domingo, 2 de julho de 2017

Símbolos nacionais (Denis Lerrer Rosenfield)

Grandes empresários deveriam ser símbolos de sucesso, empreendedorismo e retidão. Homens feitos por si mesmos em processos concorrenciais de que saíram vitoriosos. Apareceriam, então, como exemplos a serem seguidos tanto por jovens em início de carreira quanto por aqueles que seriam objeto de emulação.
Uma sociedade se organiza em função de exemplos a seguir, numa encarnação de valores a serem repetidos. O mundo empresarial deveria, nesse sentido, mostrar o caminho dos que pretendem o sucesso na vida econômica, sem descuidar, evidentemente, de que esse sucesso obedeça a regras do ponto de vista moral e jurídico. Não se trata de um vale-tudo no absoluto desconhecimento do compromisso com valores éticos.
O Brasil, no longo reinado lulopetista, com suas consequências agora aparecendo, deu mostras de condutas que não deveriam ser imitadas. Seriam a expressão de um sucesso a ser obtido a qualquer preço, como se o mundo das regras jurídicas e de mercado fosse considerado simplesmente na perspectiva de sua perversão. Seu capitalismo seria o do compadrio, tornando-se progressivamente o dos comparsas.
Quais eram os símbolos nacionais que se vinham destacando? Quem era apresentado como caso de sucesso, preenchendo capas de revista, propagandas, notícias, redes sociais, o mundo televisivo? Marcelo Odebrecht, os irmãos Batista da JBS, Eike Batista e outros. Todos têm em comum estreitas relações com o ex-presidente Lula – embora todos procurem agora minimizar esse fato, o próprio Lula incluído. De repente, tornaram-se desconhecidos, como se num passe de mágica tudo o que fizeram juntos tivesse sido apagado.
É bem verdade que nesse relacionamento de compadrio Lula foi somente o líder máximo, tendo sido acompanhado por todo um submundo em que compareceram não apenas os petistas, mas a maioria dos outros partidos, numa espécie de partilha dos bens nacionais. Estabeleceu-se uma triangulação entre políticos, empresários e executivos de empresas estatais e bancos públicos, baseada tanto no enriquecimento pessoal e no sucesso das empresas quanto no financiamento de partidos políticos. Convém ressaltar que isso não ficou limitado a um falseamento da concorrência, restringindo severamente as condições de uma economia de mercado, mas terminou evoluindo para um complexo esquema de corrupção que permeou todo o aparelho estatal.
O saqueio da Petrobrás ilustra muito bem a que ponto esse processo foi conduzido, espalhando-se para outras empresas e bancos públicos. Os compadres evoluíram para comparsas. O mundo da política tornou-se o da polícia; o mundo empresarial, o do crime.
A Lava Jato tem o grande mérito de ter desvendado essa trama. Graças ao incansável trabalho de juízes, desembargadores, promotores, procuradores e policiais federais esse submundo veio à tona, expondo a corrupção que tomou conta do Estado, dos partidos e de parte do mundo empresarial. A delação premiada, nesta perspectiva, foi um instrumento da máxima importância.
Marcelo Odebrecht está preso, o nome de sua empresa aparece agora como símbolo de corrupção e descaso com os bens públicos. Os donos lutam por sua sobrevivência, imersos nos mais distintos tipos de problemas. Foram comidos por sua própria voracidade.
Eike Batista, outrora símbolo do rápido sucesso empresarial, cortejado por muitos e dono de muito boa capacidade de comunicação, pena em processos criminais. Seu império se desmanchou como um castelo de cartas, mostrando não ter uma base real. Sua imagem é um exemplo do que não pode ser repetido.
Os irmãos Batista, com destaque para Joesley, são um caso à parte. Não por não serem compadres e comparsas, mas por exporem à Nação que o crime compensa. Foram comparsas em grau máximo, mas pretendem se vender como vítimas e, pior ainda, como partícipes de um processo de revelação da corrupção. De bandidos pretendem parecer mocinhos.
Acontece que a sociedade brasileira, que manteve a sanidade e o bom senso no que diz respeito aos seus valores, embora tenha sido ludibriada eleitoralmente, insurge-se contra o espetáculo político-policial da corrupção. Os irmãos Batista continuam sendo vistos como bandidos que devem ser exemplarmente punidos.
Eles, porém, conseguiram um acordo de delação que os isenta da punição. Um dos irmãos, Joesley, num ato de completo descaramento, sem nenhum tipo de vergonha, logo embarcou com a família para Nova York, em avião particular, para usufruir o luxo de sua vida de criminoso bem recompensado. Seu iate foi para os Estados Unidos, para melhor desfrutarem suas regalias. E o mais grave: com o beneplácito e o apoio da Procuradoria-Geral da República.
A Lava Jato mostrou que a delação é um meio para obter provas, não um fim em si mesmo. O que estamos observando, contudo, é uma busca desenfreada por delações, como se fossem seu próprio fim. Ora, delações são, ou deveriam ser, instrumentos de punição, não ferramentas de impunidade.
O resultado é uma completa inversão de valores. Os Batistas chegam a reclamar candidamente de que estariam sofrendo “retaliações” do governo, como se o seu acordo com a Procuradoria fosse um salvo-conduto para que sua vida empresarial – e pessoal – continuasse “normalmente”. Fizeram um grande caixa para atravessar este período. Esqueceram-se de combinar com os russos. Seus fornecedores não mais querem vender-lhes seus produtos. Os clientes não mais querem comprá-los. Bancos públicos e privados querem segurança do que lhes foi emprestado. A Comissão de Valores Mobiliários investiga suas operações.
E a sociedade quer dar um basta a tudo isso!
Fonte: O Estado de São Paulo (26/06/17)
(*) Denis Lerrer Rosenfield é professor de filosofia na UFRGS

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