terça-feira, 16 de novembro de 2010

A GUITARRA MANETA - JUCA MAGALHÃES


Eu colecionava discos de vinil, mas não era assim que a gente chamava na época, não existia outra forma de escambo musical, eram os discos ou as fitas que gravávamos para ouvir no som do carro. Dava nos nervos quando um arranhava, porque nada consertava, custavam caro e eram muito difíceis de encontrar. Os mais velhos e riscados eram justamente alguns dos meus mais queridos, para conseguir tocar sem ficar pulando eu equilibrava uma caixinha de fósforos em cima do braço da agulha.

A garota se materializou do nada dentro do meu quarto, justamente naquela horinha que eu reservava pra dar um bode após o almoço, era quando costumava ouvir um som, alguns destes até viravam trilhas sonoras que nunca nos levaram a nenhum lugar. Gênesis “ Three Sides Live”, coloquei um dos lados pra rodar e apaguei logo no início. Em meu sono continuei ouvindo o som e sonhei que estava tocando, foi a gênesis de minha paixonite pelos instrumentos de teclado.

Acordei com seu corpo desabando em minha cama de solteiro, os pés tinham bordas carcomidas pelo cão de minha irmã caçula, jamais gostei de bichos de estimação. Minha Gianninni SG estava encostada num canto. Ela veio cheia de rodeios, mas logo começou a me provocar falando e insinuando coisas. Transar não era tão difícil assim, apesar da casa viver cheia de gente que costumava se meter na vida dos outros, era preciso que a garota levasse a provocação até o final, têm essas que curtem muito mais atiçar o fogo só pra depois negar os seus, digamos assim, favores sexuais.

Inventei que tinha uma parada pra gente “usar”, mas que era preciso fechar a porta do quarto e aumentar o som pra despistar olhos e ouvidos do alheio. Ela topou se ajeitando na cama. Coloquei um disco no talo, porque depois de fechar a porta eu já sabia que a coisa ia despencar ladeira abaixo. Não precisou de duas ou três cafungadas para que seu vestido flutuasse pelo quarto. Na piração e no calor da batalha sentei o pé na guitarra que caiu no chão com estrondo que nem ouvimos, a mão se descolou do braço do instrumento, estava aleijada para sempre.

Disco arranhado, guitarra maneta. Sweet Funny Adams, Rita Lee, Billy Joel e Franck Sinatra. Deus e o diabo dentro do meu quarto. Minha madrinha me perguntou divertida: “como foi mesmo aquela história da guitarra?” Misturei as lembranças do que aconteceu... E a garota? É amiga no “Livro das Faces”, reencontrei faz pouco, disse até que estava com “saudades dos velhos tempos”. O problema é que hoje os discos não arranham mais, assim como a mão da guitarra que nunca mais encaixou. Passei eu, passou você. E nisso “véin”, até o Rock ‘n’ Roll, Passou.

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