O quadro de candidatos à eleição presidencial permanece indefinido. A comparação com 1989 voltou à baila. Caminharíamos para uma eleição marcada pela pulverização. É certo que a política brasileira saiu dos trilhos habituais, mas isso não significa que a lógica que dita a redução de candidaturas em eleições majoritárias tenha deixado de operar.
Dois fatores contribuem para atrasar a definição do quadro de candidatos. O primeiro deles é a perda de força do PT, cuja competitividade forneceu o eixo sobre o qual girou a competição eleitoral no Brasil pós-redemocratização. O PT vinha entrando na disputa com algo em torno de 30% dos votos garantidos. A alternativa para os demais partidos era simples: ou se aliar ao PT ou formar uma frente para derrotá-lo. Poderia não haver acordo sobre quem comandaria a frente anti-PT, levando a formação de terceiras vias, mas o PT era o partido a ser batido. Assim, por exemplo, nasceu a aliança PSDB-PFL, em 1994.
Com Lula candidato, o PT largaria bem, controlaria os votos da esquerda e era presença certa no segundo turno. A decisão do TRF-4 bloqueou a candidatura Lula e paralisou o PT, alterando radicalmente a estrutura da competição eleitoral. Não se sabe ao certo qual a força eleitoral do PT sem Lula e muito menos quanto Lula será capaz de influir no processo eleitoral, se não for candidato. Não por acaso, a movimentação na esquerda, controlada pelo PT desde 1994, passou a ser intensa. Ciro Gomes (PDT), Guilherme Boulos (PSOL) e Manuela D'Avila (PCdoB) já se puseram em campo para disputar um eventual espólio petista.
O segundo fator distintivo é a ausência de um candidato forte do governo. Desde 1998, em três das cinco eleições, o(a) presidente se candidatou à reeleição. Nas outras duas, o governo tinha candidato(a). Assim, de saída, a oposição sabia que precisava ter candidatura forte para derrotar o governo.
Michel Temer não dispõe da mesma força eleitoral que seus predecessores. Pode ser candidato, mas sua popularidade atual não o coloca automaticamente - ou só o colocaria milagrosamente - no segundo turno. A máquina federal e o poder de fogo do MDB não devem ser minimizados, mas não são suficientes para destacar a candidatura presidencial das demais.
A fragilidade atual desses dois polos de estruturação da disputa, o PT e o governo, incentiva o lançamento de mais candidaturas. Se não há candidatos fortes a bater, se todos são fracos, por que não tentar a sorte?
Entretanto, a lógica que leva à redução do número de candidaturas segue operando. Candidatos devem pesar sua probabilidade de vitória e os custos envolvidos. O custo envolvido vai além das despesas de campanha. Inclui a eventual contribuição para a eleição de um adversário, como inclui também as oportunidades perdidas, por exemplo, no plano estadual.
Para fins de raciocínio, imagine-se um cenário em que Michel Temer (MDB), Henrique Meirelles (PSD), Rodrigo Maia (DEM), Geraldo Alckmin (PSDB) e Jair Bolsonaro (PSC) mantenham suas candidaturas. Imagine ainda que Ciro Gomes (PDT), Guilherme Boulos (PSOL) e o PT, digamos, com Patrus Ananias, também entrem na disputa. Com tantos candidatos, teríamos um quadro eleitoral análogo ao de 1989.
Nesse cenário, a tarefa repassada ao eleitor seria enorme, beirando o imprevisível. Se os eleitores dispersassem seus votos, seria possível passar ao segundo turno com votações baixas, como Lula, em 1989. Neste cenário improvável, mas não impossível, poderíamos ter um segundo turno entre candidatos de um mesmo bloco ideológico, por exemplo, Ciro Gomes versus Patrus Ananias, ou Geraldo Alckmin versus Rodrigo Maia. O estímulo para alianças vem daí: partidos procuram evitar que resultados como esse ocorram.
Obviamente, a dispersão de votos é uma possibilidade remota. O mais provável é que o eleitor vote útil, isto é, que opte pelo candidato mais forte de cada um dos blocos. Obviamente, os partidos, sabendo que isso pode ocorrer, irão se antecipar e canalizar as opções dos eleitores. Assim, os candidatos mais fracos de cada bloco, prevendo que serão deixados pelo caminho, veem-se induzidos a sair da disputa e apoiar aliados.
O processo não é simples, nem opera no piloto automático, mas marca tanto as eleições presidenciais quanto as para o governo estadual. Enquanto o quadro não se consolida, todos têm incentivos para blefar, negociar e obter concessões. Mas na hora da onça beber água, a racionalidade política prevalece e duas ou, no máximo, três candidaturas viáveis sobrevivem. Não há razões para supor que 2018 desafiará essa lógica.
O PSD, por exemplo, sabe que não tem cacife para entrar na disputa pela presidência. Gilberto Kassab não se comoveu com a amizade canina de Meirelles e mandou avisar que o partido que comanda tem ambições mais limitadas, que seu objetivo é garantir o lugar de vice na chapa do PSDB ao governo do estado de São Paulo. Rodrigo Maia ainda não convenceu nem o pai, interessado em vaga no Senado do Rio de Janeiro, que seja mais do que um trainee, que sua candidatura seja para valer. As dificuldades da candidatura de Michel Temer também são consideráveis. O MDB, desde 1998, abandonou a disputa pela presidência para ganhar a liberdade de formar alianças circunstanciais nas eleições ao governo estadual.
Nos próximos meses, os partidos serão forçados a definir suas estratégias, considerando ganhos e perdas que ter candidato próprio à presidência acarretam. Como sempre, a maior parte optará por se retirar do páreo principal, concentrando suas apostas em cargos menores. Poucos partidos têm estrutura e força eleitoral para bancar uma candidatura presidencial. A presidência é para poucos.
(*) Fernando Limongi é professor do DCP/USP e pesquisador do Cebrap
Fonte: Valor Econômico (19/03/18)
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