente eclético, questões de fé são cada vez mais espinhosas para Marina.

12) A fé, mas de um outro tipo, é o que ainda mantém Dilma à frente. Ela só lidera por causa dos petistas. Tem 61% dos simpatizantes do PT, mas perde de Marina entre os militantes de outras siglas, inclusive do PMDB, e empata com a rival no maior grupo, o dos eleitores sem preferência partidária.

13) A crença no PT está em baixa, porém. Caiu a 22% do eleitorado - um vale fundo pelo qual o petismo não passava desde a crise do mensalão, oito anos atrás. Mesmo assim, segue sendo a igrejinha mais frequentada entre todos os partidos - quase 5 vezes mais do que as do PMDB e do PSDB,

Voto exclusivo. Um. dos melhores indicadores da pesquisa Ibope/Estadão é a taxa de voto exclusivo dos candidatos a presidente. Ela é calculada a partir do potencial de voto, excluindo-se da conta os eleitores que dizem que votariam com certeza em mais de um presidenciável. O que sobra é o núcleo duro do eleitorado de cada candidato. Dilma lidera, com 24% de eleitores que só votariam nela. São proporcionalmente mais velhos, menos instruídos, mais pobres, moram em pequenas cidades e se concentram no Nordeste. Marina tem 12%, Aécio tem 8%, Campos e Joaquim Barbosa têm 3% cada.

Essas taxas confirmam a maior probabilidade de um segundo turno Dilma versus Marina. Mas mostram também como o cenário é volúvel e propício a mudanças repentinas: metade dos eleitores admite, hoje, votar em mais de um candidato - ou em nenhum deles.

Fonte: O Estado de S. Paulo

sábado, 20 de julho de 2013

Criminalização dos movimentos como estratégia governamental


(Ontem, após assistir as imagens nos principais telejornais, escrevi no facebook esse pequeno comentário tentando compreender a incompreensível atuação da Polícia na repressão aos ataques de vândalos ao Palácio Anchieta. Foram 120 compartilhamentos na postagem inicial, 39 no grupo "não é por 20 centavos, é por direitos ES", perfazendo quase 200 compartilhamentos na rede. Agora, compartilho com os amigos que acompanham esse Blog). 

O que assistimos hoje como quebra-quebra durantes as manifestações, aparentemente, representa uma gigantesca incompetência da Polícia Militar do ES. 

Qualquer manual, recomenda que ao usar um tropa especial você estabeleça um cordão de isolamento, que pode ser reforçado por "anteparos" de proteção e apoio das tropas regulares e ação da polícia civil como suporte.

Essa capacidade, eles demonstraram várias vezes para proteger a área do pedágio e os bens da Rodosol.

Criaram o cordão externo de isolamento na Assembléia Legislativa e só tivemos problemas pela desproporcionalidade da ação repressiva da Polícia. 

Agora, hoje, assistimos uma coisa inacreditável: a tropa confinada no interior do Palácio enquanto os chamados "vândalos" tinham total liberdade de ação para depredar. Tiveram todo tempo necessário para subir em janelas, soltar bombas, quebrar monumentos históricos, etc e não se viu um soldado da polícia para coibir a ação.

20 a 30 homens de tropa regular teriam capacidade de coibir esses abusos, mas não foi isso que se viu.

Qualquer especialista condenaria e reprovaria a forma como atuou a Polícia.


Como eu acredito, e todos nós sabemos, a Polícia pode ser tudo mas não incompetente, só podemos creditar o equívoco do posicionamento da tropa e a omissão no processo a uma estratégia do governo no sentido de criar as condições de criminalização dos movimentos sociais.


A única interpretação possível é que o governo trabalhou conscientemente e de forma pensada no sentido de que o vandalismo se processasse livremente, símbolos caros aos capixabas fossem depredados, para tentar jogar a população contra as manifestações de rua.


Está na hora de a sociedade capixaba e os movimentos sociais colocarem em sua pauta a demissão do Senhor André Garcia da Secretaria. E que Casagrande responda por esses atos inconsequentes.

O novo atrapalha a teoria (Rosiska Darcy de Oliveira)



Cabe às autoridades identificar quem pratica atos criminosos, dizer à população quem são, impedir sua ação. Confundir os manifestantes com os baderneiros é dar ganho de causa a esses criminosos

No quebra-quebra da última quarta-feira no Leblon e em Ipanema, arruaceiros infiltrados em uma manifestação pacífica conseguiram envenená-la. Eram poucos, o estrago foi imenso. Os manifestantes são agora acusados por autoridades de serem manipulados, o que esvazia sua autenticidade e desvia o conteúdo das demandas da rua para a querela personalista. Como se as ruas nada fossem senão marionetes coadjuvantes da tragicomédia partidária. Essa acusação injusta desfigura um movimento cuja causa é nobre.

Os jovens têm o desafio e a responsabilidade de, sem ambiguidades, demarcar-se dos vândalos preservando a lição de democracia que vêm dando ao país. Violência não rima com liberdade.

É difícil entender o novo. O novo atrapalha a teoria.

Quem foi jovem em 68, com saudades de si mesmo, busca similitudes entre os manifestantes de hoje e aqueles de quase meio século atrás. Em vão. Não se é jovem duas vezes, a escultura do tempo é impiedosa. Os jovens de hoje nada têm a ver com aqueles, só a indignação.

Na efervescência em que vive o país, com partidos políticos e sindicatos agonizantes tentando um ultrapassado protagonismo, são os jovens, esses desconhecidos, que esboçam o futuro. Enquanto os partidos se aferram à tomada do poder, eles tomam a palavra e dão exemplo de exercício democrático em que o poder se distribui em múltiplas instâncias de participação.

Quem veio às ruas nesse último mês nasceu depois da queda do muro de Berlim e fez-se adulto quando aluíram as torres gêmeas. Não se define como esquerda ou direita. Não atende a convocatórias de fulano ou beltrano. São cidadãos da nação Facebook, um estado virtual sem fronteiras.

A rede é a grande revolução social que viram nascer e crescer, proeza tecnológica de que são contemporâneos onde se geram os valores de que estão imbuídos: partilha, liberdade de expressão e gratuidade. Diferentes no conteúdo, as manifestações, mundo afora, são similares na forma de organização e expressão porque emergem da cibercultura que é a cultura global contemporânea.

Pós-ideológicos, nossos jovens concentram suas exigências na liberdade, no bem viver e na condenação da corrupção. A liberdade herdada da luta de outras gerações, um patrimônio cujo valor mal avaliam; quando ameaçada, defendem.

Acusados de individualistas, vivem do compartilhamento da informação e, à sua maneira, têm uma vida em comum, posta a nu e acessível a todos, fazendo da transparência uma regra que querem válida em todos os espaços. Daí a ojeriza às zonas de sombra, à trapaça, que consideram a regra do jogo partidário.

Criados na liberdade de expressão absoluta, tocando às vezes as raias da irresponsabilidade, a irreverência juvenil encontrou na rede seu instrumento ideal, que lhes garante não só o direito de se exprimir, mas sobretudo o de ser ouvido, quiçá por milhões de interlocutores.

A gratuidade que experimentam no consumo dos bens culturais disponíveis na rede — ou o que percebem como tal, apesar de essa gratuidade ter valido ao criador do Facebook uma das maiores fortunas do mundo — se traduz na demanda radical de um mundo sem dono. Na contramão do “tudo tem seu preço”, a juventude “face” tudo disponibiliza, o que é seu e o que é dos outros, tem uma espantosa intimidade com a ideia de que tudo lhe pertence e de graça. O que exacerba sua indignação quando privada daquilo pelo que paga, ou pagam seus pais sob a forma de impostos.

São contra escolas sucateadas, a doença da saúde pública, a infelicidade feliciana e o transporte que não chega a lugar nenhum. Sua meta-demanda é o fim da corrupção. Não merecem a pecha de apolíticos. A rede não os faz individualistas, e sim autônomos e conectados. Capta e traz à tona, na palavra de cada um, tendências de opinião, cria solidariedades que se inscrevem nos seus cartazes.

Sua mobilização instantânea e geométrica provocou um curto-circuito no enferrujado motor das máquinas partidárias que entraram em pane e em pane continuam. Envelheceram no diálogo de surdos com essa população, esmagadoramente jovem, que de repente entrou em cena.

Considere-se um progresso, um retrocesso ou um progresso que contém riscos, nada muda o fato que as redes existem, são um ator político relevante, o Ágora da Pólis do século XXI.

Não há que pôr a culpa nos jovens. Cabe às autoridades identificar quem pratica atos criminosos, dizer à população quem são, impedir sua ação. Confundir os manifestantes com os baderneiros é dar ganho de causa a esses criminosos que tentam, na multidão, se confundir com eles.

Rosiska Darcy de Oliveira é escritora

Fonte: O Globo

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Manifestações do Outono Quente do Brasil em debate no IHU


Conjuntura das manifestações ocorridas em junho foram discutidas no Seminário Anual do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
Confira. 
O primeiro dia de debates do Seminário Anual do Instituto Humanitas Unisinos  IHU  encerrou-se com a discussão do Caderno IHU Ideias #VemPraRua Outono Brasileiro? Leituras.
O texto, que reúne as entrevistas realizadas no sítio IHU com os pesquisadores Luíz Werneck Vianna, Giuseppe Cocco, Rudá Ricci, Bruno Lima Rocha, Giovanni Alves e Carlos Gadea, debatido pelos professores da Unisinos e integrantes do IHU Gilberto Faggion e Marilene MairaCesar Sanson, professor de sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN; e Darli SampaioJonas Jorge da SilvaAndré Langer, integrantes do Cepat.
Confira abaixo os principais comentários de cada um dos debatedores sobre os temas estudados.
De acordo com o debatedor Gilberto Faggion, a insatisfação dos manifestantes está relacionada, na perspectiva de Werneck Vianna, a dois eixos. Um deles é de que os jovens foram se distanciando da política e dos partidos, e a outra diz respeito às mudanças da composição social do país, o que no olhar do autor do texto não está ligado diretamente à questão econômica, mas com uma visada mais transdiscilplinar.  
“O tema aqui é mais político e cultural. É um sentimento de exclusão da arena pública. A falta de participação dessa geração na política é algo que chama a atenção. Por outro lado, a busca por reconhecimento social desses grupos emergentes das classes médias é muito forte e o tema do reconhecimento é muito associado ao tema do ressentimento. As pessoas querem ser reconhecidas, querem que sua dignidade e identidade sejam respeitadas, legitimadas”, explica Vianna.
Faggion chamou atenção para o ponto em que Vianna ressalta a falta de legitimação dos partidos políticos e que, fora às redes sociais, não há nada organizado, nem clubes, nem partidos, nem mesmo a Igreja. Tal contexto gerou aquilo que o entrevistado chama de “deserto cultural”. “O fato é que estamos em um deserto cultural, político, num Saara monumental em que tudo o que era vivo foi levado para dentro do Estado, através desta cooptação política desenfreada que esse governo – que é Estado – desencadeou. E esses movimentos sociais cooptados (como ficou claro) não têm a menor condução dos processos reais”, avalia.
O segundo tema  foi o trabalho imaterial, abordado na entrevista com Giuseppe CoccoCesar Sanson foi o responsável por trazer o tema à discussão, onde pontuou dez tópicos, abarcando resumidamente dez das ideias suscitadas no texto.
A primeira delas foi “Muito mais que 20 centavos”, onde o entrevistado frisa que a problemática das manifestações suscita mais perguntas que respostas e que é preciso, por parte dos políticos e dos intelectuais, assumir a condição de fragilidade das avaliações. Em segundo lugar chamou atenção àquilo que Cocco denomina revolução 2.0, apropriando-se do discurso de uma propaganda de automóveis favoráveis à Copa, mas que gerou o slogan das manifestações #VemPraRua. Em terceiro lugar, trouxe a frase “eu me represento”, ressaltando a intempestividade das manifestações, que tiveram, na avaliação de Cocco, um olhar conservador pelos movimentos sociais.
O quarto aspecto trazido pelo debatedor foram as palavras de ordem “sem partido, sem partido”, resultantes de uma lógica de autorreprodução das siglas partidárias, mas que na avaliação do Cocco não geraram a “falência da política, mas a persistência da política”. Em quinto lugar foi levantado o tema “Da copa eu abro mão, eu quero mais dinheiro para a saúde e educação”, aspecto que teria sido subavaliado pela esquerda, que denota um sentido de esgotamento dos valores da sociedade de mercado e consumo. Em sexto lugar, os protestos contra “o machismo, o racismo e a homofobia”, tendo em conta a participação de grupos defendo tais interesses dentro das manifestações, o que comporta um desejo não apenas de igualdade, mas de reconhecimento.
O sétimo aspecto abordado na reflexão foi sintetizado na ideia “as pessoas se recusam a morrer em silêncio”, cuja justificativa principal está amparada na discussão mais de horizonte que transcende os “20 centavos”.  Em oitavo lugar, um dos principais eixos de discussão que deu origem às mobilizações de massa: “se a tarifa não baixar, o Brasil vai parar”, tendo em vista perspectivas muito contemporâneas da mobilidade urbana, sobretudo naquilo que está relacionado às metrópoles. Em penúltimo lugar, uma palavra de ordem ecoada no Rio de Janeiro: “acabou a mordomia, o Rio virou uma Turquia”, numa alusão a possíveis semelhanças das manifestações turcas. Por fim, a frase destacada pelo debatedor foi “Erro. Sistema reiniciado”, fazendo um paralelo com a proposta de Cocco, de que a terra tremeu e continua tremendo e que a rua é o espaço da resistência.
O paralelo traçado por Rudá Ricci na entrevista concedida à IHU On-line, e destacado pela debatedora Darli Sampaio, foi pensar o carnaval como metáfora à organização das manifestações. Em síntese, há pelo menos duas maneiras de pensar e analisar os conflitos: as expressões pacíficas e as violentas. Tal cenário deu a ver questões sociais importantes, como, por exemplo, o despreparo da polícia ao conflito de rua, que, segundo Ricci, não foram capazes de abalar a estrutura interna das Polícias Militares, mas que, pelo menos, criaram uma tensão.
Em uma perspectiva não só de análise, mas de proposição, Ruda Ricci sustenta o plebiscito, sugerido pela presidente Dilma depois de recuar com a proposta da constituinte, como a melhor alternativa ao momento. "É a maneira mais inteligente de a energia que está nas ruas efetivamente se expressar e orientar a reforma política". Entretanto, reitera a importância da sugestão inicial. "A questão, agora, é de construção de uma engenharia política adequada. Está em questão a composição e escolha dos constituintes. Teremos candidatos avulsos, não filiados a partidos?”, provoca.
Outra reflexão trazida ao debate por Darli, refere-se à transição entre a democracia representativa e a participativa, tendo em vista a “anacronia” dos partidos políticos na avaliação de Ricci. "Acredito que as ondas de manifestações sociais de massa do século XXI estão dando seus recados. Os partidos revelam exaustão como estruturas de representação e não estão inseridos no cotidiano dos cidadãos. São estruturas do século XIX, afinal. Fico surpreso com o tom fatalista das vozes mais conservadoras, quase religiosa, dos que afirmam que sem partidos cairíamos no fascismo ou anarquismo. Não está em questão a necessidade de mediação social, de representação, mas se a forma partidária não seria anacrônica.”
Nas discussões do quarto texto Jonas Jorge da Silva,discutiu as abordagens de Bruno Lima Rocha sobre a conjuntura das manifestações. Bruno ressalta que os movimentos populares mais clássicos – como centrais sindicais, movimentos de reforma agrária, etc – estão subordinados aos interesses do governo e deixaram de ser um campo de tensão social. Nesse sentido, há uma espécie de autoritarismo do Estado à medida que ele cumpre a tarefa de configurar a agenda social, concentrando as decisões do que é melhor ou não para a sociedade. “Há 10 anos vivemos um cogoverno de centro-esquerda, vivemos melhor no mundo do consumo, mas estamos desorganizados como povo. Setores inteiros do movimento popular estão desarticulados ou têm relações complicadas – subordinadas – para com o governo. Ao mesmo tempo, no Brasil circula muita informação que adere, desde 2000, às lutas antiglobalização”. 
No entanto, o que as manifestações mostraram, segundo a avaliação do jornalista, foi que as coletividades apresentaram uma nova perspectiva, que transcende a inclusão via capitalismo e a luta por direitos e cidadania mais aprofundados. Conforme destacou Jonas da Silva, o autor do texto considera que a pressão exercida pelas forças coletivas e a pressão do povo nas ruas são capazes de reverter decisões políticas e, além disso, capazes de gerarem novos valores à democracia. “Afirmo que, para ampliar a democracia direta e a defesa dos direitos coletivos, tal presença é fundamental. Todos os elementos apresentados: horizontalidade, identidade e independência de classe, sentido popular, democracia direta, profunda democracia interna, exercício do direito das maiorias, todas estas categorias estão presentes e constituem a ideologia anarquista em si”, diz Bruno.
O penúltimo eixo de discussão foi abordado por André Langer, que se debruçou sobre a questão do precariado, tema discutido por Giovanni Alves. Em termos conceituais, fundamentais para entender a discussão,Giovanni Alves pensa a questão do precariado a partir de duas camadas: uma delas seria o subproletariado urbano, formado por jovens adultos, qualificados tecnicamente, com inserção no “mercado de trabalho precarizado”; a outra via se refere ao subproletariado pobre, formado pela população dependente dos programas de redistribuição de renda do governo.
O debatedor chamou atenção para um fenômeno ocorrido nos últimos anos, o qual diz respeito à precarização do trabalho salarial e existencial, que, entre 2002 e 2011 sofreu uma queda de 8%. Tal cenário é completamente distinto da década de 1990, quando a baixa qualificação era a responsável pelo maior número de desempregados. “Enfim, houve mais ofertas de trabalhadores assalariados altamente escolarizados, a maior parte deles jovens recém-graduados. E muitos profissionais podem ter ingressado no nível mais elevado de escolaridade, mas com o mesmo salário, o que reduziu a média de ganho da categoria. Desse modo, o precariado possui, em si e para si, um misto de frustração de expectativas e insatisfação social e, por outro lado, carecimentos radicais que o torna susceptível de atitudes de rebeldia”, explica Giovanni.
Em relação às questões existenciais, uma das trazidas à discussão foi a precarização existencial, relacionada aos problemas cotidianos do transporte, da saúde e dos espaços públicos. O debatedor lembrou que Giovanni não vê as manifestações como uma revolta da classe média, pois não considera o precariado como classe média, e que nessa mesma esteira corre a opção equivocada de Lula e Dilma pelo reformismo fraco com foco no subproletariado pobre. “Na verdade, a frente política do neodesenvolvimentismo de Lula e Dilma focou o gasto público no subproletariado pobre (por exemplo, aumento do salário mínimo, Bolsa Família, acesso ao crédito), deixando de lado as demandas sociais reprimidas da camada média do subproletariado urbano – o precariado, imerso na dupla dimensão da precarização do trabalho: precarização salarial e precarização existencial”, avalia Alves.
Conforme salientou André Langer em sua apresentação, o entrevistado sustenta que a esquerda social-democrata perdeu o horizonte estratégico de crítica ao capitalismo e que, ao contrário, tentaram humanizar o sistema. Para concluir, o debatedor ressaltou que as ameaças à democracia, como propôs Todorov, não vêm de inimigos externos, mas internos das práticas de governo.
A última explanação foi de Marilene Maia, abordando a entrevista de Carlos Gadea. A apresentação teve como elemento estético alusivo aos protestos, o uso, ao invés de recursos eletrônicos, de cartazes de papel, ao melhor estilo #VemPraRua. O texto analisado foi publicado em abril, quando as manifestações ainda se constituíam de modo disperso, mas que continham a potência dos levantes que se intensificaram em junho. As ações e marchas contra o racismo, a homofobia e o episódio do Tatu Bola, no centro de Porto Alegre, foram alguns exemplos trazidos pelo professor Carlos Gadea ao que ele denominou de uma “reativação da sociedade”.
Marilene lembrou que na perspectiva do entrevistado as manifestações contemporâneas representam um ecletismo de valores e ideias, e que as lutas não são exatamente contra o capitalismo e o antineoliberalismo, esses últimos concorrendo como fatores acessórios às demais pautas. “O importante a ser lido está em outro lugar: esse ecletismo se desdobra em duas motivações práticas de enorme significado interpretativo acerca do que representam as atuais ações coletivas e, em particular, a mobilização dos jovens em Porto Alegre. (...) Creio não entender-se este fenômeno equivocadamente quando se percebe que estas mobilizações surgem do diagnóstico realizado por muitos do próprio esvaziamento do ‘espaço da esquerda’ na gestão da política por parte de certas instâncias de governo”, argumentaGadea.
A questão da violência como forma de revelar o conflito, segundo destacou a debatedora Marilene Maia, constitui uma mobilização paradoxal naquilo que o entrevistado entende com uma maior interconexão dos indivíduos concomitante a uma “despersonalização” e “instrumentalização da vida”. A questão da violência também foi pensada no sentido de linguagem, como destacou a debatedora ao trazer à discussão a posição de Gadea sobre a violência. “Importante deixar claro algo que a violência não pode ser entendida como simplesmente o ‘fim de uma relação’ qualquer; nesse caso, daquilo que se define a priori como 'os mobilizados' e a 'realidade instituída'. (...) Contrariamente, é quando estes se encontram no momento da sua máxima aproximação. Existem, sim, 'experiências coletivas' que podem se valer da violência para estabelecer-se uma relação de conflito. Mas é uma linguagem, e as ações coletivas, na sua estratégia e identidade, alternam linguagens variadas, próprias da experiência política e social nas que se vêm envolvidas”.