quinta-feira, 1 de outubro de 2015

A Regência (Maria Cristina Fernandes)



Serão sete, mas podem chegar a oito, nove, dez. Ao definir a participação do PMDB na reconfiguração do governo, o ministro se mostrava rendido aos fatos. Já não se trata mais de arbitrar a disputa entre PT e PMDB, mas aquela instalada na federação de interesses pemedebistas da Vice-Presidência, das presidências da Câmara e do Senado, do Rio de Janeiro, de Murici, Ananindeua e Ilha de Curupu.

Parece muito poder para um partido que tem 66 votos na Câmara mas conta, de fato, com apenas 50 deles. O partido vale mais do que pesa, mas o ministro ergue o polegar unido ao indicador para mostrar que a duração do mandato presidencial está nele pendurada.

Tão importante quanto a engorda do PMDB na reforma ministerial é a troca de cadeiras na Casa Civil. A escanteada de Aloizio Mercadante para a Educação é resultado de uma joint venture do partido com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Não há ilusão de que a troca vá afastar a presidente Dilma Rousseff de seu ministro predileto. Na narrativa oficial, a mudança visa a proteger Mercadante de um destino semelhante ao de Graça Foster. Lula assuntava ontem, por telefone, as reações do ministro ao rearranjo do governo. Pela proximidade com Dilma e pelo conjunto de informações que detém, Mercadante está preservado do degredo. Ao desidratá-lo, no entanto, é do seu próprio poder que a presidente abre mão em favor da joint-venture Lula-PMDB.

A mudança, há muito desejada por um e outro, foi precipitada pela nova investida em prol de um novo partido para o ministro das Cidades, Gilberto Kassab, mas guarda suas motivações originais no avanço da Lava-jato. Avalizada pela presidente da República, a incompreendida astúcia de Mercadante tem deixado o governo sob o emparedamento pemedebista desde a eleição para a Presidência da Câmara.

O PMDB reage a quem busca atalhos para escapar de seus pedágios, mas mata no peito suas subdivisões porque é delas que tira sua força. O surgimento de outra âncora de poder na célula fluminense do partido, capitaneada pela família Picciani e pelo governador Luiz Fernando Pezão, levou à reaproximação entre Michel Temer e o presidente da Câmara. A relação passava por sobressaltos desde que Eduardo Cunha, com currículo enriquecido por uma coleção de delatores, aqueceu o mercado de chantagens da capital federal.

A despeito das pressões pemedebistas e petistas, o ministro da Justiça era mantido, até ontem, a salvo da reforma. Teme-se a sinalização, frente à opinião pública, do que poderia vir a significar a demissão de José Eduardo Cardozo numa conjuntura de fatiamento da Lava-jato, mas o avanço da operação sobre o ex-presidente pressionará cada vez mais o ministro que tem por missão constitucional garantir a independência da Polícia Federal. Um operador do PMDB desabafou esta semana a um interlocutor governista sua inconformidade com a resistência da presidente e do seu ministro em condicionar os empenhos orçamentários da Polícia Federal aos desdobramentos da operação.

Com o fatiamento da Lava-jato, o PMDB do Rio, engordado pela reforma ministerial, terá a oportunidade de mostrar o poder de convencimento do partido sobre a força-tarefa a ser montada no Estado para conduzir o naco da operação que os advogados dos réus forem capazes de arrancar de Curitiba.

As dificuldades enfrentadas ontem pelo governo para por em votação os vetos presidenciais, a despeito do compromisso com os sete ministérios para o PMDB, são uma demonstração de que o Palácio do Planalto, a exemplo da queda de braço do Banco Central com o mercado, precisa ter reservas para queimar. José Eduardo Cardozo é um dos mais volumosos lotes de letras do Tesouro que a presidente pode vir a dispor nos leilões com o PMDB.

Para aumentar o naco dos pemedebistas e manter o compromisso de reduzir dez pastas, no entanto, a Controladoria-Geral da União deverá perder o status de ministério, abreviando os poderes da instituição que conduziu uma das mais exitosas iniciativas da era petista, a Lei de Acesso à Informação.

A nova configuração ministerial manterá intocado o titular da Fazenda, Joaquim Levy. O desafio irônico dirigido pelo ministro a Temer, no momento em que este exercia a Presidência da República e duvidou da aprovação da CPMF - "Ótimo, então ele quer a reforma da Previdência" - demonstra que o ministro ainda custa a se posicionar no novo concerto de forças entre Lula e o PMDB.

O senador Ricardo Ferraço (ES), dissidente pemedebista, compilou 64 operações de crédito do gênero autorizadas pela Fazenda no primeiro governo Dilma Rousseff que somaram R$ 30 bilhões. Como a capacidade de pagamento desses Estados e municípios agravada pela recessão, a conta corre o risco de ser federalizada, procedimento contra o qual Levy se insurgiu desde seu primeiro dia no cargo. Para conseguir receitas extras, o ministro será obrigado a concordar com novas despesas e fechar os olhos a pedaladas como o aval a empréstimos a Estados e municípios sem condições fiscais para honrá-los.

Buscava-se ontem no Palácio do Planalto a narrativa para o novo momento do governo. O mais próximo a que se chegou disso foi a formatação de um governo em busca da paz política para retomar a estabilidade da economia.

O governo contava com uma reforma ministerial que sinalizasse enxugamento para tentar reconquistar uma fatia da opinião pública. O esboço por ora é de um PMDB obeso num governo cada vez mais esquálido sob a regência do partido e a tutela de Lula. O adiamento da votação dos vetos presidenciais mostrou que a paz ainda custará a ser alcançada.

Duzentos anos depois, o Brasil está prestes a reeditar uma Regência invertida. É para poder entregar o poder daqui a três anos que a presidente da República se deixa tutelar.

Emparedado pela disputa entre as províncias e sua Corte, Pedro I abdicou em favor de seu filho de cinco anos. O período que se seguiu até que Pedro II chegasse à maioridade, foi marcado por crises financeiras, rebeliões populares e um permanente desafio das províncias à autoridade do poder central. Ao fim dos nove anos da Regência, Pedro II foi sagrado imperador. Seu tutor, José Bonifácio, acabaria preso pelos regentes.

Fonte: Valor Econômico (01/10/15)

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