O próximo presidente terá muitas tarefas e desafios pela frente. Reconstruir a administração pública, fazer reformas que deem sustentabilidade fiscal ao país, retomar um crescimento robusto, combater mais firmemente a desigualdade social com políticas públicas efetivas, priorizar a educação como único passaporte seguro para o futuro, em suma, a lista é extensa e complexa. Mas o eleito nada conseguirá fazer se não conseguir recuperar a confiança do povo na política e nos políticos. No fundo, o que está em jogo é a credibilidade das instituições estatais, e a descrença nelas torna qualquer nação inviável.
Uma prova da enorme desconfiança em relação à política foi dada por pesquisa do Ibope/CNI divulgada no dia 13 de março. Ela mostrou que 44% da população está pessimista em relação à eleição de 2018. Mais 36% entram no grupo dos "indiferentes": 13% não sabem ou nem responderam e 23% não estão nem otimistas nem pessimistas. Somente 20% se dizem otimistas. Esse mau humor gira em torno exatamente daquilo que dá mais poder à sociedade e, sobretudo, aos mais pobres: o voto.
O país encontra-se num imbróglio político desde o fim da eleição de 2014. A crise econômica, a Operação Lava-Jato, o atribulado processo de impeachment e o mandato-tampão de um presidente que, ao fim e ao cabo, tem baixíssima aprovação popular, são partes de uma história cujo único desfecho feliz só poderá ocorrer após a eleição direta de um governante. Legitimidade é o elemento que mais falta na política brasileira atual. Não adianta falar em reformas ou debatê-las sem ter um governo que gere confiança na população. Ressalto que sou a favor de mudar muita coisa no Estado brasileiro, mas quando há alterações profundas sem que haja amparo popular, a política perde o elo que a torna fiadora do contrato social.
A recuperação dessa legitimidade não será fácil. Inicialmente porque uma parte importante dos políticos está em maus lençóis, com processos em andamento ou com denúncias contra eles. Os eleitores acreditam que o país está num "mar de lama" e casos como o do ex-governador Sérgio Cabral, que surpreende com a descoberta de negociatas extraordinárias a cada semana, favorecem essa sensação. Claro, os políticos não são todos são iguais e, seguindo a máxima do Estado de direito, nem todos podem ser tachados de culpados antes de decisões judiciais.
Além disso, a percepção de aumento de corrupção pode representar, paradoxalmente, um sentido contrário, isto é, o fortalecimento do combate de atos ilícitos. Ao colocar mais luz nos problemas, desvendamos algo que já existia, mas que não era conhecido.
De todo modo, é preciso recuperar a credibilidade dos políticos no que se refere ao uso dos recursos públicos. Evitar a impunidade é um passo importante, punindo corruptos e corruptores. Mas é necessário também diferenciar bem os casos junto à população, não colocando todos num mesmo balaio. O ponto central, no entanto, é outro: só haverá uma alteração desse cenário caso as instituições sejam aperfeiçoadas, mudando, por exemplo, o modelo de indicações para o alto escalão governamental e aumentando a transparência e a competição entre os fornecedores de bens e serviços ao governo. E a sociedade tem de saber que sem a política e os políticos, não haverá reformas institucionais democráticas.
Uma parcela da opinião pública apostou nos últimos anos que o Ministério Público, a Polícia Federal e o Judiciário fariam o serviço regenerador que os políticos não conseguiram realizar. Hoje, há dúvidas na sociedade quanto à pertinência dessa teoria. Por exemplo, existem reclamações quanto a parcialidade da apuração e das sentenças: alguns casos andaram muito mais rápido que outros e, em certas situações, a régua não foi igual para todos. Um exemplo disso foi a decisão do TSE em relação à chapa Dilma-Temer, um dos maiores escândalos da história da República, quando ambos foram inocentados por "excesso de provas".
O sistema de Justiça não tem mais a unanimidade de seu apogeu, embora esteja numa posição bem melhor do que a da classe política profissional. Grande parte do problema será resolvido com mais parcimônia e impessoalidade na sua atuação. Ao se exporem excessivamente em algumas ações e decisões recentes, o Ministério Público e o Judiciário - incluindo aí a mais alta Corte, o STF - entraram indevidamente na seara política. Podem ajudar mais se cumprirem suas funções constitucionais e pressionarem os políticos por meio dos freios e contrapesos, e não inventando ou alterando as regras do jogo.
A recuperação da credibilidade da política passa, ademais, por uma campanha presidencial mais sincera do que foi o teatro de 2014. Retomando a pesquisa do Ibope/CNI, 75% dos entrevistados dizem não acreditar nas promessas de campanha. Sabe-se que um pouco de ceticismo em relação aos políticos é saudável para a democracia. Mas o grau a que se chegou no Brasil pode ter transformado o remédio em veneno. Dilma prometeu uma coisa e fez outra. Aécio nunca aceitou a derrota e foi um conspirador desde o dia seguinte da eleição. Marina foi massacrada injustamente na eleição, mas seu desaparecimento posterior também foi lido como um esquecimento do grande eleitorado que conquistou. Mais recentemente, a saída de João Dória da Prefeitura de São Paulo para concorrer a governador, quando havia prometido cumprir o mandato de quatro anos, é mais uma facada na confiança dos eleitores em relação aos políticos.
A eleição de 2018 parece bastante incerta e deverá ser muito competitiva, mas os desafios de 2019, para quem for o vencedor do pleito, serão muito maiores. Por isso, os principais candidatos poderiam começar a preparar melhor o terreno, especialmente depois do que aconteceu com Dilma e Aécio, que tiveram milhões de votos e, hoje, são metaforicamente "anões políticos".
Três coisas seriam importantes aqui. Primeiro, procurar fazer uma campanha que coloque os principais problemas do país em evidência. Fugir dos temas é um passo para o desastre futuro. Os eleitores não querem, a qualquer custo, a apresentação de um mundo róseo. Obviamente que há questões com maior rejeição popular, não obstante, políticos devem ter coragem para defender suas ideias, e conversar com os eleitores sobre as implicações de cada ato - ou da inação.
Enfrentar questões espinhosas não quer dizer que haja apenas uma única resposta. Construir com vários setores sociais as soluções dos problemas é um segundo caminho para evitar que 2019 repita 2015. Se é preciso ter coragem para defender ideias impopulares, mostrando números e argumentos, também é fundamental conversar amplamente e já na campanha montar formas de compromisso político e social que facilitem posteriormente a aprovação e a aceitação de reformas. Decisões técnicas, baseadas em evidências, não podem ser antagônicas à negociação e à construção da legitimidade.
Mas a lição mais importante dos últimos anos é que ninguém governará o país pelo mero jogo do confronto. A polarização só tem trazido males às relações entre partidos, entre os grupos sociais e à própria ideia do que é a política. No Brasil de hoje vigora uma visão schmittiana da política, para lembrar as ideias de Carl Schmitt: a essência da política seria tratar o adversário como inimigo e procurar eliminá-lo a todo custo. Na internet se vê isso na sua forma mais pura e selvagem, mas isso se esparramou para o conjunto das instituições políticas.
A própria linguagem da política se deteriorou nos últimos tempos. Os xingamentos fáceis e a leviandade ganharam terreno. Os eleitores estão repetindo esse modo vulgar em suas conversas. Ao virar conversa de botequim, a política perde a atratividade e a elegância, e fica muito difícil não ser pessimista num mundo em que todos são vistos como inimigos.
Para que os cidadãos saiam da atual situação de enorme desconfiança com a política e nos políticos, as lideranças terão de se orientar por um debate mais civilizado, que deixe as portas abertas para o diálogo, para a aceitação da vitória e da derrota. Como provavelmente teremos segundo turno, o vencedor deverá dizer que governará para além (mas não aquém) de seus eleitores e o derrotado deverá dar uma trégua ao novo governante, aceitando conversar sobre os pontos básicos que interessam a todos. A repetição do comportamento de Dilma e Aécio nos levará ao precipício e se começarmos 2019 como fizemos em 2015, o pessimismo da população não será apenas em relação aos políticos, mas também espraiará para a democracia como um todo.
O foco de atenção nos próximos meses, portanto, deve estar na vigilância dos atos e falas dos principais líderes políticos do país, dos candidatos a presidente e dos postulantes ao Congresso Nacional. Se os eleitores quiserem recuperar a confiança na política, não deixem de cobrar um outro tipo de comportamento dos futuros eleitos. Afinal, apenas a solução democrática dá poder aos cidadãos. E somente essa consciência pode recuperar a importância do mundo da política.
(*) Fernando Abrucio, doutor em ciência política pela USP e chefe do Departamento de Administração Pública da FGV-SP.
Fonte: Valor Econômico (16/03/18)
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