Desde a morte trágica do ex-governador Eduardo Campos (PSB) e sua substituição pela ex-senadora Marina Silva (PSB), a presidente Dilma Rousseff (PT), candidata à reeleição, está em órbita. Precisa pôr os pés no chão, rapidamente, mas corre o risco de ficar perdida no espaço. É na volta à atmosfera terrestre que mora o perigo.
Nos voos espaciais, uma nave gira ao redor da Terra a 26 mil km/h. Na hora da reentrada, freia para mudar a trajetória em relação à órbita e cair devagar. O sucesso da manobra depende da altitude, da posição e, principalmente, do ângulo em relação à Terra. É uma situação de vida ou morte: se for maior que 3 graus, a espaçonave cai em alta velocidade e pega fogo.
A maioria das espaçonaves entra com o bico para a frente, mas a candidatura de Dilma Rousseff, com a coalizão de partidos governistas, é semelhante a um ônibus especial: tem que entrar de barriga, para aumentar a força de atrito e diminuir a velocidade. É uma operação que faz subir a temperatura e necessita de revestimento especial para a tripulação não ser carbonizada. As condições climáticas são outro problema: qualquer borrasca pode ser fatal.
A campanha à reeleição de Dilma foi minuciosamente planejada para operar num cenário idealizado, no qual a relação entre tempo político — o passado versus o presente — e espaço social — os pobres contra os ricos — obedecia a lógica fácil do “nós contra eles”. Deu tudo errado: a vida real já não permite essa simplificação maniqueísta.
É por isso que o ônibus espacial governista corre risco de ficar perdido na volta à terra firme, ricocheteando na atmosfera, como uma pedra chata que foi atirada ao lago. Como a água, a atmosfera é um fluido gasoso, tal qual o ambiente político que emergiu após o desastre aéreo que tirou Eduardo Campos da disputa.
O debate
Assim, o que parecia líquido e certo para os governistas se esvaneceu no ar. Pesquisas dirão nesta semana qual foi o impacto real da entrada em cena de Marina no processo eleitoral, considerando-se a primeira semana de horário eleitoral gratuito. A candidata do PSB passou por uma crise no partido, que ainda está digerindo a troca de candidatos. As eleições ganharam mais emoção e, também, uma discussão de conteúdo nova.
Hoje teremos uma mostra da complexidade deste novo cenário, com a divulgação das primeiras pesquisas. Vamos ver também os potenciais de desconstrução de imagens e afirmação de identidades dos candidatos no debate da TV Bandeirantes, no qual, pela primeira vez, estarão frente a frente Dilma, Aécio, Marina e Pastor Everaldo (PSC).
Desde o domingo, Dilma Rousseff passa recibo de que Marina Silva a incomoda, e muito, embora o programa eleitoral da petista na tevê tenha sido destinado a atacar o tucano Aécio Neves e o governo de Fernando Henrique Cardoso. Sem muito o que mostrar diante da estagnação da economia, essa era a muleta para Dilma alavancar a candidatura nos indicadores do governo Lula. A estratégia vinha dando resultados enquanto a eleição estava polarizada. Agora, foi para o espaço.
A equipe de campanha governista está como os tripulantes de uma espaçonave que tentam contato com o centro de controle de voo para saber como e quando proceder para voltar à Terra. Tanto Marina Silva quanto Aécio Neves focam os discursos nos maus resultados da administração de Dilma, cuja imagem de gerentona do PAC está sendo desconstruída e precisaria ser reforçada, mas não tem resultados econômicos e administrativos suficientes para isso.
Além disso, o sistema de alianças construído a partir do “presidencialismo de coalizão” neutraliza o discurso de mudança da presidente da República. É um sistema de forças essencialmente conservador, no qual o PT não tem força eleitoral suficiente para romper a inércia, quando nada por causa dos desgaste sofridos com o processo do mensalão e outros escândalos, o mais recente, envolvendo a Petrobras, um ícone nacional. Ou seja, a campanha de Dilma precisa fazer uma arriscada e dramática mudança de curso.
Fonte: Correio Braziliense (26/08/14)
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