O Reino do Terror terminou no 9 do Termidor, 27 de julho de 1794, dia da queda de Robespierre e do início da repressão contra os jacobinos. Treze meses depois, instalou-se a ditadura do Diretório, que abriu caminho ao 18 do Brumário, 9 de novembro de 1799, elevação de Napoleão Bonaparte a Primeiro Cônsul.
A Lava Jato perecerá, desgastada por uma reação termidoriana, se não for contido o espírito jacobino que anima uma parcela do Ministério Público. Deploravelmente, o STF hesita em mostrar o caminho da lei, abortando o embrião de um Terror policial e judiciário.
Até há pouco, o jacobinismo circunscrevia-se às esferas do discurso e de atos judiciais periféricos. O juiz Sergio Moro ordena conduções coercitivas abusivas, como notoriamente a de Lula, de olho em seus impactos na opinião pública.
Jovens procuradores bradam, em tons messiânicos, sobre a "falência do sistema político", embalados pela fantasia de que corporificam um Comitê de Salvação Pública. Nada disso, porém, atinge irreparavelmente as garantias constitucionais.
A operação Joesley assinala a ruptura. Ela expôs, certamente, as fétidas cavalariças de Temer e Aécio, mas ao preço de brutais violações legais. O Robespierre da história escreveu que "o Terror é nada mais que justiça imediata, severa, inflexível".
Janot, nosso Robespierre carnavalesco, subscreveu o enunciado ao associar-se com o corruptor geral da República numa trama politicamente motivada. Já o STF, ao validar o prêmio escandaloso concedido ao delator, desperdiçou a primeira oportunidade para dissociar a palavra "justiça" da palavra "Terror".
Dois fatos são indisputáveis: 1) Antes de delatar oficialmente, Joesley foi instruído por um procurador e um delegado da PF; 2) Como prêmio pela entrega das gravações, obteve imunidade judicial absoluta. Nas suas argumentações, os ministros do STF esconderam-se atrás do biombo dos sofismas para não enfrentar tais flagrantes ilegalidades.
Celso de Mello disse que Janot não poderia ser surpreendido por um "gesto desleal" do Judiciário –como se o STF devesse lealdade ao procurador-geral, não à Constituição. Roberto Barroso insistiu na tese demagógica de que a impugnação do acordo com Joesley abalaria todo o edifício de delações da Lava Jato –como se a solidez de uma curva dependesse do ponto fora da curva.
Prevaleceu o espírito de corpo: os juízes resolveram não desautorizar Fachin, assim como antes não desautorizaram Lewandowski, que jogou a Constituição pela janela para preservar os direitos políticos de Dilma. Nesse passo, em nome do mais estreito corporativismo, criam um precedente para novas operações jacobinas.
Logo mais, na decisão sobre o mandato de Aécio, o STF terá uma segunda oportunidade. A Constituição não admite a cassação judicial de mandatos parlamentares: só os eleitos podem cassar os eleitos. O princípio foi violado no caso de Eduardo Cunha, por meio da manobra da "suspensão" do mandato.
Na ocasião, Teori Zavascki, autor da sentença, justificou-a como uma "excepcionalidade", admitindo implicitamente que cometia uma ilegalidade. Fachin, que age como despachante de Janot, apoiou-se no precedente para determinar a suspensão do mandato de Aécio. Se, uma vez mais, o STF colocar o espírito de corpo acima da letra da lei, a exceção se converterá em norma, destruindo a independência dos Poderes.
Temer é uma desgraça e Aécio vale menos que a tinta desse texto, mas ambos não passam de notas de pé de página na nossa história. O jacobinismo, por outro lado, ameaça valores preciosos –e, inclusive, a própria Lava Jato. Os fins e os meios estão ligados por um fio inquebrável.
Procuradores e juízes devem implodir as máfias político-empresariais incrustadas no Estado brasileiro seguindo, escrupulosamente, as tábuas da lei. A alternativa é o Terror –e, depois, o Termidor.
Fonte: Folha de São Paulo (24/06/17)
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