Há duas apostas na praça em relação ao significado das eleições municipais deste ano. Ambas convergem para o túnel do tempo, de volta aos anos 80. A vedação ao financiamento eleitoral por empresas de um lado, e os ecos da Lava-Jato, pelo outro, são duas estradas que levariam, cada uma à sua maneira, para um mesmo resultado: a decomposição absoluta dos cenários eleitorais, a fragmentação total, em que dezenas de partidos vencedores significarão que não haverá nenhum partido com perspectiva séria de poder, em que a competição entre diversos candidatos eliminará qualquer polarização. O eleitorado irá em busca de um "outsider" que não existe, uma alternativa ao sistema político que só vive nos delírios das redes sociais.
Nas eleições do fim dos anos 80, um traço distintivo era a rejeição ao governo Sarney. Como a Nova República representava de certo modo uma ruptura em relação ao regime anterior, os mandatários do passado, reunidos no PDS, não conseguiam sustentar uma oposição estável e nem estavam adaptados a isso. A disputa municipal tornou-se nacionalizada.
O cientista político Antonio Lavareda, muito presente em campanhas eleitorais, acredita que tal situação se repetirá este ano: 2016 irá remeter a 1988. Um mês depois que Ulysses Guimarães ergueu a nova Constituição no momento de sua promulgação, como se fosse um artilheiro levantando a Copa do Mundo, o PMDB elegeu quatro prefeitos em capitais: Salvador, Fortaleza, Teresina e Goiânia. Era o prenúncio do que aconteceria com o partido na eleição presidencial do ano seguinte. Para Lavareda, o PMDB foi punido pelo eleitorado pelo desempenho do governo federal. Hoje, o impeachment, a crise econômica e a responsabilização pelos escândalos da Lava-Jato fariam com que a fatura seja paga pelo PT e, em menor medida, pelo PMDB, com a diferença que não haveria um beneficiário claro. Não há nada equivalente ao que o PT era há 28 anos, quando Luiza Erundina em São Paulo e Olívio Dutra em Porto Alegre simbolizaram a revolta contra um sistema político fechado em si mesmo.
A outra aposta sobre as eleições deste ano diz respeito ao dinheiro para as eleições. Ele dificilmente existirá, da forma como a nova lei eleitoral tenta induzir, segundo políticos de amplo espectro, de Ricardo Young (Rede) a Andrea Matarazzo (PSD), de Fernando Henrique Cardoso a Delcídio do Amaral. Não é da cultura política brasileira, e nem os partidos estão aparelhados para ter pessoas físicas fazendo colaborações eleitorais. Nada contribui nesta direção no momento em que viceja um sentimento antipartidário poderoso.
Os muito pretensiosos pensam em um orçamento de R$ 15 milhões para uma campanha de prefeito. Os mais realistas e modestos, como o vereador paulistano Ricardo Young, falam em R$ 2 milhões. Isto mudaria a lógica da campanha: programas eleitorais de rádio e televisão novos a cada dia pertencerão ao passado. O mesmo comercial, sem mudanças, bombardeará o eleitor durante toda a campanha. A menos...
A menos que se encontre fórmula parecida a que foi encontrada no meio político nos anos 80, em que burlar a norma era uma das primeiras tarefas dos estrategistas de campanha. As primeiras eleições da redemocratização foram disputadas tendo como base dispositivos da lei orgânica dos partidos políticos ainda do tempo do regime militar.
Foi a legislação mais restritiva da história do país, a última volta de um torniquete que era apertado desde a década de 40, marco inicial do chamado "custo político" dentro do orçamento das empresas, de acordo com Sérgio Machado, réu confesso e conhecedor do cabaré dos contratos públicos.
Em 1945 foi proibido receber doações vindas do exterior. Em 1950 foram proibidos recursos de sociedades de economia mista e de concessionárias do poder público. Em 1965, quando da criação da Arena e do MDB, doações de empresas foram proscritas. Em 1971 a vedação foi reforçada, com a interdição de doações de entidades patronais e de sindicatos. Era um sistema que só funcionou enquanto a ditadura interditava eleições para diversos cargos majoritários.
A proibição era tão desmoralizada que, ao ser questionado sobre o tema em depoimento na CPI, em 1992, o tesoureiro de campanha de Collor, PC Farias, sentenciou: "estamos todos sendo hipócritas aqui". O caso Collor e a Pasta Rosa, o esquema de financiamento ilegal operado pelo extinto Banco Econômico em benefício do PFL em 1990, liquidaram com a fantasia.
Se a demanda por esquemas escusos de financiamentos de campanha aumenta, o Ministério Público está muito mais aparelhado hoje do que há 30 anos para detectar irregularidades praticamente em tempo real. É o palco armado para uma eleição intensamente judicializada.
Fonte: Valor Econômico (17/06/16)
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