domingo, 9 de agosto de 2015

Cientistas políticos discutem saídas para a crise

A prisão de José Dirceu feriu o PT. Com novas delações, a Polícia Federal se aproxima de Lula e do Planalto. A provável denúncia à Justiça do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, deixará o ambiente ainda mais tumultuado no Congresso. Desde que foi acusado, Cunha patrocinou a votação da chamada “pauta-bomba”, conjunto de medidas que ameaça desfigurar o ajuste fiscal e aprofundar a crise econômica que o país atravessa. A crise se acentuou, com dados que mostram piora no emprego, renda e inflação, afetando o poder de compra. O país corre o risco de perder o grau de investimento, o que provocaria fuga de investidores e aprofundaria a crise. Para piorar, o TCU julgará as contas de Dilma de 2014 e a tendência é a rejeição em razão das chamadas “pedaladas fiscais”, quando o governo melhora artificialmente as contas. As contas serão votadas no Congresso, o que pode dar argumento para o impeachment.

Insatisfeitos com o governo, PDT e PTB, que somam 44 deputados, anunciaram o desembarque da base aliada na Câmara. Sem eles, a sustentação política fica ameaçada, e o governo tende a sofrer mais derrotas. Rompido com o governo, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, arquivou quatro pedidos de impeachment apresentados na Casa contra a presidente Dilma Rousseff. Agora, nove pedidos estão na Câmara. No dia 15 de março, houve manifestação contra o governo Dilma. No dia 12 de abril, a adesão foi menor. Agora, os grupos críticos à gestão petista convocam novo protesto para este mês. O governo e o PT sofrem com panelaços e o Datafolha mostrou que Dilma tem 71% de reprovação. Diante da crise política e econômica que assola o governo, O GLOBO ouviu seis cientistas políticos que discutiram saídas para o momento conturbado que vive o país.

Veja, abaixo, o diagnóstico de cada especialista:

Roberto Romano, cientista político da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp):

— A saída é a saída de emergência. Com o atual nível de popularidade da presidente Dilma Rousseff (71% da população desaprovam o governo, segundo a última pesquisa do Instituto Datafolha), não há engenharia política que possa resolver este problema. A saída seria um pacto político de todos os partidos representados no Congresso Nacional com a sociedade, no sentido de garantir o funcionamento normal das instituições. Fora esse pacto de governabilidade, não vejo o que fazer. Tudo indica que estamos caminhando para um processo de impeachment da presidente Dilma, mas isso não é uma saída. O impeachment trará divisões gravíssimas na sociedade brasileira e não garantirá o próximo governo, possivelmente liderado por Michel Temer. Não seria uma situação diferente da de hoje. E o Temer representa só uma parcela do PMDB, sobretudo o PMDB paulista. A pauta que se instalou no Congresso Nacional vai continuar em curso, dada a fraqueza da economia atual e também a fraqueza da União. Um presidente que assuma sem ter sido eleito (como cabeça de chapa), nessas condições, pode piorar, e muito, a crise atual. A situação ficaria ainda mais grave.

Francisco de Azevedo, cientista político da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar):

— O governo está totalmente encurralado no Congresso, com baixa popularidade e com a base partidária completamente esgarçada. Uma das possíveis saídas seria reunificar a base no Congresso Nacional, ainda que isso resulte em ter a minoria na Casa. A crise é muito ampla e extrapola as possibilidades de reação do Executivo, envolve várias forças políticas. À esta altura, é impraticável a proposta de diálogo nacional, nos termos que tentou sugerir o governo, porque a possibilidade de diálogo com a oposição está totalmente inviabilizada. Talvez o caminho passe pelas forças políticas, independentemente do governo, para assegurar a governabilidade. É mais nesse sentido do que na ideia de a oposição sustentar o governo, depois de um acordo, através de pauta comum. É uma crise complicada, que vai demandar muita conversa no intuito de assegurar a governabilidade, de impedir que se extrapole a crise política e tenhamos uma crise institucional. Isso seria muito mais grave. A saída passa pelo Legislativo, não pelo Executivo, que está emparedado e totalmente sem capacidade de tomar iniciativas políticas.

Paulo Baía, cientista político da UFRJ:

“Tem de haver disposição de todos os setores para conversar. A fala de (Michel) Temer ontem (anteontem), pedindo união, foi muito prudente e muito lúcida. É preciso prudência, porque tudo que não queremos é que a crise política se torne uma crise institucional, senão é mudar a crise de patamar e colocar a democracia em risco. O Legislativo tem tido um ativismo belicoso em relação aos outros Poderes. Quando as bancadas não obedecem mais a seus líderes (na Câmara), você pode esperar qualquer coisa. Mas o Senado tem tido um papel de poder moderador: recebe as polêmicas da Câmara, guarda e esfria. Tem de haver essa disposição para conversar, senão fica todo mundo falando, e ninguém escuta ninguém, que é o que está acontecendo hoje. E com um elemento a mais: fora dos Poderes, há grupos na sociedade que têm tido função importante, têm sido microlideranças pelas redes sociais, na organização de manifestações. Esses grupos e a sociedade também precisam ser escutados e ter diálogo. E escutados em todos os seus desejos: na área econômica, por exemplo, o governo precisa tomar medidas que mostrem que está ouvindo também nessa área, como diminuir o tamanho (da máquina) do governo, um dos pontos que têm sido mais criticados.

Ricardo Ismael, cientista político da PUC-Rio:

— O problema vem desde o início do ano, quando o governo lançou outro candidato à presidência da Câmara, contra (Eduardo) Cunha; a partir disso, só evoluiu. Ontem (anteontem), na votação da PEC 443 na Câmara, viu-se que não há mais controle da base. A questão nem é a pessoa na articulação política, mas como o modelo funciona. O governo Dilma toma decisões num grupo fechado, ensimesmado, formado ali pelo (ministro Aloizio) Mercadante, pelo (ministro Miguel) Rossetto... É preciso chamar a base também para decidir. Os deputados se sentem apenas cobrados, mas não se sentem participando das decisões. Eles têm o ônus, sem o bônus. É um problema de origem: o PT tem aliados, mas não quer se misturar a eles. Por que (Eduardo) Cunha não fica isolado? Porque o que expressa em relação ao governo é compartilhado por outros. Agora, para o governo sair da crise, precisa também buscar apoio na sociedade, e, para isso, precisa assumir sua responsabilidade. Até agora, o que fala é que fez tudo certo; a crise internacional e a Lava-Jato é que afetaram a economia. Tem de explicar melhor, senão mina a confiança da população. O problema não são as pessoas que não votaram na Dilma, mas as que votaram e acreditaram nela.

Fábio Wanderley Reis, cientista político e professor emérito da UFMG:

— Na verdade, a crise vai se consolidando. Havia uma expectativa de que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, tomasse algumas medidas, elas estão acontecendo agora, como podemos observar. A tendência é a crise se agravar e se atualizar. Há motivos reais para preocupação, não vejo truque capaz de resolvê-la. O que vejo de positivo é uma manifestação mais conciliadora, ainda que com reservas, por parte do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Lula acenou com uma conversa, que bem ou mal, apesar da reserva, Fernando Henrique respondeu positivamente. É fundamental conversar com ele para descapitalizar a crise. A materialização do ódio que resultou da última eleição é muito negativa para o país. Uma boa parcela do PSDB está agindo de maneira totalmente irresponsável e oportunista. Hoje, não acredito que haja base jurídica para o início de um processo de impeachment contra a presidente da República. Mas sabemos que existe um pedido da oposição em análise pelo Congresso, que conta com o apoio da base aliada do governo, que é uma base de araque. É possível que se acabe encontrando um tecnicismo jurídico que justifique isso. O resultado seria catastrófico para o país.

Emil Sobottka, professor de Ciência Política da PUC-RS:

— O mais viável agora para o governo é fazer a combinação de dois elementos. O primeiro é que acho que ele não escapa de uma reforma ministerial. Precisa abrir para outros nomes, isso se ainda encontrar gente que aceite ser governo neste momento. O outro elemento é negociar emendas parlamentares com os aliados. Essa combinação não é o ideal; o ideal seria reformar o que está na estrutura dos problemas ligados à corrupção, como o financiamento dos partidos, uma gestão profissional das estatais... Mas isso, neste momento, não é nem um pouco viável. Se o governo conseguir negociar ministérios e emendas, acredito que é possível uma saída. As ameaças de impeachment devem perder força: pelo lado do TCU (que analisa as contas de governo de Dilma), a tradição tem sido aprovar, no máximo, com ressalvas, e não reprovar; pelo lado das contas de campanha de Dilma (que podem ter recebido dinheiro de propina, segundo as denúncias na Lava-Jato), reprovar essas contas é um risco elevadíssimo para os outros partidos assumirem, podem ser atingidos também. E os problemas vindos de (Eduardo) Cunha também tendem a amenizar: com as denúncias contra ele, quem estava a seu lado para atacar o governo passa a se afastar; não vai querer ter a imagem contaminada pelas acusações.

Fonte: Alessandra Duarte, Thiago Herdy e Julianna Granjeia (O Globo - 07/08/15)

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