Pesquisa recente do Ibope sobre a confiança dos brasileiros em instituições democráticas mostrou que partidos são as instituições mais desacreditadas pela população. Mais de 80% dos entrevistados afirmaram não confiar em partidos. O índice repete o que minhas pesquisas de 2006 e 2014 mostraram: a desconfiança chegou a 81% e 84%, respectivamente. E perguntados se a democracia pode funcionar sem partidos, mais de 30% responderam que sim em 2006, mas o porcentual subiu para 45% em 2014. Quase metade da população brasileira parece estar deixando de ver os partidos como essenciais ao regime democrático.
O problema ganhou as ruas nos protestos de 2013. Grande parte dos manifestantes repudiou a participação de partidos ou rejeitou o seu papel de representação. Não foi suficiente, contudo, para levar os líderes partidários a enfrentar a situação. E a Operação Lava Jato está revelando aspectos mais complexos e profundos do problema: não é só o caixa 2 das campanhas eleitorais, mas a existência de um poderoso esquema de desvio de recursos para partidos, dirigentes de empresas estatais e personagens emblemáticas como o ex-ministro José Dirceu, do PT. Ou seja, mesmo partidos de esquerda abandonaram a res publica como objetivo da democracia.
Alguns analistas sustentam que como ocorreu na Itália com a Democracia Cristã, o Partido Socialista Italiano e o Partido Liberal, em consequência da Operação Mãos Limpas – que nos anos 1990 lançou luz sobre a gigantesca rede de corrupção que dominava a vida política e econômica daquele país –, o sistema partidário brasileiro também pode colapsar. A hipótese traduz avaliação negativa sobre a mais importante operação de enfrentamento da corrupção realizada no Brasil e prenuncia efeitos devastadores para o sistema político; no fundo, questiona se a Operação Lava Jato deve continuar, sem admitir que o abuso de poder dos partidos de governo compromete a qualidade da democracia.
Os partidos vivem o seu pior momento desde o fim do processo de democratização. Após mobilizar corações e mentes para o resgate da dignidade da política, o PT traiu seus princípios, aceitou a cultura dos malfeitos e, sem conseguir se explicar, perde a confiança de eleitores e militantes. Opondo-se a parte das políticas de ajuste do seu próprio governo, disputa posições de poder com seu principal aliado, mas sofre sucessivas derrotas no Congresso Nacional sem que o PMDB abra mão de cargos no governo. A síndrome afeta toda a base aliada, que, sem coerência programática e de costas para a sociedade, busca benefícios sem dar contrapartida.
A oposição tampouco está melhor. PSDB, PPS e DEM, sem definir rumos claros, oscilam entre o impeachment de Dilma, eleições fora de regras constitucionais e apoio a aumentos de gastos públicos que contrariam suas posições programáticas. Os sinais são confusos, não oferecem alternativas e indicam irracionalidade no enfrentamento da crise.
O sistema partidário brasileiro tem algo de paradoxal: além de sua perturbadora fragmentação e da constante troca de legendas por parlamentares, os partidos são chamados a garantir a governabilidade do País no Congresso, mas dão pouca ou nenhuma importância à sua conexão com os eleitores, que desconfiam deles, não têm preferência partidária e não querem filiar-se. O que conta não é o que os partidos significam para a sociedade, mas como seus arranjos facilitam que os dirigentes – que em muitos casos se perpetuam na direção das legendas – conquistem ou mantenham posições de poder.
Mas posições de poder para quê? A explicação está faltando para os eleitores e para a sociedade. Alguns acham que o quadro é normal, partidos existem para conquistar o poder e, se o conseguem, importa pouco se sinalizam ou não algo de substantivo para os eleitores. É uma opção pragmática, autojustificada, que contamina todo o espectro partidário – já tomou conta do PT, confirma o que faz o PMDB e avança entre partidos de oposição. Mas segundo Tarso Genro, ex-governador gaúcho, no caso do PT o ciclo está se encerrando; para Frei Betto, amigo de Lula, a busca pura e simples do poder condenou o PT; e para o filósofo José Arthur Giannotti, simpatizante do PSDB, para além de viabilizar as carreiras políticas individuais de seus líderes, o PSDB precisa provar que tem coerência com o seu programa social-democrata.
Os partidos têm, portanto, problemas que ultrapassam as distorções reveladas pela Lava Jato. Como ocorreu na Itália dos anos 1990, não será a fragilização ou a eliminação de regras e procedimentos de fiscalização e de controle que os salvará. Partidos têm o monopólio da representação dos cidadãos e, por isso, se o contingente de eleitores que os desqualifica cresce, algo está errado. Representar significa “estar no lugar de” e para isso os representantes precisam ouvir, comunicar-se e constituir-se em referência para as escolhas dos eleitores.
Evitar o colapso dos partidos só depende da capacidade de seus líderes de reconhecer a natureza da crise e reagir antes que seja tarde demais. Eles precisam dizer com clareza como pretendem reconquistar a confiança dos eleitores e explicar, por exemplo, por que os partidos não consultam filiados e simpatizantes para a escolha de candidatos e programas. Precisam, sobretudo, assumir claro compromisso anticorrupção para recuperar os valores republicanos.
Mas é ilusório pensar que isso vale só para o PT e a situação, a oposição também precisa comprometer-se com o aprofundamento da democracia brasileira. E a solução não está em impedir a continuação da Lava Jato, mas em apoiá-la.
(*) Diretor do núcleo de pesquisa de políticas públicas da USP, editor do site qualidade da democracia, é autor do livro ‘Desconfiança política e seus impactos na qualidade da democracia’ (EDUSP, 2003)
fonte: O Estado de São Paulo (24/08/15)
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