A bomba finalmente explodiu. Pegou em cheio a elite política brasileira. A Odebrecht fazia negócios com todos os partidos, mas não com todos os políticos. A farra estava concentrada no topo.
Para muitos analistas, as revelações comprovariam a necessidade urgente de se fazer uma reforma política. Há quem fale em Constituinte. O sistema está podre e precisaria ser reconstruído de alto a baixo. Entretanto, apelar para ideias e fórmulas prontas não resolverá o problema. Os defensores da reforma insistem em mirar as eleições legislativas. O problema, contudo, está nas eleições para cargos executivos. Basta ler a denúncias, ver que políticos são citados e por quê.
O Setor de Operações Estruturadas atuava, fundamentalmente, nas eleições para o Executivo. A razão é simples e óbvia. São os detentores de cargos executivos que têm o poder de decidir o destino e o preço das obras que interessam às empreiteiras.
Por exemplo, quando candidato a governador, Hélder Barbalho recebeu R$ 1,5 milhão em razão dos "interesses do grupo Odebrecht no Estado do Pará, notadamente na área de saneamento básico, espaço em que a empresa almejava atuar como concessionária."
Os ex-governadores José Serra e Aécio Neves, figuram nas delações com ações concretas em favor da empreiteira. Receberam dinheiro grosso, que, para cada um deles, orbita na casa da dezena de milhões. Serra teria contribuído para "frustrar o caráter competitivo de processo licitatório", enquanto Aécio teria favorecido a formação de um cartel "com escopo último de obter propinas decorrentes dos pagamentos da obra." Candidatos ao governo, usualmente abrigados no Senado, são os campeões de menções nos inquéritos abertos por Edson Fachin.
Obviamente, pelo que abarca, a Presidência é o grande prêmio e, não por acaso, para aí se dirigiam as maiores atenções da construtora baiana. Lula e Dilma foram os eixos sob os quais girou a máquina eleitoral da empreiteira, via conta corrente movimentada por ministros da Fazenda ou pelo marqueteiro João Santana. Lula, por exemplo, "teria se comprometido a melhorar a relação entre o Grupo Odebrecht e a então presidente da República", tendo recebido como contrapartida o "apoio a atividade empresarial" de seu filho.
Candidatos à Presidência, como Serra, Aécio e Marina também receberam ajudas polpudas para suas campanhas. O número do caixa em que foram contabilizadas importa menos que as expectativas que alimentavam as doações. Até o Pastor Everaldo foi contemplado e a cobrança da contrapartida veio na própria campanha.
Ministros de Estado também frequentaram as planilhas da empresa. Este foi o caso de Moreira Franco que, após falhar em atingir as "metas" do exigente Eduardo Cunha na Caixa Econômica, ganhou nova chance no Ministério da Ação Civil, quando pôde atender os "pleitos do grupo empresarial" para a "manutenção de cláusulas que aumentassem suas chances no certame". Os bons préstimos lhe valeram R$ 4 milhões.
Prefeitos são astros de terceira grandeza no esquema. Eduardo Paes, em função das Olimpíadas, acaba sendo um caso à parte, com doações que atingem a marca de R$ 15 milhões. Mais de acordo com o padrão, estão os R$ 550 mil direcionados a Beto Mansur, agraciado em razão dos "interesses da Companhia em expandir seu campo de operações na cidade de Santos".
A elite parlamentar também recebia mimos da empreiteira. Destaque para Romero Jucá e Renan Calheiros que, entre outros, atuaram para garantir que medidas provisórias atendessem aos interesses do grupo baiano. Os dois senadores receberam milhões para desembaraçar medidas provisórias, editadas pelo Poder Executivo.
O parlamentar médio, o membro do "baixo clero", é o grande ausente da lista de Edson Fachin. Uns poucos são citados, mas na maior parte das vezes em razão das suas relações com membros do Poder Executivo e intervenções pontuais, como é o caso do deputado Vicente Cândido, relator da reforma politica, que "solicitou e recebeu vantagem indevida, consistente em R$ 50 mil", para buscar uma "solução para o financiamento do estádio do Corinthians".
O deputado Roberto Freire fez jus a R$ 200 mil "não contabilizados" recebidos no "âmbito da campanha eleitoral", sem qualquer contrapartida mencionada. A "defesa dos interesses da empresa no Congresso Nacional" valeu R$ 600 mil reais, a "pretexto de doação eleitoral", a Bruno Araújo.
A comparação dos recursos investidos nas eleições executivas e legislativas revela o óbvio. A corrupção se concentra no topo, entre os que decidem que obras fazer, qual seu preço e quanto será reservado, no caixa um ou dois, para financiar suas campanhas e as de seus aliados.
A conclusão a que se chega é que os gastos de campanha são menos uma função da legislação eleitoral do que da oferta ilimitada de dinheiro gerado pela "operação estruturada", isto é, pelo acordo entre chefes do Poder Executivo e as empreiteiras.
A leitura das denúncias apresentadas por Edson Fachin indica que o presidencialismo de coalizão e, mesmo, o número excessivo de partidos representados na Câmara dos Deputados, não estão na raiz da corrupção. O Setor de Operações Estruturadas não foi montado para gerir os "custos de gestão da coalizão".
Em resumo, as propostas de reforma eleitoral em consideração passam ao largo das questões suscitadas pelas delações da Odebrecht. Insiste-se que as eleições proporcionais estão na raiz de todos os problemas. O diagnóstico erra o alvo. O pecado mora ao lado, no Poder Executivo.
(*) Fernando Limongi é professor do DCP/USP e pesquisador do Cebrap.
Fonte: Valor Econômico (17/04/17)
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