sexta-feira, 23 de maio de 2014

Como as Batalhas do Jogo da Sucessão e as questões da Agenda Pública modificam o “Jeito Capixaba de fazer Política” - Parte II - (José Roberto Bonifácio)


Cientista Político, Professor, Palestrante, Consultor e Pesquisador
Formação pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ)
Docente e Pesquisado

(Parte II)
No tocante à máxima Nº 1 do decálogo mineiro, contrastivamente, o “jeito de fazer política capixaba” a forma e o conteúdo tem pesos distintos para diferentes públicos e situações. De todo modo, o político capixaba alterna entre o comportamento “mineiro” e o comportamento “paulista” neste quesito a depender do jogo que está sendo jogado. Usualmente, nas sucessões abandona-se a delicadeza e a sutileza que caracteriza o periodo “inter-eleitoral” do exercício dos mandatos – aqui prevalece o que os especialistas em Teoria dos Jogos chamam “jogo de segurança mutua”. Aqui somos mais mineiros do que paulistas, nas fases sucessórias tendemos a ser mais paulistas do que mineiros – ainda que este traço tenha prevalecido na historia política do ES durante a Nova República ao menos, haja vista os sucessivos “golpes de convenção partidária” que a pontuam. 

Ao contrário do paulista (máxima Nº 5 do decálogo de Ricci), o capixaba é maquiaveliano. Ainda que a sociedade seja marcadamente machista, o jeito de fazer política capixaba não é masculinizado e os políticos capixabas explicitam – intencionalmente ou não – suas fraquezas ou debilidades, hesitações e vacilações. Hartung foi um mestre neste quesito e Casagrande não faz diferente. Ao menos até agora, momento em que busca escamotear sua propria agressividade e colocar-se como vítima das maquinações do PT e do PSDB. “A arte de governar é a da humildade!” pontifica o próprio governador justificando o apoio recebido. O jeito de fazer política, com a atual sucessão estadual, se masculinizou e assumiu caracteres “paulistas“. Porém tal se deu mais como decorrência de estratégias mal-selecionadas pelos contendores, do que por decisões certeiras e bem-pensadas neste sentido. Como dito em outro artigo, as consequências de tais escolhas esperam logo ali…

Quanto à máxima Nº 6 do decálogo paulista, temos que o jeito político capixaba é pautado não pelo estresse ou ansiedade mas por aquilo que poderíamos chamar de um estado de calmaria calculada, dissimulando o estresse. Mesmo na ausência de todos os traços que caracterizam seu congênere paulista, o político capixaba experimenta uma taxa de estresse, ainda que moderada. Casagrande tem se notabilizado muito neste aspecto, assim como alguns dos seus antecessores. No circulo dos seus  atribui-se lhe uma frase que sintetiza bem esta máxima: “Na politica não ha espaço para mágoas, apenas para indicadores de gestão!” Políticos capixabas habitualmente não exibem olheiras, mas a calva fica bem à mostra na medida em que os anos do mandato (sobretudo o segundo) se passam.

Como visto pelos sucessivos golpes de convenção partidária na historia política estadual, o capixaba não tem a disponibilidade total para a guerra que caracteriza o político paulista (Máxima 4 do decálogo paulista). Pode-se dizer que, enquanto este pode ter seu padrão de interação política tipificado num jogo da galinha, o primeiro caracteriza o seu como um jogo de segurança mútua. Ambos por certo temem a derrota, mas o capixaba teme mais ainda a  humilhação de ser excluído ou marginalizado do poder e suas benesses. Todos querem fazer parte do time vencedor e não tem incentivos para mudá-lo a menos que realidades exógenas (crise internacional, crise nacional etc) interfiram.

Tal circunstancia nos remete à máxima Nº 6 do decálogo mineiro: quanto à política concreta, de certo modo, no ES se dá frequentemente o uso de “operadores políticos“. Contudo, a especificidade com respeito ao jeito mineiro é que o recurso à terceirização dos ataques e das batalhas políticas de um modo ubíquo e persistente. “O governador foi traído!” brada um dos prefeitos que juraram lealdade ao Palácio Anchieta, racionalizando o discurso do governador no sentido de deixar de ser “neutro” em face do projeto presidencial de seu próprio partido. Isto não é um tema inédito na política capixaba. Algo similar ocorreu com partidários de Hartung no limiar da década passada quando execraram o ex-governador José Ignácio Ferreira (PSDB), os ex-prefeitos e vereadores que participaram do golpe que lhe foi aplicado na famosa convenção tucana de 1998. Se nesta semana o numero de apoiadores atingiu 70 prefeitos e uma centena de vereadores aquelas lições históricas longevas continuam vivas no presente. Ou, como bem analisa o jornalista Mauricio Reis de Souza o que se soma à candidatura Casagrande não é apenas o prestigio dos gestores locais mas também seu eventual descrédito ou impopularidade.

No entanto, diferentemente do paulista (máxima Nº 7) o político capixaba é habitualmente afável e polido – salvo raras exceções – mas combina isto com doses variáveis de racionalidade que são atribuíveis às diversas situações e públicos enfrentados. Por motivos que analisaremos mais adiante ansiedade parece ter predominado sobre a racionalidade nas decisões mais recentes de Casagrande de suspender o pedágio da Terceira Ponte e depois de propor emenda constitucional que concede a gratuidade a idosos no transporte coletivo, dentre outras medidas intensivas em benefícios distributivos.

Assim como no jeito mineiro, no jeito capixaba se sabe claramente que “partido político é um detalhe”. Mas na política capixaba nem todos são “amigos”. Ademais, ao contrario do jeito mineiro, no ES a vocalidade é que predomina sobre o silencio. Mas a eloquência do silencio se faz sentir sobretudo nos momentos em que as forças políticas se acham em uma circunstancia de estratégia dominada, ou ainda se joga um jogo de segurança mutua. Costuma-se, ao contrário do jeito mineiro, responder automaticamente aos críticos e detratores, mas apenas sob condições favoráveis.

Ainda comparativamente ao paulista (máxima Nº 8) o político capixaba não é impessoal como ele. Muito pelo contrário: usa com frequência do humor, das piadas e tiradas futebolísticas até. Usa de delicadeza em boa parte dos episódios. Casagrande, ao contrário de Hartung (de estilo mais “paulista”) identifica-se pessoalmente e afetivamente com as populações rurais e direciona boa parte dos seus discursos a este público-alvo (por vezes até exageradamente). Nem sempre a racionalidade opera adequadamente, a memória falha ao passo em que a capacidade de previsão e o uso do tempo nem sempre são otimizados. Este aspecto ficou inalterado no atual jogo sucessório, ainda que nem todos tenham motivos para sorrir neste momento e alguns talvez não tenham no futuro que se avizinha.

Isto nos leva a tecer comparações em termos de representatividade política (máxima Nº 7 do decálogo mineiro). No jeito de fazer política capixaba cultivam-se boas relações com o Catolicismo mas isto mudou drasticamente com o crescimento dos evangélicos (Magno Malta à frente). Maçons são valorizados mas pouco visíveis. Ampliando este quesito de Ricci temos que judeus não tem a significância que tem em São Paulo ou Rio de Janeiro, assim como espíritas. Comparativamente aos congêneres paulista e mineiro o futebol tem apelo muito escasso no jeito de fazer política capixaba pois quase todos torcem para times do RJ, MG ou SP. Não há entre os capixabas ou paulistas quem diga “Eu sou Flamengo na cabeça, Vasco no coração, Botafogo na ponta da língua e Fluminense na ponta dos pés”, na expressão do ex-prefeito carioca Luiz Paulo Conde. Em contrapartida aqui valorizam-se boas relações com a classe empresarial e com órgãos de assessoramento técnico federal e internacional.

 Neste último aspecto, se o político mineiro valoriza a “tradição da cultura do planejamento” enquanto um dos pilares de sua cultura política, também o seu congênere capixaba o faz. Se os mineiros tiveram o governo Milton Campos (1946-1950) , os capixabas tiveram o de Jones dos Santos Neves, inaugurando uma longa era de intervenção governamental na economia regional. A até hoje tal agenda desenvolvimentista é perseguida, com diferentes vetores e ênfases, pelos principais aspirantes ao poder político regional, seja Paulo Hartung (com a “Agenda ES 2035″) ou Renato Casagrande (com os programas de “interiorização do desenvolvimento”). Contudo, a tradição parece bipartida ou polarizada entre os que revalorizam a vocação agrária (como Casagrande e a esquerda) e os que se mostram “industrialistas” convictos (como Hartung e a centro-direita). As campanhas publicitárias e o marketing político-eleitoral exalam estes temas, como ficou bem evidenciado na famosa carta enviada pelo ex-governador a seu partido algumas semanas atrás, a qual incendiou o universo político.

Finalizando o quesito da representatividade tem-se que a mesma alegação de distanciamento dos “grupos organizados” que fez com que Casagrande decidisse suspender o pedágio da Terceira Ponte agora vitima as categorias do funcionalismo público, especialmente o docente. Neste aspecto, pode-se dizer que Paulo Hartung se afigura mais “mineiro” e Casagrande – outrora um engenheiro florestal formado pela Universidade Federal de Viçosa (MG) – se torna mais “paulista”, dada a contundência e a rispidez de suas declarações contra os protestos.

Entretanto, em decorrência do crescimento dos evangélicos o apoio dos católicos voltou a ser valorizado e slogans do tipo “católico vota em católico” se tornaram audíveis.

 Aliás, o quesito “relação entre tradição e modernidades“, o “capixabismo” enquanto equivalente da baianidade, da mineiridade e outras personalidades-tipo do processo político brasileiro, somente começa a ganhar espaço lentamente e como decorrência dos sentimentos de alienação e exclusão anteriormente discorridos. O capixabismo não tem, contudo, a bipartição ou hibridismo que Ricci atribui à mineiridade-mineirice. É amorfo, low profile por opção deliberada.

 Comparativamente à máxima Nº 9 do decálogo político paulista, o político capixaba não corre contra o tempo. Assim como a “compressão de espaço e tempo” não nos afetou inteiramente também  não nos afeta a meta do sucesso, e correspondentemente a pressão da ansiedade de status. O episódio das tarifas de ônibus assim como a do pedágio da Terceira Ponte são reveladoras acerca disto. Casagrande buscou ganhar tempo e a evitar o estresse decorrente de tais situações. Quando decidiu teve sucesso variável nas consequências das duas crises, ainda que as consequências das mesmas não tenham ainda explicitado a relação custo-beneficio claramente. O mesmo fez Hartung a seu turno nas principais questões que enfrentou como demonstrado pelas manifestações estudantis do primeiro e segundo mandatos, o jogo sucessório que redundou no chamado “Abril sangrento” de 2010.

 Por fim, o político capixaba é performático porém num sentido diverso do paulista (máxima Nº 10). Somente faz ou diz em público aquilo que o interessa e esconde todo o restante. O politico capixaba contém seus instintos agressivos e, por mais que goste da vitória mais teme a derrota. E esta ambiguidade de sentimentos o faz ser pouco competitivo ou medíocre, quando deveria ter sido arrojado. Casagrande rompe com este traço paradigmático, ao transformar o anterior jogo de segurança mutua num jogo do galinha, a partir do momento em que Hartung e Coser buscavam operar num dilema do prisioneiro, desmantelando o sistema de garantias mútuas decorrentes do “chapão” vitorioso de 2010. Comparativamente à máxima Nº 2 do decálogo político mineiro de Ricci, no “jeito capixaba de fazer política” o denuncismo é público e o político capixaba não desconfia do denunciante mesmo quando são explícitos seus interesses pessoais. Mas ainda assim o denuncismo somente é selecionado como estratégia em momentos onde se acham presentes incentivos à deserção do campo situacionista. Somos menos “mineiros” e mais “paulistas” neste quesito, ainda que este traço não seja necessariamente perene.

 Voltemos agora ao processo eleitoral deste ano.

Na verdade, neste momento  o que está sendo derrotado cabalmente não é um agente mas um estrutura. Em outras palavras, não é o ex-governador Paulo Hartung quem está sendo vencido mas certos aspectos de um modo de fazer politica, um “jeito capixaba de fazer política” se assim se pode dizer. E este tem as características acima elencadas e discutidas. Contudo, por outro lado, não é Casagrande quem está vencendo, mas um outro tipo de vontade política, com o qual nem sempre suas atitudes e escolhas serão compatíveis ou adaptadas.

Sabe-se que o atual governador tem tendência também a fazer politica de camarilha e isto é um calcanhar de Aquiles. O estilo de  governar do PSB, da chamada “Republica de Castelo”, tem impresso esta marca no governo, é centralizador e hierárquico. Com isto pode-se ir do inferno ao céu e do céu ao inferno em tempo muito curto e sob circunstâncias muito fortuitas.

 Remetendo aos modos de fazer política prevalecentes no país, a aura misteriosa de PH teve no passado a vantagem de fazer as preferências de outros se manifestarem enquanto as dele ficam secretas. Já a aura de Casagrande tem o dom de silenciar e intimidar produzindo uma colisão de opiniões que nem sempre é construtiva para a tomada de decisões coletivas, como se observa pela leitura das manifestações de 2011 e 2013.

 Do enredo narrado até aqui, depreende-se que ambos os métodos de liderança pessoal nem sempre contribuem adequadamente para o bem público, exceto acidentalmente na maioria dos casos. Mas estas observações preliminares e superficiais ainda não nos disseram muito acerca do que se acha realmente em disputa e nem do contexto em que tais candidatos se movem. Esperemos que a descrição e ilustração do que se poderia chamar de decálogo político capixaba e suas mutações recentes o tenha feito.

 Notas:

¹”Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais”.
[...]
Inciso VIII – fazer, na circunscrição do pleito, revisão geral da remuneração dos servidores públicos que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição, a partir do início do prazo estabelecido no art. 7º desta Lei e até a posse dos eleitos”

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9504.htm

Foto: capa do blog de José Roberto Bonifácio.

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