quinta-feira, 22 de maio de 2014

Como as Batalhas do Jogo da Sucessão e as questões da Agenda Pública modificam o “Jeito Capixaba de fazer Política”/Parte I (José Roberto Bonifácio)






Nas últimas semanas, com a batalha da mobilização e da agregação de apoios (inicialmente prefeitos e agora vereadores apoiam maciçamente Casagrande) generaliza-se a sensação de que o ex-governador Paulo Hartung (PMDB) está visivelmente (mas não irremediavelmente) perdendo mas não necessariamente a batalha informacional. No front da articulação com as outras esferas, altas esferas, também ficou indecidida ou incerta a situação de muitas candidaturas. Visando compreender as nuances do discurso político do jogo sucessório e as atitudes prevalecentes em seu curso dialogamos aqui com as tipologias dos modos de fazer política nos estados brasileiros, formuladas tentativamente anos atrás pelo sociólogo Rudá Ricci. O objetivo é confrontarmos os modos e práticas assumidas pela política no Espírito Santo com O jeito paulista de fazer política e O jeito mineiro de fazer política, buscando assim extrair os caracteres que singularizam os principais candidatos à sucessão capixaba em relação aos que se observam em outros estados. Estas observações preliminares e superficiais ainda não nos disseram muito acerca do que se acha realmente em disputa e nem do contexto em que tais candidatos se movem. Esperemos que a descrição e ilustração do que se poderia chamar de decálogo político capixaba e suas mutações recentes o tenha feito.

Como as Batalhas do Jogo da Sucessão e as questões da Agenda Pública modificam o “Jeito Capixaba de fazer Política“. 

Depois do retrospecto de greves e paralisações civis e militares com conteúdo politicamente motivado desta semana nossa mentalidade conspirológica nos faz crer que, pelo teor da charge do jornal A Gazeta, de ontem, estão “plantando” uma ideia no inconsciente da população com vistas a sedimentar uma espécie de pré-campanha para a sucessão estadual.

 Na charge eles querem por algo na conta do governador que não é da agenda e das competências legais dele, como o caso da concessão da BR 101. Contudo, isto tem efeito limitado ou inócuo, o que desautoriza a hipótese de orquestração. Não funciona se o esclarecimento é imediato. Como se alguma homologia houvesse (alem do aspecto institucional, legal) entre este empreendimento e aquele da Rodovia do Sol e Terceira Ponte – esta uma concessão estadual de facto e de direito. Não há o que falar pois são associações mentais distintas e o eleitor mediano sabe disto.

 O episodio se liga a outro aspecto que pode ser interpretado como equivoco seríssimo que Renato Casagrande (PSB) comete:  com a educação.

Neste setor o governador aprofundou um foco gravíssimo de oponentes, tendo em vista a repercussão desta questão dentre formadores de opinião e da sociedade civil e, ao que saibamos da influencia da assessoria sobre suas decisões, ninguém o alerta (ou o mesmo não dá ouvidos. É amplamente sabido que ainda há tempo para reajustes salariais dado que o prazo da LRF começa em junho ainda e a interpretação da lei eleitoral não é unívoca sobre este ponto.¹

Uma oportunidade foi perdida pois mesmo que não concedesse o aumento salarial, que não cortasse o ponto e atendesse as demais reivindicações, Casagrande poderia explicar-se claramente porque não o fez, como Luiz Fernando Pezão (PMDB), sucessor de Cabral no governo do RJ, o fez. Mas isto são jeitos diferentes de governar e de fazer política, mais do que nuances de marketing e estratégia de campanha política. Isto é o que, para responder à questão do titulo, virá a ser analisado aqui.

Nas ultimas semanas, com a batalha da mobilização e da agregação de apoios (inicialmente prefeitos e agora vereadores apoiam maciçamente Casagrande) generaliza-se a sensação de que o ex-governador Paulo Hartung (PMDB) está visivelmente (mas não irremediavelmente) perdendo mas não necessariamente a batalha informacional.  No front da articulação com as outras esferas, altas esferas, também ficou indecidida ou incerta a situação de muitas candidaturas, sejam as eventuais do PSDB (Balestrassi como suporte regional de Aécio Neves) e do PR (Magno Malta, também cogitado como presidenciável, mas cujo partido negocia com o Planalto e clama pela volta de Lula), mas também a do próprio PSB (cujo presidenciável, Eduardo Campos, estagnou nas pesquisas eleitorais). Contudo tais evidências são apenas preliminares e temporárias, nada nos dizendo sobre o que se acha em jogo, sobre a adequação das estratégias e agendas no processo eleitoral em curso.

 Agora precisamos delinear o andamento da batalha das imagens e dos estilos de governança, bem como as agendas dos candidatos e a maneira como constroem suas candidaturas e bases de apoio. Visando compreender as nuances do discurso político do jogo sucessório e as atitudes prevalecentes em seu curso dialogamos aqui com as tipologias dos modos de fazer política nos estados brasileiros, formuladas tentativamente anos atrás pelo sociólogo Rudá Ricci. O objetivo é confrontarmos os modos e práticas assumidas pela política no Espírito Santo com O jeito paulista de fazer política e O jeito mineiro de fazer política, buscando assim extrair os caracteres que singularizam os principais candidatos  à sucessão capixaba em relação aos que se observam em outros estados. E assim caracterizando sua especificidade, detectar mudanças em seu funcionamento e em sua forma ao longo do tempo.

 Utilizando-nos da moderna linguagem da Ciência Política contemporânea (sobretudo a Teoria dos Jogos), visando melhorar o rigor, a exatidão e a amplitude da formula original do autor, vamos então ao que poderíamos considerar como decálogo político capixaba:

Contrastando gravemente com  a máxima Nº 1 do decálogo paulista, o “jeito capixaba de fazer política” tem na palavra “Dependência” a sua palavra central. O capixaba tem auto-estima baixa ou reduzida, dada a reputação dos seus vizinhos baianos (ao norte), mineiros (a oeste) e fluminenses (a sul). População escassa e economia diminuta, herança rural forte e persistente, atraso e desigualdades socioeconomicas gritantes, elevadíssimos índices de violência urbana e criminalidade organizada (quando não gangsterismo puro e simples) são alguns dos fatores que conspiram contra a imagem do capixaba. Este usualmente se comporta de um modo “low profile” onde quer que vá. Ainda assim tem uma fé no futuro como denota o “Trabalha e Confia” no lema de sua bandeira, e o “Em busca de um futuro esperançoso” constante do refrão do hino estadual. E todos, no ambiente da classe política, formadores de opinião, classe média e comunidade empresarial incorporam este otimismo mas o veem frustrar-se reiteradamente pela realidade objetiva da pequenez do estado. Isto se exterioriza em manifestações de ressentimento contra outros estados e contra a União.

Como desdobramento disto  (máxima Nº 2), ao contrário do paulista o político capixaba pratica uma humildade, mais ou menos dissimuladora de suas realidades subjetivas inspiradas pelo otimismo de seus símbolos, suas memórias e biografias. O capixaba é hesitante, ainda que não expresse dubiedade em todos os aspectos e suas falas tem o viés da provisoriedade. Há no discurso político capixaba um paradigma de linearidade que é diverso do paulista e mais se aproxima do praticado nos estados sulistas (RS, SC, mas sem compartilhar da altivez e assertividade destes, já os paranaenses tendem para o jeito paulista), no sentido de alienar-se do restante do Brasil, de vivenciar sentimentos desconfortáveis de não-pertencimento ou não-integração ao restante do país.

Isto nos conduz à máxima Nº 3 do decálogo mineiro, pois no jeito capixaba a política se faz em banquetes, almoços ou jantares, ou seja, em espaços públicos. Mas também em gabinetes e escritórios. Os primeiros são valorizados em momentos onde se clama por grandes mudanças, como o foi no antigo Fórum das Oposições contra o governo José Ignácio Ferreira e mais recentemente no apoio dos prefeitos a Casagrande. Os segundos em momentos onde se  quer congelar o status-quo e repartir espaços ou nichos políticos, como foi o período da chamada “geopolítica”, que durou aproximadamente uma década, até as eleições municipais de 2012. Estamos aqui diante de algo bem próximo da “feudalização territorial e as reservas políticas” e da “territorialização” que caracterizam a experiência cultural mineira no dizer de Ricci, mas em verdade são praticamente universais em qualquer sistema político, assim como o arranjo da “geopolítica” capixaba. Como governador, Paulo Hartung não teve muitas  diferenças em relação a Aécio Neves quanto ao gerenciamento da sua rede de apoiadores regionais e partidários.

 Em termos culturais comparativos com o jeito mineiro, a culpa católica lusitana sabidamente não forja a moral capixaba, ao menos não nas ultimas décadas. A variedade do catolicismo neste aspecto reflete mais a alma italiana ou alemã, haja vista o histórico de migrações ocorrido neste estado. Desta maneira os locais públicos no ES não são motivo de sofrimento e não há nesta cultura o componente introspectivo, incerto ou intimista português na mesma intensidade. O protestantismo, (em sentido mais literal e menos figurado, como quer Ricci para o caso paulista) veio a insinuar-se em nosso ambiente social nos fins do sec. XX e inicio do XXI, mas permanece um tanto quanto marginal com respeito à cultura prevalecente.

 Ainda que a mulher não tenha tido a mesma proeminência na estrutura familiar capixaba que na mineira, compartilhamos com o jeito mineiro de “fazer política” o mesmo traço segundo o qual “A ação predominante é particular, privada, com conversas e acordos reservados e ausência de violência ou agressão direta e pública entre adversários.” A violência ou agressão em nosso caso, cabe ressaltar, somente se tornam públicas e diretas quando não mais há meios ou motivos de mante-la encoberta ou “terceirizada”, como veremos.

 Ainda em termos culturais (máxima Nº 5) o traço familístico faz do político capixaba muito próximo do mineiro: o espirito familiar ou clânico é forte mas não determinante. A lembrar que a primeira campanha eleitoral de Casagrande ao governo estadual, em 1998, explorava traços de sua descendência étnica e familiar. O mesmo se verificou, numa intensidade diversa para Hartung, em 2002. Neste contexto as mulheres apitam pouco, mesmo no âmbito privado. No âmbito público, os laços se desfazem com o tempo e as lutas. Este traço parece permanecer infenso às mudanças dos últimos anos.

 Por fim, ainda tecendo comparações pelo prisma cultural (máxima Nº 3 do decálogo paulista) temos a circunstancia de que o político capixaba cultiva a ética do sucesso em um sentido não ambíguo como o do paulista. Não se vê a si mesmo como seu próprio inimigo mas ainda assim não se pode discernir se está perfeitamente em paz interior. Experimenta a “zona de conforto” tranquilamente, sem auto-recriminações ou vergonha (haja vista o fardo que carregam os herdeiros de oligarquias tradicionais como o senador Ricardo Ferraço, o ex-prefeito Max Mauro Filho e o ex-deputado Luiz Paulo Vellozo Lucas), mas de modo não necessariamente passiva durante todo o tempo. O capixaba gerencia seu tempo da maneira como lhe convém e não se importa com a memória ou a capacidade preditiva no aspecto de sua vida privada – embora se esforce por isto no aspecto da sua vida pública em boa parte das vezes, mas não em todas. Ele não tem o sucesso no seu encalço, como o tem o paulista. É usualmente medíocre, mas busca de todas as formas disfarçar esta persistente debilidade. Em suma, aquilo que os cientistas políticos chamam “ambições progressivas” não parametriza sua carreira política.

 Isto equivale à máxima Nº 4 do decálogo mineiro, pois ao contrário deste, para o politico capixaba tem-se no lazer um ponto muito valorizado, sobretudo pelo binômio turístico-recreativo “praia e montanha“, que faz a fama (e a auto-estima) do estado. Ainda assim não isento de riscos. Mas também os roteiros nacionais e internacionais fazem sucesso. Neste ultimo caso, Rodney Miranda – um recém chegado – lamentou descobrir nas férias passadas.
(* Dado a extensão do artigo de José Roberto Bonifácio, tomei a liberdade de publicá-lo em duas partes. O corte é não chega a ser arbitrário, pois busca o equilíbrio do número de caracteres do texto. Amanhã, sexta, 23/05, estarei publicando o restante do artigo, identificada como Parte II - Roberto Beling).
Fonte: Blog do José Roberto Bonifácio.

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