No Brasil há regras muito rigorosas para criação de partidos - e
muito generosas quanto ao acesso a recursos públicos para aqueles já
registrados
Somente neste ano, três novos partidos (Partido Republicano da Ordem
Social, Solidariedade e Partido Ecológico Nacional) foram registrados e o
movimento para a criação de um quarto - a Rede de Sustentabilidade -
recebeu uma expressiva cobertura da imprensa. Este novo ciclo de criação
de legendas trouxe à baila a discussão sobre o número excessivo de
partidos, com a inevitável lista de mudanças que poderiam ser feitas na
legislação para enxugar o quadro partidário.
Qualquer discussão abordando o tema deve levar em conta três aspectos. O
primeiro é que não devemos confundir os partidos registrados com
aqueles que efetivamente importam no jogo político. Em muitos países o
número de partidos é enorme, mas poucos realmente obtêm representação em
âmbito nacional. Um bom exemplo é a Espanha. Nas últimas eleições
nacionais (2011), 40 partidos concorreram, mas apenas 16 obtiveram
representação na Câmara dos Deputados; outros 12 têm cadeiras apenas nos
Legislativos estaduais e dezenas de outros concorrem apenas no âmbito
local.
O segundo é a inexistência de critério para definir qual é o número
"ótimo" de partidos que uma democracia deve ter. Existem democracias,
como a Bélgica, a Itália e Israel, com um número expressivo de partidos
relevantes. Outras, como os Estados Unidos e Alemanha, têm um número
menor de legendas no cenário nacional.
O terceiro aspecto é que a legislação brasileira criou a figura do
registro definitivo dos partidos. Gostemos ou não dos 32 brasileiros,
eles têm a sobrevivência assegurada e não podem ser "banidos" por
nenhuma reforma eleitoral.
Na maioria das democracias, o registro de partidos é feito de maneira
mais simples e com menos controle do Estado do que acontece no Brasil.
Aqui, desde 1945, um órgão estatal (a Justiça Eleitoral) assumiu a
tarefa de registrar novas organizações partidárias. Durante o atual
período democrático, duas regras bem distintas orientaram a criação de
partidos. A primeira, extremamente liberal, vigorou entre 1985 e 1994.
Para fundar uma nova legenda, bastava um grupo de 101 entrem com o
pedido junto ao TSE. A simples obtenção do registro provisório já
permitia que o partido participasse das eleições. Nesse período, nada
menos que 69 legendas diferentes (aqui excluídas as que mudaram de nome)
lançaram algum candidato. A lei partidária de 1995 adotou um critério
muito mais rigoroso. Para criar uma nova legenda, um grupo de cidadãos
deve obter a assinatura de milhares de eleitores (0,5% do total de votos
válidos na última eleição para a Câmara dos Deputados). Hoje são
necessárias cerca de 492 mil assinaturas, que são detalhadamente
conferidas pelos cartórios eleitorais.
Como pudemos observar no dramático processo de não registro da Rede de
Sustentabilidade, a criação de partidos no Brasil não é uma tarefa
fácil. Após a adoção do sistema de assinaturas, levou mais de dez anos
para que um novo partido surgisse. Apenas sete legendas conseguiram
cumprir as novas regras: PRB, PSOL, PSD PPL, PEN, Solidariedade e PROS;
um número realmente baixo para quase 20 anos de vigência da lei.
O fato é que, se compararmos a outras democracias, não temos tantos
partidos registrados. O que nos diferencia é a facilidade com que novas
legendas garantem acesso aos recursos públicos (Fundo Partidário e
Horário Eleitoral Gratuito) e à representação parlamentar. A legislação é
tão liberal que mesmo partidos que nunca participaram de uma única
eleição já recebem recursos do fundo. O PSD, por exemplo, criado em
2011, recebeu R$ 9, 3 milhões no ano passado.
A combinação de grandes distritos eleitorais e coligações nas eleições
proporcionais favorecem em demasia as pequenas legendas. Já há algum
tempo, temos o Legislativo nacional mais fragmentado do mundo.
Em resumo: o Brasil criou um modelo singular para regulação dos
partidos, com regras muito rigorosas para criação de novos, mas com
regras muito generosas para acesso aos recursos públicos para os
partidos já registrados.
Minha sugestão é que essa equação deva ser invertida: facilitar a
criação de partidos, mas adotar regras mais rigorosas para acesso aos
recursos públicos. Não há por que continuarmos com essa exigência de um
número tão alto de assinaturas para registrar uma nova legenda. Por
outro lado, somente partidos com alguma representação eleitoral teriam
acesso as recursos do Fundo Partidário e tempo de rádio e TV para
campanha.
Vejamos o caso da Alemanha, que tem atualmente 36 partidos políticos. O
país adota uma cláusula de barreira extremamente rigorosa: um partido
tem que receber pelo menos 5% dos votos e eleger um deputado na Câmara
dos Deputados. Nas eleições deste ano, somente cinco partidos
conseguiram ultrapassar a barreira. O Partido Liberal, que tinha 93
deputados, obteve 4,8% dos votos e ficará sem um único deputado. A regra
para acesso ao Fundo Partidário é menos exigente: 0,5% dos votos em
eleições nacionais.
Não imagino um modelo tão draconiano como o alemão funcionando por aqui.
Mas teríamos muito a ganhar com sua premissa: criar partidos não tem
nada que ver com ter recursos estatais para sua manutenção, nem com a
garantia de representação parlamentar.
*Jairo Nicolau é professor de Ciência Política da Universidade
Federal do Rio de Janeiro e autor, entre outros livros, de Sistemas
Eleitorais (FGV).
Fonte: O Estado de S. Paulo / Aliás
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