Enquanto o noticiário continua a girar em torno de acusações, processos e depoimentos, os setores interessados na mudança da sociedade têm obrigação de apresentar uma proposta séria e organizada para tirar o país do buraco.
Para tanto, é indispensável construir uma plataforma a ser submetida ao eleitorado em outubro. Não se trata somente de competir com chances de ganhar, mas de plantar as sementes da transformação futura.
A conversa ocorrida entre Ciro Gomes (PDT) e Fernando Haddad (PT), na última segunda (23), deveria ser encarada como positiva, caso avance.
É claro que outros personagens do mesmo campo, como Guilherme Boulos (PSOL) e Manuela D’Ávila (PC do B), precisariam ser incorporados ao diálogo, na hipótese de se pensar um programa comum, e não apenas em arranjos de ocasião.
Por maiores que sejam as diferenças entre os citados personagens, todos fazem parte do arco que se opõe ao atual estado de coisas. Os seus partidos e, aliás, também o PSB, formalizaram uma frente pela democracia na Câmara dez dias atrás.
Para visualizar a necessidade absoluta de juntar forças, basta pensar no desafio representado pelo teto do gasto público que o governo Temer conseguiu impingir ao país.
Sem revogá-lo, dificilmente vai se encontrar um meio de fazer o Brasil voltar a crescer e retomar o combate à pobreza. Mas para reunir a maioria necessária no Congresso será indispensável somar muitas correntes e isolar os que desejam preservar a desigualdade.
Um dos segredos do sucesso representado pelo PT na história brasileira residiu na capacidade de Lula reger uma pluralidade de posições no interior do partido. Foi a tolerância dele que permitiu a todos seguirem sob o mesmo guarda-chuva. O PSOL foi a única divisão de maior peso em quase quatro décadas e, mesmo assim, esteve junto na hora extrema da prisão em São Bernardo.
Com Lula preso, a tarefa de unificar a área popular se complica. José Dirceu, que se revelou, mais uma vez, bom analista, advertiu na entrevista a Mônica Bergamo que se Lula não for mantido como candidato até agosto, o PT se dividirá em “quatro ou cinco facções”.
Em outras palavras, a ameaça de fragmentação existe dentro do próprio petismo, quem dirá fora dele. Mas política consiste em reunir aqueles que, espontaneamente, jamais se sentariam à mesma mesa.
Embora acompanhe o processo à distância, o cidadão médio intui a dificuldade envolvida na retomada de um ciclo favorável às massas. Não obstante, o espaço eleitoral à esquerda existe, devido ao sofrimento que a orientação em curso impõe aos trabalhadores.
Será que as agremiações existentes estarão à altura do desafio de preenchê-lo?
(*) André Singer, cientista político e professor da USP, foi porta-voz e secretário de Imprensa da Presidência no governo Lula.
Fonte: Folha de São Paulo (28/04/49)
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