quarta-feira, 29 de março de 2017

Subsidiando a festa (Fernando Limongi)

A temperatura em Brasília não para de subir. Difícil encontrar imagem mais completa do que tem habitado a cabeça da elite política brasileira do que as farpas endereçadas por Rodrigo Janot a Gilmar Mendes. Foram o ponto alto das últimas semanas. Janot se esmerou e conseguiu bater Romero Jucá e sua douta referência aos Mamonas Assassinas.
Neste ambiente elevado, continua a discussão da reforma política, tida e havida como urgente e necessária. A classe política se aproveita das "verdades autoevidentes" vendidas à opinião pública esclarecida para obter sua sobrevivência. A última delas é que o financiamento público das campanhas seria a condição para estancar a corrupção.
Políticos se corromperiam porque precisam correr atrás de recursos para pagar suas campanhas. Se fossem independentes financeiramente, não seriam engolfados pelos "interesses" que aportam recursos para elegê-los. O argumento é velho e batido: a necessidade induz a corrupção. Apenas os que contam com recursos próprios para se manter seriam infensos aos apelos escusos.
O que os políticos reivindicam é o que todos pedem a Deus: vida tranquila e assegurada dos percalços da luta pela sobrevivência. Se contarem com recursos públicos, políticos terão vantagens sobre os que querem entrar na vida política. Ou melhor, como se define quem tem direito a receber recursos?
O financiamento público de campanhas cria barreiras à entrada, limitando a competição política, protegendo toda a classe política de desafiantes potenciais. Por isto, a proposta une a todos, PMDB, PSDB e PT.
Neste debate, ignora-se que os políticos brasileiros já contam com polpudas transferências estatais para financiar suas despesas. Já temos financiamento público de campanhas. Há o Fundo Partidário e há o Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE). Não é pouca coisa. Imagine se os partidos tivessem que pagar pelo tempo de rádio e televisão que o HGPE lhes garante?
A proposta em discussão deve ser lida pelo que é: os políticos estão pedindo mais dinheiro. A questão, portanto, é se os contribuintes querem ou não ampliar o montante de recursos transferidos aos políticos.
Não é a primeira vez que o pedido é feito. Os argumentos e as justificativas são os mesmos feitos no passado. As juras de bom comportamento tampouco são novidades. Quando adotado, o HGPE foi justificado como o recurso necessário para neutralizar a influência do poder econômico sobre a política. Contando com o acesso franqueado ao palanque eletrônico, argumentaram seus defensores, todos os partidos políticos passariam a contar com os meios para disseminar suas mensagens. A verdadeira política, a programática, prevaleceria.
O HGPE é o eixo que movimenta as campanhas eleitorais no Brasil. O tempo de rádio e televisão concedido aos partidos foi verdadeiramente generoso e não encontra paralelo no mundo. Partidos têm como se comunicar de forma direta com os eleitores. Chegam à sala de visita com um esforço mínimo. O HGPE facilitou a tarefa de conquistar votos e fazer campanhas, mas não entregou a prometida independência dos interesses econômicos.
Em lugar de baratear as campanhas, o HGPE gerou necessidades que contribuíram para encarecê-las. O tempo concedido pelo Estado vem sem conteúdo. Partidos têm que produzir o programa, preencher o imenso espaço de tempo disponível e isto custa dinheiro. Muito dinheiro. Quanto maior o HGPE, mais recursos os partidos terão que arrecadar.
O HGPE criou ainda uma distorção extra. Para coibir o poder econômico, a legislação veda que candidatos comprem tempo de rádio e televisão. Em tese, cada partido contaria somente com o tempo que a legislação lhes reserva, que é uma função do número total de partidos (a menor parte) e das cadeiras que cada partido controla na Câmara dos Deputados (a maior parte).
As coligações, contudo, funcionam como uma grande câmara de redistribuição deste recurso finito, escasso e essencial para conquistar votos. Ao se juntar a uma coligação, o partido transfere o seu tempo no HGPE ao "cabeça da chapa". Transfere é claramente um eufemismo. Vende talvez seja o termo mais adequado. Marcelo Odebrecht, que não tem papas na língua, se referiu desta forma aos recursos que carreou ao caixa dois da campanha de Dilma.
O fato é que há um mercado negro de compra e venda de tempo do HGPE. Partidos têm assegurado recursos públicos que podem dispor como se privados fossem. Na realidade, é a garantia do acesso ao HGPE e ao Fundo Partidário que justifica a sobrevivência de partidos com escasso ou nenhum apoio entre os eleitores. Mesmo sem votos, partidos contam com recursos que os demais valorizam e estão dispostos a pagar para usar. O HGPE é a raiz da crescente fragmentação partidária, mas este é assunto para ser desenvolvido em outra oportunidade.
O fato é que não estamos partindo do zero. Não se trata de adotar o financiamento público de campanha. Trata-se de ampliá-lo. Os resultados perversos do HGPE indicam que é preciso refinar o debate, indo além de propostas baseadas em argumentos simplistas e maniqueístas. O financiamento público de campanha não é um antídoto à corrupção. O contribuinte já subsidia as despesas eleitorais e os resultados estão longe de justificar a sua ampliação. Antes o contrário.
Na forma como vem sendo defendida, a proposta não passa de mais uma prova do oportunismo e desfaçatez da classe política brasileira. Pega em flagrante delito, passa a culpa adiante e pede recursos alternativos para manter o vício. O cinismo não tem limites. Se a proposta passar, Romero Jucá não terá razões para mudar suas predileções musicais. Tampouco cessarão as os banquetes palacianos em que Rodrigo Janot é persona non grata.
*Fernando Limongi é professor do DCP/USP e pesquisador do Cebrap
Fonte: Valor Econômico (27/03/17)

Procura-se projeto de um país justo (Fernando Luiz Abrucio)

A divulgação do resultado do IDH brasileiro, referente ao ano de 2015, revelou que estamos estagnados na melhoria das condições de vida dos brasileiros, afetando sobretudo os indivíduos e famílias mais carentes. Mesmo que, incrementalmente, o Brasil tenha avançado nos últimos anos, algo que refletia tanto os avanços contidos na Constituição de 1988 como as políticas públicas desenvolvidas de 1993 a 2013. A perda da capacidade de, ao mesmo tempo, criar mais riqueza e combater a desigualdade deveria ser o tema da próxima eleição presidencial. Mais do que isso, essa questão deveria gerar um projeto de país, de longo prazo, para que a justiça seja a marca da sociedade em que viverão nossos filhos e netos.
Infelizmente, no entanto, o debate político tornou-se tão polarizado, pelo menos desde as jornadas de junho de 2013, que tem sido difícil reconciliar produção de riqueza e combate à desigualdade. Obviamente que é necessário retomar o crescimento e aumentar a eficiência econômica do país. Isso é uma condição sine qua non para termos uma sociedade mais justa. Entretanto, a metáfora do bolo criada por Delfim Neto nos anos 1970 não dá conta dos anseios da sociedade brasileira atual.
Primeiro porque as políticas sociais podem ser vistas, em si mesmas, como condições ao desenvolvimento socioeconômico do país. Investir em educação e saúde é essencial para se produzir riqueza. O capital humano é peça-chave para termos um crescimento sustentável nos próximos anos, com um bolo maior e que não seja estragado. Neste sentido, a sociedade e os políticos deveriam estar discutindo mais profundamente como dar prioridade à política educacional, dando-lhe os recursos necessários (financeiros e administrativos) para atingir metas ousadas, sem as quais não há futuro melhor pela frente.
Não se pode ter mais um descasamento entre a produção de riqueza e sua distribuição porque desde a Constituição de 1988 o país é organizado em torno dos direitos dos cidadãos. Desse modo, combater as diversas formas de vulnerabilidade é dever do Estado. Os resultados divulgados pelas Nações Unidas revelam tanto o crescimento da pobreza como da desigualdade - se for utilizado o Índice de Gini, o Brasil é o 10º mais desigual de uma lista de 143 países. Embora a retomada do crescimento seja estratégica nessa luta, não se pode esperar a volta completa aos trilhos - isso pode demorar de dois a três anos - para aperfeiçoar o combate à miséria e ao empobrecimento. Na verdade, ao fazerem políticas que favoreceram os mais carentes, FHC e Lula ajudaram a economia colocando mais gente para consumir produtos, mostrando que a atuação sobre o social pode ajudar o campo econômico.
A noção de desigualdade hoje é mais ampla do que no passado. Esse é outro elemento que vai além da teoria do bolo. Políticas voltadas à diversidade social e cultural têm um papel central na criação de um país mais civilizado. Programas que ajudem na inclusão de pessoas com deficiência, cotas para a população negra nas universidades, ações para combater a violência contra a mulher, o respeito à orientação sexual dos cidadãos, entre outras medidas, são essenciais no caminho de uma sociedade mais justa. É triste como o Brasil retrocedeu nesse debate, depois de avanços em duas décadas. Deve-se recuperar, aqui, o elo entre desigualdade e diversidade, nos termos expostos pelo sociólogo português Boaventura de Souza Santos: "Pelo direito de ser igual quando a diferença inferioriza, e o direito de ser diferente quando a igualdade descaracteriza".
A igualdade de acesso aos bens e direitos públicos é mais uma batalha importante para tentar conjugar a eficiência econômica com o combate à desigualdade. Esse é um dos elementos que deveria ser central na reforma da Previdência: não se pode ter cidadãos de primeira e segunda classe no acesso aos benefícios previdenciários. É preciso eliminar privilégios e fazer com que aqueles que tenham maior renda contribuam mais para esse processo reformista, que será essencial para as finanças públicas, com prováveis efeitos positivos sobre o desempenho econômico. Ao mesmo tempo, deve-se garantir uma velhice digna a quem não teve acesso à educação e nem ao mercado de trabalho formal nas últimas décadas. Exemplificando: é justo discutir uma idade mínima maior para todos, com garantias a direitos via regras de transição, mas é um absurdo mexer abruptamente no Benefício de Prestação Continuada (BPC), afetando pessoas que não tiveram e não terão, por razões históricas, as mesmas condições que as demais.
A reconciliação entre produção de riqueza e sua distribuição depende não só da construção de pontes e nexos entre estes temas, mas também de outras condições. A primeira é a reforma do Estado, que precisa ser mais ético, eficiente, efetivo, voltado à equidade e ao empoderamento da sociedade. Não se pode mais ter um conjunto de atividades essenciais ocupadas pela "pemedebização" da administração pública, com a indicação política de fiscais do Ministério da Agricultura, de dirigentes de órgãos técnicos, como na área nuclear, ou profissionais da Funasa. Esse modelo está destruindo o Estado brasileiro e é urgente sua reformulação. Não haverá como o governo atuar positivamente em torno do desenvolvimento econômico e social se ele não for mais profissionalizado.
Fora algumas exceções de relevo, o fato é que o núcleo central do governo brasileiro está basicamente ocupado por políticos com práticas do século passado, quando o Brasil já era atrasado para aquela época. A justiça social que se demanda hoje exige uma renovação do modelo político-administrativo e das cabeças que o operam. Governos mais plurais em sua composição, ministérios mais coordenados em ações e políticas intersetoriais, maior transparência e abertura ao diálogo com a sociedade, uso maior das evidências - e não do voluntarismo - e de instrumentos de inovação como base dos programas governamentais, reformulação profunda da estrutura de incentivos do setor público, entre os principais aspectos, deveriam ser a bússola orientadora do Estado.
A mudança de nossa posição no ranking mundial de qualidade de vida vai depender do lugar que a desigualdade terá no debate político nos próximos anos. O ano-chave será 2018, pois o próximo governo terá mais condições de legitimidade para abrir um novo ciclo. O populismo, de qualquer tonalidade, não trará as soluções para a reconciliação entre a produção da riqueza e sua distribuição, mas soluções elitistas que desconheçam a realidade do país, marcado por uma enorme heterogeneidade, também não serão efetivas. A crise dos grandes partidos, derivada sobretudo da Operação Lava-Jato, pode ser um espaço para uma renovação orientada por um projeto de país mais justo, aprendendo com os acertos e erros da trilha posterior à Constituição de 1988.
A transformação da política não é um processo isolado da capacidade de mobilização da sociedade. É bem verdade que vários setores sociais se mobilizaram desde a jornadas de junho de 2013, pedindo mais direitos e criticando a corrupção. Não se pode dizer que tais movimentos não tiveram efeito, porque sem dúvida impactaram no impeachment da presidente Dilma, embora o jogo decisivo tenha se dado internamente ao sistema político - o principal condutor do processo, gostem ou não, foi o ex-deputado Eduardo Cunha, com o apoio de líderes pemedebistas baseados no "Plano Jucá" de purificação do poder e salvação dos poderosos. Porém, essa efervescência social foi limitada em seu aspecto transformador em três âmbitos: na mudança dos partidos políticos, no alcance em relação aos mais pobres e menos favorecidos, bem como na criação de uma agenda que produza maior justiça ao país.
No caso dos partidos políticos, o fato é que a quase totalidade deles, e os grandes em particular, está ainda buscando se salvar do furacão da Lava-Jato. Essa é a maior preocupação do momento, mais do que a absorção das demandas sociais. Por isso que possíveis renovações se dão, no debate atual, mais em torno de nomes do que da alteração das siglas partidárias por meio de novas práticas e ideias.
A mobilização social dos últimos anos também não alcançou as camadas mais pobres da população. Pior: parte dos movimentos sociais, com composição majoritariamente de classe média, tem ficado entre ignorar a questão da desigualdade e nutrir uma aversão aos mais pobres. A grande maioria dos brasileiros está fora do radar dos que foram às ruas de 2013 para cá. Sem incorporá-los, será impossível transformar o país.
Diante dessa situação, de partidos velhos resistindo ao novo, e de movimentos sociais novos desprezando a herança do atraso de nosso país, não há por ora um projeto capaz de modernizar o Brasil com reformas que gerem riqueza e sua distribuição. Se não mudarmos esse quadro, pioraremos nos próximos rankings de IDH mundial, tornando cada vez mais difícil a construção de uma civilização melhor aos nossos filhos e netos. Por isso, é preciso anunciar em alto e bom som: procura-se um projeto para um país mais justo.
(*) Fernando Abrucio, doutor em ciência política pela USP e coordenador do curso de administração pública da FGV-SP
Fonte: Valor Econômico (27/03/17)

domingo, 19 de março de 2017

Esquerda despedaçada (Alain Touraine/)

- é preciso reconstruir a esquerda em torno dos direitos culturais, respeito ético, democrático e multicultural
Helena Celestino |
RIO Existe esquerda sem utopia? A pergunta perpassou a campanha eleitoral holandesa e continua a ser repetida com insistência nessa turbulenta temporada pré-eleitoral da França e em outros países europeus com eleições marcadas para 2017, o ano de todos os perigos para a Europa.
Por esquecer que sonhar com um mundo melhor é preciso, a social-democracia vive a sua pior crise, evidenciada na derrota em 13 das 19 eleições, a última delas nesta semana na Holanda, na qual a esquerda limitou-se a um papel de figurante praticamente sem "fala" durante a ferrenha disputa entre o líder da extrema direita, o xenófobo Geert Wilders (chefe do Partido da Liberdade), e o primeiro-ministro conservador, o otimista Mark Rutte (Partido Popular para a Liberdade e a Democracia), nessa renovação do Parlamento, crucial para começar a desenhar a nova cara da União Europeia.
Num país que sempre se viu como tolerante e progressista, com desemprego baixo e renda média acima do Reino Unido, o Partido Trabalhista da Holanda flerta com a irrelevância, amargando a evidência de que o tradicional apoio da classe trabalhadora migrou para partidos mais acolhedores ao sentimento de inquietude do eleitorado, sejam eles da esquerda ainda comprometida com a transformação social ou do nacionalismo da extrema-direita.
A França vive o mesmo drama. Ao abandonar as promessas de mais justiça social da campanha, François Hollande bateu recordes de impopularidade e transformou-se no primeiro presidente francês a não se candidatar à reeleição. Deixou nos ombros de um " socialista idealista" - Benoît Hamon, de 49 anos, ex-ministro da Agricultura - a missão de salvar a social-democracia da tragédia anunciada pelas pesquisas sobre a intenção de votos nas eleições presidenciais de abril/maio. Representante da "nova esquerda", a mesma do Podemos, na Espanha, e do Syriza, na Grécia, Hamon derrotou nas primárias do Partido Socialista a chamada "esquerda confiável", aquela que abraçou o liberalismo para enfrentar a crise econômica e saiu abalada dos anos de recessão.
Ele empolgou parte dos jovens com a proposta de uma renda universal de € 700 para todos entre 17 e 25 anos - a faixa etária que amarga um desemprego de 25% -, mas tem poucas chances de chegar ao segundo turno. Pesquisas indicam que deverá ficar num constrangedor quarto lugar, atrás dos dois mais prováveis vencedores do primeiro turno, a extremista de direita Marine Le Pen (Frente Nacional) e a revelação política da temporada, o jovem centrista Emmanuel Macron (En Marche), e mesmo atrás do representante da direita tradicional, François Fillon (Republicano) - investigado por corrupção, mas com apoio maior do que qualquer força de esquerda.
"Não existe esquerda sem utopia", diz o sociólogo Alain Touraine, professor da École de Hautes Études de Sciences Sociales. "Estou muito empenhado em redefinir o ideal social e humano da esquerda hoje."
"Reconstruir a ideia de esquerda é criar um outro modelo. Vimos um esforço para inventar um social-liberalismo nos anos 90 com [Tony] Blair no Reino Unido e [Gerhard] Schröeder na Alemanha, mas não funcionou, e a ideia de esquerda hoje vai mal", afirma o sociólogo Michel Wieviorka, também professor da École des Hautes Études de Science Sociales.
É a hora da verdade para a social-democracia, movimento popular com um passado de lutas por melhores condições de trabalho desde o fim do século XIX e corrente política a consolidar o estado de bem-estar social no pós-guerra. Impotente diante do crescimento da extrema direita e em conflito aberto com a "nova esquerda", os partidos socialistas e trabalhistas mantêm o poder em apenas nove dos países europeus. Apenas em Portugal reina um clima de otimismo com a aliança entre socialistas, comunistas e o Bloco de Esquerda - coligação batizada de "geringonça" pela oposição -, com forte apoio popular: pacificou o clima político e está tirando o país da crise.
A desesperança socialista na França repete-se na Alemanha, onde o SPD, o mais antigo partido social-democrata (criado em 1895) acaba de lançar o ex-presidente do Parlamento Europeu Martin Schulz candidato para as eleições de setembro, na tentativa de estancar o declínio da organização que perdeu 500 mil filiados e a metade dos seus eleitores: na época de Willy Brandt (1913-1992), o partido tinha 40% do eleitorado; nas últimas votações estava reduzido a 20%.
"É, antes de tudo, o resultado do governo Schroeder e as reformas neoliberais feitas nos anos em que foi chanceler. Defendia o Estado social, mas mudou de lado na barricada", analisa o professor alemão Peter Whal, especialista em economia mundial.
Os decepcionados voltaram-se para os populistas de direita e cresce a influência dos nacionalistas reunidos no Alternativa para a Alemanha, aproveitando-se do mal-estar causado em parte da população com a chegada de quase 1 milhão de refugiados em 2015. Em alguns Estados, Baden-Württemberg, por exemplo, são mais fortes do que a social-democracia, mas a Democracia Cristã da chanceler Angela Merkel continua liderando as pesquisas. "A tendência é garantir a estabilidade", diz.
A turbulência no Reino Unido só agravou o sentimento de crise vivido no Partido Trabalhista ainda antes de o país escolher sair da União Europeia, empurrado pelo nacionalismo do movimento populista de ultradireita Ukip. O novo líder do trabalhismo, Jeremy Corbyn, trava uma batalha com as correntes moderadas, mas dirige uma organização esvaziada, incapaz de ter peso na mais importante decisão tomada nesta geração: o rompimento das relações entre Reino Unido e União Europeia, autorizado esta semana pelo Parlamento. Analistas acham que o país caminha para ser um Estado com um único partido, tendência já delineada pela pouca importância dada à oposição pela primeira-ministra conservadora Theresa May.
"O referendo sobre o Brexit foi o primeiro a expor esta divisão cultural entre os confortáveis com o ritmo das mudanças - da tecnologia ao casamento gay - e aqueles que querem retardar o relógio e redescobrir suas raízes étnicas, religiosas e nacionais", escreveu Lionel Barber, no "Financial Times".
Mesmo em países sem uma extrema direita em ascensão, a social-democracia está claudicante. O duelo entre as esquerdas, por exemplo, deixou a Espanha sem conseguir formar governo durante meses, por causa da rivalidade entre o Podemos, formação nascida do movimento dos "indignados", e o Partido Socialista Espanhol, próximo da política de corte de gastos e de benefícios sociais para conter a crise do euro.
No Partido Democrata italiano (PD), divisões internas derrubaram o primeiro-ministro, Matteo Renzi, levando o seu partido a empatar nas pesquisas com o Cinco Estrelas, um movimento contra o establishment e a União Europeia. Mas o fantasma maior é a derrocada do Pasok, partido social democrata grego que naufragou com o país. Detinha 40% do eleitorado, ficou com 4%, sendo suplantado no poder pelo Syriza, do primeiro-ministro Alexis Tsipras, encarnação inédita da esquerda radical no poder.
As democracias avançadas estão vivendo uma mudança profunda, concordam acadêmicos e analistas políticos. Está ligada à chegada de novos países ao mercado mundial - levando à desindustrialização das nações europeias e dos EUA - e à popularização das novas tecnologias, cada uma delas capaz de abrir um mundo de novas possibilidades - o smartphone, por exemplo, deu voz a todos os cidadãos -, mas com enorme impacto no nível de emprego.
"A desindustrialização deveria ter levado a social-democracia a fazer programas para readequar a mão de obra desamparada. Foi funesto para a esquerda perder a chave social. Entregou-a para os fascistas" diz o historiador Daniel Aarão Reis, que está mergulhado na história da esquerda para dois livros sobre a Revolução Russa.
É bem mais longe que o professor vê o início da crise da social-democracia europeia. Após a Segunda Guerra (1939-45), os socialistas cresceram, impulsionados por uma aliança entre a classe operária e as classes médias. Com o tempo, houve uma proeminência cada vez maior dessas classes médias sobre a classe operária, cujo peso social foi diminuindo com a desindustrialização. Nos anos 60, entraram em cena os movimentos das mulheres, dos negros, dos gays, até então desconhecidos pela tradição política.
"Isso foi ótimo, mas os socialistas não fizeram a síntese da luta pela justiça social com esses movimentos identitários. A classe operária se sentiu abandonada e as pesquisas mostram que 80% dos eleitores dos socialistas votam em Marine Le Pen", diz Reis.
A depressão da social-democracia contrasta com a agressividade dos líderes da extrema direita na Europa, que descrevem um cenário negro em seus países, insuflando o medo do terrorismo, do desemprego, do totalitarismo e da imigração. "Criou-se um clima desfavorável para a esquerda na França, e esse cenário é o mesmo em toda a Europa", afirma Touraine.
Aparentemente a esquerda está sem resposta para as inquietações dos eleitores num ano em que a Europa passa por um teste existencial com eleições e o Brexit. Como reagir?
"Devemos nos centrar na nossa luta: direitos sociais, solidariedade e igualdade", escreveu Sergei Stanishev, do bloco socialista no Parlamento Europeu.
"É preciso reconstruir a esquerda em torno dos direitos culturais. Respeito ético e democrático, respeito ao multiculturalismo e às religiões", diz Touraine.
Fonte: Valor Econômico/Eu&Fim de Semana (18/03/17)

Qual reforma política? (José Álvaro Moisés)

- Eleitores precisam se envolver e acompanhar as mudanças, sob pena de serem enganados
O sistema político brasileiro precisa ser urgentemente reformado. O modelo de financiamento de campanhas eleitorais vigente até há pouco, baseado principalmente na participação de empresas privadas, alimentou a corrupção, degradou o sistema e desequilibrou a competição eleitoral. Agora, sob o impacto das revelações da Operação Lava Jato, a urgência se reatualizou, pois o modelo de financiamento não está resolvido. Mas o momento é adequado para a reforma? Ela não será feita sob a égide do instinto de autodefesa dos citados em delações da Odebrecht e outras empresas que corromperam a Petrobrás?
O risco é evidente. As recentes articulações do presidente Michel Temer com o ministro Gilmar Mendes, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e os presidentes Eunício Oliveira, do Senado, e Rodrigo Maia, da Câmara dos Deputados – os últimos dois incluídos nas delações –, iniciadas por ocasião do envio da segunda lista do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ao Supremo Tribunal Federal (STF), suscitaram dúvidas extremamente preocupantes. Os Poderes da República precisam, sem dúvida, interagir e se entender para tirar o País da crise. Mas sobre isso, por que esses atores não agiram antes? Por que deixaram sem resposta os clamores da sociedade, que, desde 2013, sinalizou a sua insatisfação, se não com a democracia, com os governos do dia e com o funcionamento das instituições de representação?
O problema é que não existe um momento ideal para a reforma ser feita. Sempre haverá forças políticas a querer influenciá-la em defesa de seus interesses. E o argumento de suposta ilegitimidade do governo e do Congresso para enfrentar a questão é pueril, além de ser conceitualmente equivocado. O presidente Michel Temer e a maioria dos membros do Parlamento são impopulares, mas não é isso que define a sua legitimidade institucional, pois eles foram conduzidos às suas funções atuais pelo voto popular. Aliás, é por isso que no caso do processo de abuso de poder nas eleições de 2014, em exame pelo TSE, Temer é citado ao lado da ex-presidente Dilma Rousseff, e não em separado, pois ambos foram eleitos pelos mesmos eleitores numa chapa comum.
No caso da reforma, o que importa saber é do que se trata, ou seja, qual é a sua natureza. É isso que define sua pertinência. Nesse sentido, algumas questões são mais importantes do que outras: em primeiro lugar, é preciso ter claro que manter a proibição da influência do poder econômico nas eleições é fundamental. Como decidiu a maioria do STF em 2015, empresas não são cidadãos e não devem ter o direito de influir em eleições. Mas a alternativa do financiamento público precisa ser examinada com cuidado. A proposta que galvaniza o apoio dos políticos, no momento, é a que mudaria o sistema de representação proporcional com lista aberta para o de lista fechada. Isso pode ser positivo se vier a facilitar o fortalecimento dos partidos e a devida apresentação de seu perfil programático aos eleitores, cuja escolha, a exemplo do que ocorre em outras democracias, se tornaria mais qualitativa.
Mas, formulada para defender os políticos da Lava Jato, pode acabar fraudando a reforma. Isso por duas razões: primeiro, porque as decisões partidárias são tomadas, na maioria dos casos, de modo autocrático, sem garantir a liberdade de escolha de alternativas fora do desejo de suas oligarquias; e, segundo, porque a ideia de lista preordenada, destinada a reservar lugar prioritário aos atuais parlamentares – muitos dos quais querem manter o foro privilegiado para melhor se defenderem de suas acusações –, é anticonstitucional, pois quebra a isonomia com que os membros dos partidos podem disputar seu direito de se candidatar a cargos públicos.
Afora isso, é preciso ter em conta que ao lado dos problemas de financiamento de campanhas há outras distorções que comprometem o desempenho das instituições de representação. É o caso, em especial, do sistema de coligações eleitorais, cujos resultados tornam a escolha dos eleitores muitas vezes oposta à sua vontade original. Por outro lado, o fato de o voto de eleitores de alguns Estados valer mais que o de outros – por causa dos tetos de representação – agrava ainda mais a distância entre representados e representantes. A isso se somam características do voto em lista aberta, que, além de estimular a competição de candidatos do mesmo partido, enfraquece o sistema partidário em seu conjunto. Essas questões têm de estar na agenda da reforma.
Por último, duas questões importantes que também precisam ser examinadas pelo Congresso. Por uma parte, o debate atual não está dando atenção à necessidade imprescindível de limitar os gastos das campanhas. Não faz nenhum sentido que um país como o Brasil gaste as somas astronômicas registradas nas eleições majoritárias de 2014.
Por outro lado, a reforma do sistema eleitoral precisa estar conectada com a necessidade de se resolver a fragmentação partidária atual, cujos efeitos dificultam a governabilidade. Para isso o Congresso tem de reexaminar as propostas de cláusula de barreira, ou de representação, para os partidos políticos. Isso levaria a que o sistema partidário brasileiro se consolidasse num patamar mais razoável, longe dos mais de 30 partidos de hoje.
Sem essas mudanças a reforma poderá ampliar a frustração e a crítica dos cidadãos ao sistema político. É certo que a democracia não está em questão no Brasil, mais de dois terços de entrevistados de pesquisas de opinião a defendem; o que está em questão é a sua qualidade e para enfrentar isso a reforma do sistema político é imprescindível. Mas, em vez de deixar para os políticos sozinhos a tarefa, os eleitores e a opinião pública precisam se envolver e acompanhar em que direção a reforma está sendo conduzida, sob pena de serem enganados.
Fonte: O Estado de São Paulo (18/03/17)

Elogio do comedimento (Bolívar Lamounier)

Por décadas e décadas, o Brasil cresceu economicamente mais pela incorporação de mão de obra que mediante ganhos expressivos de produtividade, e avançou na construção da democracia mais pela “força das coisas” que pela ação conjugada de verdadeiros democratas.
Essas duas constatações me têm levado a martelar dois argumentos que considero essenciais para o bom entendimento da presente crise e de nossas perspectivas num horizonte de dez a vinte anos.
Na economia, ninguém ignora que estamos atolados na “herança maldita” de Lula e Dilma, agravada por uma obtusidade ideológica crônica, só comparável à de nossos vizinhos de fala espanhola. A combinação desses dois fatores poderá levar-nos a uma síndrome destrutiva generalizada, como a que Frederico Fellini pintou com extraordinária beleza em seu filme Ensaio de Orquestra.
O irrealismo com que visualizamos nosso futuro como país chega a ser comovente. Os primeiros sinais de recuperação econômica já nos aliviam, e logo reativarão nosso penchant panglossiano. O controle da “base aliada” pelo presidente Temer nos faz pensar que a política está nos eixos.
Mas a realidade é bem outra. Com essa classe política, com essa estrutura institucional, com os delírios da Constituição de 1988 e com um setor empresarial politicamente agachado, dificilmente veremos um crescimento do PIB por habitante superior a uma taxa anual média de 3%.
A crise dos últimos três anos provocou uma contração de 9% no PIB per capita, reduzindo-o, em números redondos, de US$ 11 mil para US$ 10 mil anuais. Nesse ritmo, levaremos praticamente uma geração para atingir o nível atual da Grécia, e lá chegaremos com desigualdades de renda e condições sociais muito piores. Numa avaliação circunspecta, estamos, pois, falando de um país à beira da insustentabilidade como um ente nacional viável.
Não estou delineando uma tendência inexorável, algo que acontecerá necessariamente. Estou apenas expondo uma profecia racional, na esperança de que ela se transforme numa self-denying prophecy, alertando a sociedade para a necessidade de impedir que ela se concretize.
Como sugeri acima, a democracia brasileira é uma construção paulatina, um processo que remonta ao século 19, que ainda se depara com obstáculos portentosos. Deixando de lado, por óbvias, as questões sociais, o obstáculo mais importante parece-me ser o ideológico. Ideológico, filosófico ou que outro nome se lhe queira dar. Parcelas consideráveis de nossa sociedade se recusam a entender que estamos “condenados” à democracia; que a democracia, necessariamente representativa, tem como fundamento a filosofia política liberal; e que um dos componentes centrais do liberalismo político é o comedimento.
Comedimento? Que quer dizer isso?
Ora, estipulações constitucionais não se autoaplicam, requerem interpretação e avaliação com base em critérios de realismo e prudência. É o senso de proporção a que se referia o nunca assaz louvado Max Weber. Os Estados Unidos são uma democracia liberal, mas Donald Trump é um descomedido. Esse traço de caráter do presidente americano é a fonte principal de uma preocupação (ou premonição) que poucos imaginariam que pudesse surgir naquele país: um sentimento de temor a respeito da própria saúde das instituições democráticas.
Na Venezuela, a democracia sucumbiu ao insano descomedimento de Hugo Chávez e de Nicolás Maduro. Nelson Mandela, ao contrário, realizou o que parecia impossível: justamente por ser um líder realista e comedido, evitou uma guerra civil anunciada e inaugurou uma ordem política relativamente viável na África do Sul. Esses exemplos poderiam ser facilmente multiplicados.
No Brasil, todos percebemos ou pelo menos intuímos que a crise para a qual fomos arrastados pelos governos Lula e Dilma é gravíssima, mas essa percepção não parece atenuar o descomedimento que grassa em certos setores. Na última quarta-feira, um dia útil, sindicalistas contrários à reforma da Previdência paralisaram praticamente as grandes cidades, impedindo que milhões de cidadãos se dirigissem a seus locais de trabalho. Não estou entrando no mérito da proposta em tramitação no Congresso, como eles também não entraram – se o objetivo fosse debatê-la, poderiam tê-lo feito num recinto qualquer de grande porte, num estádio, ou mesmo no sambódromo.
Mas o objetivo era obviamente outro. Era a chamada “ação direta” – quem leu Georges Sorel, Reflexões sobre a Violência, ou outros autores de tendência fascista sabe a que me refiro. Era usar a suposta manifestação como uma demonstração de força bruta. Um ato de violência. Quando tal limite é atingido, as autoridades competentes só podem responder recorrendo a uma força ainda maior, aceitando o risco de fazer muitas vítimas. Compreensivelmente não o fazem, e o resultado é a ordem democrática pisoteada e uma progressiva incrustação do descomedimento no tecido da sociedade.
Nas universidades, o descomedimento aparece travestido de marxismo. De norte a sul, centenas de professores dedicam-se com afinco a preparar a juventude para a “inevitável” revolução socialista. Intelectualmente desonestos, muitos deles sonegam aos alunos a análise das premissas filosóficas do marxismo em relação às demais ideologias; um exame histórico aprofundado do que de fato foram os experimentos socialistas, já amplamente estudados, nem pensar. O que importa é a emoção: o “anseio pela revolução total” a que Bernard Yack se referiu numa obra magistral em que usa essa expressão como título. E assim, recorrendo mais uma vez a Federico Fellini, la nave và.
Fonte: O Estado de São Paulo (18/03/17)

Delenda Odebrecht (Demétrio Magnoli)

18 de março de 2017
Na lista de Janot, dois nomes devem ser separados, como indicadores políticos: Antonio Palocci e Guido Mantega. O "Italiano" e o "Pós-Italiano" das planilhas do Departamento de Operações Estruturadas da Odebrecht eram os titulares do Ministério da Fazenda entre 2003 e 2015. Isso diz algo crucial sobre a remontagem do Estado conduzida pelo lulopetismo.
"Fazenda" significa grande propriedade rural e, ainda, os recursos financeiros do poder público. A ambiguidade etimológica entre o patrimônio privado e a coisa pública condensa o dilema principal da formação política do Brasil. Não deixa de ser uma ironia e tanto que os governos do PT, o grande partido de esquerda, tenham eliminado a tensão entre os dois significados, tornando-os equivalentes. Se os investigadores da Lava Jato não se enganam na decifração das planilhas, Palocci e Mantega ocupavam-se, antes de tudo, com a macroeconomia da corrupção. A "fazenda" do ministério comandado por eles era, essencialmente, o patrimônio privatizado oriundo do desvio de recursos públicos.
A esquerda costuma descrever o Ministério da Fazenda como instrumento dos interesses econômicos gerais da burguesia. Sob essa ótica, Lula e Dilma estreitaram sua função, convertendo-o em ferramenta dos interesses particulares de uma fração do alto empresariado que se associou à coalizão governista. Os intelectuais de esquerda que assinam o manifesto do "Volta Lula" são arautos do "Estado-Odebrecht", versão radical, pós-moderna, do patrimonialismo tradicional brasileiro.
No seu depoimento judicial, Emílio Odebrecht ofereceu, além de um espetáculo de cinismo, uma confissão relevante. Dos tempos de seu pai, Norberto, fundador da empresa, passando pelos dele e chegando aos do herdeiro, Marcelo, a Odebrecht consagra-se a corromper políticos, operando perenemente como uma quadrilha. A riqueza acumulada pelo conglomerado, sua "fazenda", é fruto do parasitismo, da corrosão da coisa pública.
A justificativa empregada por Emílio, de que seguia-se o "modelo reinante", deve ser classificada, no plano ético, como um tapa na cara de incontáveis empresas que curvam-se às leis e um escárnio dirigido à imensa maioria das pessoas comuns, vítimas desse "modelo reinante". Porém, no campo da análise política, ela deve ser examinada mais de perto, pois destina-se a erguer uma muralha de neblina. O depoimento tenta ocultar que a cessão do Ministério da Fazenda à máfia político-empresarial representou uma singular evolução do "modelo reinante".
Emílio e o PT usam o mesmo álibi: fizemos o que todos fazem. A ecumênica lista de Janot confere ilusória verossimilhança à tese compartilhada. Mas o papel desempenhado pelo "Italiano" e pelo "Pós-Italiano" a desmente. No depoimento, em atos falhos, Emílio mencionou o "nosso Brasil" e o "nosso Palocci".
O pronome possessivo ilumina a corrupção 2.0: a Odebrecht governava em aliança com o PT. É por isso que tanto o generoso prêmio judicial pelas delações de Emílio e Marcelo quanto o acordo de leniência que se costura com a Odebrecht equivaleriam ao sepultamento da Lava Jato.
A Odebrecht ocupa lugar especial no cenário do assalto à coisa pública. As demais empreiteiras operaram segundo as regras criminosas do tal "modelo reinante". Já o conglomerado de Emílio e Marcelo assumiu a coordenação executiva do sistema de corrupção.
Não por acaso, foi agraciado com os mais vultosos contratos com estatais e com os maiores financiamentos do BNDES para obras no exterior. A justificativa do instituto da delação premiada é chegar ao cume da pirâmide. Na ponta empresarial da máfia, o cume é a Odebrecht.
Seus controladores devem experimentar o inteiro peso da lei, não mansão com vista para o mar. A empresa deve ser extinta, pela transferência de sua direção a gestores públicos e pelo arresto de seu patrimônio.
Fonte: Folha de São Paulo (18/03/17)

Estado e sociedade civil (José Antônio Segatto)

A relação Estado e sociedade civil no Brasil, desde a fundação do Estado nacional, foi sempre infausta e discrepante, adversa e de sujeição. Essa realidade foi objeto de análise de intelectuais de variadas linhagens do pensamento social. Exemplares são as obras antinômicas de Oliveira Vianna e Raymundo Faoro.
O primeiro, ao constatar que a sociedade civil era amorfa e frágil, propugnava um Estado forte, centralizado e autoritário para (re)criá-la – um Estado demiurgo. Já o segundo, ao inverso, entendeu que o Estado foi organizado como aparato de poder exclusivo e restrito, burocrático e patrimonial – o Estado é tudo, a sociedade civil, nada; seriam necessários, portanto, a reordenação das estruturas estatais e o deslocamento de parte de seus poderes para a sociedade civil.
Traços tanto do estatismo de Oliveira Vianna quanto do liberalismo de Raymundo Faoro podem ser encontrados em toda a História brasileira. O estatismo é patente ao longo de quase todo o regime imperial, quando o Estado precede a sociedade civil, inexistente mesmo nos seus estertores, como revelou um testemunho da época: “O que há de organizado é o Estado, não a nação” (Tobias Barreto). Na Primeira República (1889-1930) – quando se enceta um esboço de sociedade civil –, tem-se um liberalismo mitigado pelo domínio oligárquico e pelas práticas patrimonialistas e clientelistas. Nos anos 1930, o estatismo e o autoritarismo ganham proeminência, sobretudo durante a ditadura do Estado Novo (1937-1945), acoplando agora o corporativismo – o Estado, sob o governo Vargas, (re)fundou ou instituiu a sociedade civil, subordinada aos seus desígnios (sindicatos, organizações estudantis, etc.).
Com a democratização de 1945 foi instaurado um regime liberal, limitado, porém, pelos resquícios de autoritarismo e corporativismo – não obstante isso, nos anos 1950-60, teve início um processo de criação de pressupostos favoráveis ao encorpamento e ao dinamismo da sociedade civil, favorecido pela vigência de determinadas liberdades democráticas e pela forma como se compôs o poder estatal. Essas condições foram abortadas pelo golpe de Estado e pela instauração da ditadura civil-militar (1964-1985), que radicalizou os elementos antidemocráticos, centralizadores e estatistas.
No processo de transição democrática, de fins dos anos 1970 e ao longo da década de 1980, houve a emergência de uma sociedade civil revigorada, que teve papel relevante na democratização, mas foi sendo contida pelos resíduos históricos extemporâneos. Ressalta-se que nessa quadra política, de resistência e combate à ditadura, se propagou, com muita força, o entendimento de uma sociedade civil virtuosa, portadora da liberdade e da justiça, versus um Estado autoritário e controlador, pervertido e iníquo – esse fenômeno está mesmo na origem do PT e do PSDB. O breve governo de Itamar Franco e, em especial, os governos de Fernando Henrique Cardoso – que prometiam o desmonte do estatismo e do populismo varguista – deram seguimento a um projeto político eclético, mesclando liberalismo e social-democracia com elementos conservantistas e/ou tradicionalistas. A seguir, nos governos petistas, retomou-se a política varguista, setores consideráveis da sociedade civil foram cooptados ou mesmo estatizados, além de revigorar-se o estatismo e o patrimonialismo, o clientelismo e o corporativismo.
Desse conciso painel histórico, em que se alternam períodos de predomínio de estatismo ou de liberalismo nunca completos ou exclusivos, podem-se extrair algumas ilações:
1) Tanto num como no outro, a relação entre Estado e sociedade civil foi impregnada de patrimonialismo, clientelismo e fisiologismo;
2) houve, no decorrer dessa História, uma disjunção entre Estado e sociedade civil, entre sociedade civil e política e suas instituições mediadoras, em particular, os partidos políticos;
3) essa relação disjuntiva, aparentemente paradoxal, de tutela e sujeição foi executada por agentes da política e da própria sociedade civil, objetivando estabelecer a dominação e o controle do aparato estatal e nele materializar e maximizar seus interesses privatistas e particularistas;
4) dessa relação instável e assimétrica, resultou um Estado parcamente público e insuficientemente democrático e uma sociedade civil atomizada e difusa, sem capilaridade e organicidade, com diminutas autonomia e identidade societal.
Tais condições adversas, evidentemente, não constituem simples elementos e fatos pretéritos. Eles foram perpetuados e continuamente reatualizados. Assim sendo, essas relações têm de ser repostas e levadas em sua devida conta nas análises e na práxis política dos protagonistas empenhados em remover os bloqueios à ativação da sociedade civil, em rechaçar a complacência dos Poderes com a cultura política autoritária, em superar os obstáculos ao livre exercício dos direitos de cidadania e à ampliação das normas e instituições democráticas.
Obviamente, isso não implica a contração dos poderes do Estado e o esvaziamento de suas atribuições e/ou prerrogativas (Estado mínimo) e sua transferência para uma sociedade civil supostamente autogovernada pelos interesses e pelo livre mercado – seria retroagir à incivilidade ou mesmo à barbárie. Ao contrário, implica, sim, a construção de um Estado público e desprivatizado, democrático e expurgado do patrimonialismo e do cartorialismo, do clientelismo e do fisiologismo, do corporativismo e do populismo; demanda, por outro lado, uma sociedade civil autônoma e ativa, acoplada e conexa a uma esfera pública consoante com aspirações e demandas democráticas.
Desse modo, a discussão e a implementação de reformas – política e eleitoral, trabalhista e previdenciária, fiscal e/ou tributária, etc. – não podem estar desvinculadas das complexas relações entre Estado e sociedade civil.
* José Antônio Segatto é professor titular de sociologia da Unesp
Fonte: O Estado de São Paulo (17/03/17)

Corruptos, há os pardos (José de Souza Martins)

Desde o caso Collor, uma grande dúvida se abate sobre a consciência de muitos brasileiros, aqueles mais preocupados com a crescente ruína moral do país: estaríamos sendo injustos ao definir os corruptos como corruptos? No momento em que o presidente Collor deixava o Palácio, cassado por supostamente ter seu governo cometido atos de corrupção, vozes na multidão, que se diverte com as desgraças nacionais, gritavam: "Revista ele!". Para a turba de feira livre, o político corrupto é mero batedor de carteiras.
Nos casos mais recentes de corrupção, corruptos se defendem alegando méritos patrióticos que se sobrepõem aos atos de corromper e ser corrompidos. Um dos partidos acusados invocou os benefícios aos pobres em seu governo, caso do Bolsa Família. Portanto, há corrupção social ou, talvez, socialista, ou, melhor ainda, corrupção de esquerda. A de esquerda, pode. A que não pode é a de direita. Mas a direita também tem seus argumentos cívicos. Empresários acusados e até presos alegam, em sua defesa, que imensas e necessárias obras públicas ficarão paralisadas, com grandes prejuízos para o país, se suas empresas forem inviabilizadas. Há até quem considere como bons tais argumentos.
Existe, ainda, a corrupção propriamente cívica, com direito a Hino Nacional. Políticos jeitosos, que cavaram um lugar na fila da sucessão presidencial, acusados de corrupção, a da propina em troca de favores políticos, a típica corrupção brasileira, escudam-se nas carências do poder para declararem-se imprescindíveis. Sem eles, a pátria correria perigo, o do vazio do poder e, até, o da ditadura. Já há indícios suficientes para que desconfiemos todos que o próprio Judiciário leva em conta esses riscos ao tomar decisões em relação aos políticos acusados de corrupção. Vimos isso no casuísmo de preservar o mandato do presidente do Senado tolhendo-lhe, no entanto, o direito de sucessão no caso de ser chamado a governar o país em decorrência de eventual vacância da Presidência da República. Uma castração judicial.
Com tantos jeitinhos e jeitões, com tantas racionalizações autojustificadoras, a situação brasileira é um verdadeiro laboratório para a compreensão científica da chamada corrupção. O Brasil poderia dar ao mundo um exemplo de criatividade no âmbito do conhecimento descobrindo as características profundas da corrupção. Temos o material radioativo e pútrido aqui mesmo. Temos a chance da originalidade na classificação dos corruptos segundo padrões de observação próprios da ciência. Isso ajudaria todos os que têm sido chamados a julgar os corruptos, mas que ainda não se dispuseram a julgar a corrupção. Sempre vale a preocupação do personagem de José Cândido de Carvalho (1914-1989), em "O Coronel e o Lobisomem", personagem que é dono de um entendimento cromático dessas coisas quando constata que lobisomens, há os pardos. O Brasil pode estar inventando não só a diversidade da corrupção, mas também a possibilidade de criar uma ciência da corrupção.
Não só aqui nem só agora a corrupção é fator de criatividade. Na curta Benet Street, em Cambridge, Inglaterra, há vários endereços antigos, por alguma razão notáveis. O mais conhecido é o do tricentenário pub Eagle's, menos pela cerveja. Mais porque na mesa número 13, num canto, em 28 de fevereiro de 1953, um sábado chuvoso, na hora do almoço, estava reunida a pequena equipe de cientistas, liderados por Francis Crick e James Watson, que fazia a pesquisa sobre o DNA, a meia quadra dali, no Cavendish Laboratory. Crick atrasou-se porque ocorrera-lhe, subitamente, fazer um teste. Voltou para trás e dali a pouco entrou no pub, lívido, e dirigiu-se a Watson: "Acabamos de descobrir o segredo da vida!". Do outro lado da rua, a torre de mil anos da igreja de St. Benet's contempla indiferente o lugar pouco convencional do anúncio dessa revolução científica.
Numa ponta da pequena rua, a 50 passos do pub, existe hoje um restaurante italiano. Até há pouco tempo era ali a agência local de um dos mais poderosos bancos britânicos. Ao lado da porta de entrada uma placa azul da autoridade responsável pela memória histórica do país conta aos transeuntes porque aquele edifício é notável: "John Mortlock, 1755-1816, Master da cidade de Cambridge". Este lugar foi em certa época sua morada, em que ele abriu a primeira casa bancária de Cambridge. Comerciante de tecidos, banqueiro, membro do Parlamento, cartorário e 13 vezes prefeito. "O que vocês chamam de corrupção, eu chamo de influência", sentencia ele do Além. Mortlock está santamente sepultado numa igreja bem próxima do lugar em que desenvolvia seus negócios sob essa inspiração. Quem associa corrupção a Satanás pode estar muito enganado.
Fonte: Valor Econômico/Eu&Fim de Semana (17/03/17)

domingo, 12 de março de 2017

A combinação explosiva do judiciário e a mídia, a poderosa energia da sociedade e o grande déficit de pensamento. (Luiz Werneck Vianna/entrevista)

A principal “novidade” na cena pública brasileira não é mais a crise política em si, a atuação do Judiciário e as repercussões da Operação Lava Jato, mas a atuação da “mídia eletrônica”, que é “composta de uma juventude (...) que vem se apropriando desse espaço de forma muito eficiente, e eu diria, sem treinamento e sem conhecimento do país, e sem educação política para dar conta desse turbilhão que se tornou a vida política brasileira”, critica o sociólogo Luiz Werneck Vianna, na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line.
Na avaliação dele, “o registro que essa mídia alternativa” tem feito acerca da situação política do país “é mais de natureza ético-moral do que propriamente política: não tem análise, tem juízo de valor”. A consequência, assegura, é a apresentação de “indicadores muito altos, que não necessariamente dizem respeito à doença do paciente”, e uma “recusa à política, aos políticos absurdamente acrítica”.
A “luta de opiniões” traçada pela mídia eletrônica, frisa, não tem gerado um debate, ao contrário, tem levado parte da sociedade a um “antagonismo feroz”. Ele exemplifica: “Por que não se discutem as causas, as origens do impeachment da presidente Dilma? Por que se toma isso de pronto, de imediato como uma conspiração, como um crime de lesa-pátria e como um golpe parlamentar?”, questiona. E adverte: “É preciso sair do plano geral para o plano da política, para o plano da razão, para o plano da análise, porque a presidente Dilma caiu sem que isso significasse um levante da população em defesa dela. Ela caiu por fraqueza, por vulnerabilidades, por erros, por equívocos”.
Werneck Vianna também insiste na necessidade de a esquerda, “especialmente a petista e a aliada a ela”, fazer uma autocrítica. Mas “enquanto ela resiste a isso”, diz, “apenas vocaliza o ressentimento, o amargor”.
Na entrevista a seguir, o sociólogo analisa alguns aspectos da atual conjuntura brasileira e salienta que, apesar da dificuldade de “perceber a relação entre a cena da política e a cena da sociedade”, o fato é que “o carnaval” “ignorou tudo isso e foi em frente”, e embora haja uma “imobilização na política”, “a economia começa a se recuperar e a sociedade está respondendo — ela vai aos torneios de futebol em massa, vai às festividades carnavalescas em massa, ou seja, está envolvida no seu cotidiano, que não foi interrompido”.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Ao aceitar conceder esta entrevista, o senhor disse que está “perdido como cego em tiroteio” quando se trata de analisar a conjuntura brasileira. A frase do Rei Lear, de Shakespeare, “que época terrível é esta, na qual idiotas dirigem cegos”, descreve bem o nosso tempo?
Luiz Werneck Vianna – Eu acredito que sim [risos], porque nessa alegoria dá para sentir o que se passa. Claro que não é uma análise precisa, mas para quem olha o cenário político, a aparência dos fatos é essa. Agora, para quem olha a sociedade como um todo, espantosamente o quadro pode ser inteiramente diverso. Basta ver o que se passou nesse carnaval, inclusive em São Paulo, onde o carnaval de rua nunca teve muita importância, pois os paulistas fugiam da cidade desesperadamente. Dessa vez ficaram lá, “cantaram a plenos pulmões” para além da Quarta-feira de Cinzas, e ainda esticaram até este último domingo.
Cena política X Cena da sociedade
É difícil perceber a relação entre a cena da política e a cena da sociedade, para não falar do que se passa em outros lugares fora das cenas propriamente das metrópoles. O que está se passando no mundo do agronegócio, em Sinop (MT) e Sorriso (MT), é um mundo efervescente de produção e criação de riquezas. Está difícil pensar a partir de uma coisa binária, ou clara ou escura. O fato é que tudo indica que “la nave va”, já está indo, dia a dia, cada dia com a sua agonia. As instituições se fortalecem. A novidade, a meu ver, nesse quadro não se encontra tanto no Poder Judiciário — isso já era mais ou menos conhecido —, mas sim no papel da mídia.
IHU On-Line - Por que a novidade está no papel da mídia?
Luiz Werneck Vianna – Vou balbuciar algumas considerações. Todos os jornalistas bem-postos que conheço e de quem ouço relatos laterais através de outros amigos, dizem que a mídia está em uma crise econômica imensa — eu não tenho dados, pois não sou pesquisador da área, mas estou apenas recolhendo esses testemunhos que me chegam de jornalistas importantes, de que a mídia está falida. Já ouvi essa expressão algumas vezes de jornalistas consagrados. No entanto, a cena pública foi inteiramente dominada por essa mídia. Agora, que mídia é essa? É a mídia escrita? Dos grandes jornais? Não, é a mídia eletrônica, que, inclusive, é recepcionada pelos grandes jornais, que abrem espaço para essas atividades. E nessa mídia é outra demografia: são raros os homens e mulheres de mais de 30 anos, ou seja, ela é composta de uma juventude, com uma preponderância feminina muito grande, que vem se apropriando desse espaço de forma muito eficiente e, eu diria, sem treinamento e sem conhecimento do país, e sem educação política para dar conta desse turbilhão que se tornou a vida política brasileira. De modo que o registro que essa mídia alternativa faz é mais de natureza ético-moral do que propriamente política: não tem análise, tem juízo de valor. Isso faz com que a temperatura apresente indicadores muito altos, que não necessariamente dizem respeito à doença do paciente, porque o paciente, ao que tudo indica, quer ver o carnaval, as atividades produtivas, a vida mercantil nas ruas, a massa do povo procurando sobrevivência em atividades informais, demonstrando uma energia muito poderosa. Esses dois registros não combinam: o termômetro, nessas mídias, está indicando uma temperatura muito alta, enquanto a vida transcorre no seu fluxo.
Uma combinação explosiva
Há um pesquisador francês, Antoine Garapon, muito influente na área de estudos sobre direito e política. O livro dele intitulado “O juiz e a democracia: o guardião das promessas” (Rio de Janeiro: Revan, 2004, 2ª ed.) foi publicado em português. Esse livro trata sobre a França dos anos 90, que viveu uma efervescência da presença do judiciário na vida pública. Ele cunhou uma frase que vale para o nosso caso: “A combinação entre o judiciário e a mídia é uma combinação explosiva”. Ele falava isso a propósito de um grande caso que houve na França, conhecido como o caso do “sangue contaminado”, o qual levou a uma crise política muito grande, que foi tratada de forma espetaculosa pela mídia. Acredito que vivemos algo semelhante e, diria até, em ponto maior. Então, esse cruzamento, essa aproximação entre mídia e judiciário tem feito com que a temperatura não responda pela saúde do paciente, ou seja, ela esteja apontando um caso mais grave do que efetivamente responde à natureza dos males que o paciente vem sofrendo.
Inclusive, se é verdadeiro o diagnóstico de que a mídia está em crise, que está em estado falimentar, a procura pelo mercado, por parte dela, é muito grande e esses escândalos são um produto mercadológico muito grande. Agora, os jornais populares continuam com sua cobertura tradicional. Esses casos de corrupção não têm a mesma presença neles — pelo menos nos jornais populares que conheço aqui do Rio de Janeiro, alguns poucos de São Paulo —, que mantêm a tradição de noticiar os contingentes, os crimes, o futebol. Esse espetáculo desencadeia mais gente das camadas médias do que do povo em geral.
IHU On-Line – A quais mídias alternativas o senhor se refere?
Luiz Werneck Vianna – Não quero nomear, porque se nomeá-las, viro alvo [risos].
IHU On-Line – Sua avaliação, então, é de que a mídia alternativa tem sido passional, emotiva quando trata das questões políticas?
Luiz Werneck Vianna – Essa mídia alternativa é passional, ela busca o espetáculo. Inclusive, os grandes jornalistas escrevem episodicamente em colunas dos grandes jornais, eles não estão no dia a dia, e esses grandes jornalistas é que têm a tradição e a responsabilidade do ofício. Estou pensando mais em Carlos Castelo Branco, em nomes desse jaez, que talvez já não existam mais tão à mão.
IHU On-Line – Falta análise e sobra opinião?
Luiz Werneck Vianna – É uma luta de opinião e elas estão muito partidarizadas. Vamos exemplificar um caso: Por que não se discutem as causas, as origens do impeachment da presidente Dilma? Por que se toma isso de pronto, de imediato como uma conspiração, como um crime de lesa-pátria e como um golpe parlamentar? Por que ninguém analisa as causas verdadeiras desse impeachment, como o processo de tomada de decisões na economia, as políticas públicas, a crise a que se levou a economia do Estado a partir dos critérios através dos quais a coisa foi conduzida? Se isso não é feito, só tem um jeito para essa crítica: derrubar o governo Temer, entendê-lo como adversário e como inimigo; não há nada a ser feito com ele, embora ele esteja implantado na vida institucional brasileira, pelo menos por hora, com um apoio parlamentar como poucas vezes se viu.
Isso vai criando um antagonismo feroz que só vê a saída com a eliminação do outro, em que o outro vira um adversário, um inimigo, e não há autocrítica a ser feita. Uma das poucas críticas que vi na imprensa, e eu registrei isso em um artigo recente no Estado de S. Paulo, foi do senador Humberto Costa (PT), em que ele diz que não gosta do governo Temer, mas que também não gostava do governo Dilma. Eu não estou dizendo que com isso ele joga muita luz sobre os acontecimentos, mas pelo menos faz um registro crítico.
Antagonismo feroz
É preciso fazer esse registro crítico e tirar essa controvérsia e esse antagonismo feroz no qual estamos imersos. É preciso sair do plano geral para o plano da política, para o plano da razão, para o plano da análise, porque a presidente Dilma caiu sem que isso significasse um levante da população em defesa dela. Ela caiu por fraqueza, por vulnerabilidades, por erros, por equívocos. Quais foram esses erros e equívocos? O caminho da razão precisaria fazer essa busca para tirar a sociedade dessa agonia. Agora, essa agonia, eu volto a dizer, é localizada; ela não está em toda a sociedade: não está em Sorriso (MT), em Sinop (MT), em Campo Grande (MT), mas está nos grandes centros metropolitanos, e também esses não são unânimes nisso. Basta ver o carnaval, que ignorou tudo isso e foi em frente, seguiu com as suas tradições, com suas histórias, com as velhas marchinhas, com a volta de “Mamãe eu quero” e por aí vai. Há diversão, há catarse e há coisas novas, como o protagonismo das mulheres nas baterias das escolas de samba etc.
IHU On-Line – Então ainda não se discutiram as reais causas do impeachment? Quais são para o senhor as verdadeiras causas do impeachment e o que ainda é preciso discutir sobre isso?
Luiz Werneck Vianna – Eu acho que a Lava Jato não é ingênua em relação a esse processo, porque enquanto o processo do impeachment ganhava fisionomia e musculatura inicial, já havia denúncias da natureza espúria do Estado com as grandes empresas, especialmente os empreiteiros. E isso era uma tentativa que os dirigentes políticos faziam para se apropriarem inteiramente do mando dos partidos, da vida congressual, independentemente da organização, da opinião, da maturidade, ou seja, era feito tudo por cima, e isso não resistiu à exposição que a Operação Lava Jato fez de como verdadeiramente se fazia política no Brasil.
Não dá para discutir o impeachment sem isso e discutir só as causas econômicas — que ocorreram —, como a estagnação. No segundo mandato, Dilma olhou a situação e disse: “Isso aqui não tem jeito”. Foi ela quem chamou Joaquim Levy para fazer um ajuste fiscal, não é verdade? Assim como ela tinha plena consciência de que era necessária uma reforma da Previdência. Essas reformas que estão em curso com o governo Temer, todas elas apareceram, de algum modo ou de outro, no governo Dilma, e inclusive no governo Lula, embora ele tenha recuado na questão da Previdência.
Lula tentou também, em 2004, algo ainda mais fundo, que foi uma reforma trabalhista, a partir de um fórum nacional do trabalho, que ele organizou através do Ricardo Berzoini, então Ministro do Trabalho. As conclusões desse fórum foram descartadas e eram todas muito judiciosas: falava-se em pluralidade sindical, fortalecimento dos sindicatos. E o que ocorreu com a defenestração dos resultados do fórum de 2004? A legislação sindical das centrais sindicais, que fizeram o oposto do que o fórum dizia, ou seja, fortaleceram os vértices sindicais, com o dinheiro do imposto sindical sendo confiado diretamente ao vértice das centrais.
Então, houve antes, ao longo do processo, momentos de lucidez de que coisas deveriam ser feitas na direção da reforma da Previdência e da reforma trabalhista, mas a necessidade de manter a hegemonia e o poder fez com que tudo isso fosse abandonado, e foi se perseguindo esse caminho que aqui e ali demonstrava que estaria comprometido.
IHU On-Line – Mas que tratamento deve-se dar a essa narrativa do golpe?
Luiz Werneck Vianna – Em 1964, uma geração inteira, a minha, acordou atônita com o golpe militar. Atônita porque ele não fazia parte da nossa percepção: nós tínhamos uma compreensão equivocada dos processos reais que estavam acontecendo na nossa sociedade.
IHU On-Line – Em que sentido?
Luiz Werneck Vianna – Nós achávamos que tínhamos força política suficiente para seguir num processo nacional libertador desenvolvimentista, e não tínhamos. E os sinais vinham através da Marcha com Deus pela Família, e dos fuzileiros navais, que mostravam que com aquilo a hierarquia militar era ferida. Essa geração, a minha, levou meses para tirar a cabeça do buraco, olhar em torno e começar a pensar que diabos tinha acontecido, e que erros nós tínhamos cometido.
IHU On-Line – E o que é diferente hoje?
Luiz Werneck Vianna – Eu acho que se a esquerda olhasse para a situação e formulasse a questão: “Que erros eu cometi?”, ela teria melhores condições de se aprumar para seguir seu caminho. Mas enquanto ela resiste a isso e apenas vocaliza o ressentimento, o amargor, aí não se avança e a sociedade fica imobilizada, mas imobilizada na política, porque ela segue andando: vamos ter safra agrícola recorde, a economia começa a se recuperar e a sociedade está respondendo — ela vai aos torneios de futebol em massa, vai às festividades carnavalescas em massa, ou seja, está envolvida no seu cotidiano, que não foi interrompido.
IHU On-Line – O que a esquerda não está vendo ao seu redor?
Luiz Werneck Vianna – Eu acho que ela deveria fazer uma autocrítica, especialmente a esquerda petista e a aliada a ela, e ver onde errou. O ex-governador do Rio Grande do Sul Tarso Genro vocaliza muito esse tema da autocrítica.
Nós teremos eleições presidenciais em 2018, e com que programa os partidos irão aparecer? Será uma volta ao programa que levou ao colapso do governo Dilma? Isso não faz sentido. Mas para que se formule um novo programa é necessário que a vista se limpe e que as pessoas olhem em torno para se pensar como tirar o país do atoleiro em que ele se encontra, com 13 milhões de desempregados. O que vai se fazer? Fechar as fronteiras? Ter um governo autárquico? Entregar-se aos braços do Trump ou procurar os espaços que a globalização favorece? São decisões a serem tomadas.
IHU On-Line – A esquerda parece se dividir entre apoiar a volta do ex-presidente Lula para a candidatura presidencial de 2018 ou apoiar a possível candidatura de Ciro Gomes. Como vê essas alternativas?
Luiz Werneck Vianna – Do jeito que as coisas se encontram, esse é um pensamento que está se passando em volta, mas não podemos esquecer que as eleições para prefeitura deram um resultado inteiramente desfavorável a esses setores: João Dóriaganhou no primeiro turno em São Paulo de um candidato muito interessante, que era o Haddad, que tinha uma posição diferenciada em relação ao seu partido.
Os riscos que estamos vivendo são de outra natureza: não podemos esquecer que estamos num mundo muito mais adverso do que meses atrás — Trump no governo é um mundo adverso para os setores democráticos e reformadores do capitalismo e da esquerda em geral. Isso pode perfeitamente significar uma onda com a eleição na França, na Itália, na Holanda, e aqui não há quem abandone as expectativas de uma candidatura forte à direita. A vitória de João Dória já significa que no coração político do país, que é São Paulo, uma deriva mais conservadora encontrou seu lugar e teve vitória massiva. Quando eu falo em direita, não estou pensando em João Dória, mas numa direita real que está aí.
IHU On-Line – Mas a que razões atribui a vitória dele?
Luiz Werneck Vianna – Todo o processo repercutiu: as denúncias de corrupção no governo do PT, e também o fato de o Haddad não ter sido um administrador de muito sucesso em algumas áreas, embora ele seja bem-intencionado.
IHU On-Line – No ano passado havia um receio de parte dos intelectuais e políticos de que a Lava Jato estava fazendo uma “caça ao PT” e seus membros, mas hoje se sabe que membros do PMDB, PSDB e PDT também estão envolvidos nos casos de corrupção. A Lava Jato confirmou a sua tese de que havia um presidencialismo de coalizão?
Luiz Werneck Vianna – A Lava Jato pegou todo mundo, vamos ver o que sobra; vai sobrar alguém. Nós estamos vivendo o auge do governo de coalizão no governo Temer. Agora, isso não deve resistir à reforma do sistema político que está amadurecendo aí, com o fim das coalizões partidárias e outras coisas que o Congresso já está ativando. Vindo isso — e virá — vai mudar inteiramente a situação: esse presidencialismo de coalizão, tal como nós o conhecemos, será uma carta fora do baralho.
IHU On-Line - O último depoimento de Marcelo Odebrecht põe em risco a cassação da chapa Dilma-Temer por abuso de poder econômico? Se o TSE cassar a chapa Dilma-Temer, que quadro se apresenta?
Luiz Werneck Vianna – Aí não dá para saber, porque com cabeça de juiz e barriga de mulher, a gente não sabe o que vai fazer. Sei lá o que vão fazer. Podem cassar a chapa inteira e aí se joga o país em uma crise monumental, com eleição direta para presidente da República — quem vai ser? Meu Deus!
Agora, não tem revolução à vista, não tem programa de revolução, não tem os personagens da revolução, não tem os partidos da revolução. Tem esse tiroteio aí, com esse PSOL copiando as práticas originais do PT, sem força nenhuma nas ruas, levando as suas bandeiras para dentro do judiciário. O que o PSOL faz? Tenta judicializar a política. Que sindicato ele controla? Que movimentos sociais importantes ele controla?
Por mais trivial que possa parecer, ainda vale o diagnóstico de que as nossas instituições estão mostrando um enorme grau de resiliência, porque mesmo depois desses três anos de crise continuada, sob o assédio permanente da mídia, elas continuam funcionando; isso é sinal de vitalidade.
IHU On-Line - Recentemente o presidente Temer nomeou Alexandre de Morais como novo ministro do STF, e o nome dele foi bastante criticado, como ocorreu quando Lula nomeou Dias Toffoli para o mesmo cargo. Como o senhor avalia esse critério de o presidente da República indicar nomes para compor a Suprema Corte? Quais as implicações dessa prática?
Luiz Werneck Vianna – Eu gosto desse critério da indicação política para o Supremo Tribunal Federal. O que desgosto, profundamente, seria a indicação do ministro sair da corporação do mundo do Direito. Isso, ao meu ver, seria uma tragédia, porque ainda daria mais forças às corporações. O fato de o presidente indicar o ministro é sinal de que ele está oxigenando o judiciário com a presença da política. Deixar isso para a eleição dos juízes ou de algumas corporações interessadas, como a OAB, é ruim. O processo de indicação do quinto constitucional na OAB [1] não é “flor que se cheire”, não são os melhores que são indicados para o quinto, é um processo corporativo infernal.
Na verdade, o que está havendo na sociedade brasileira é uma recusa à política, aos políticos, absurdamente acrítica. Não tem vida democrática razoável e saudável sem apreciação da política. Vamos querer substituir a política pelo mérito? Vamos ter concurso para juiz do Supremo Tribunal Federal, vamos ter indicações das corporações do Direito para que eles tirem, do jogo do interesse deles, um candidato? Não faz sentido.
IHU On-Line – Mas ao mesmo tempo o presidente da República ou a cúpula de um partido não podem se beneficiar com essa indicação?
Luiz Werneck Vianna – Podem, mas o ministro indicado representa uma corrente política da sociedade, não uma corporação. Não podemos esquecer que o PMDB continua sendo um dos grandes partidos políticos brasileiros e continuará sendo. Assim como acredito que o PT também continuará sendo, especialmente se for capaz de navegar melhor nesse mar encapelado que está aí, fazendo o balanço dos seus erros. Se não fizer, vai afundar, como tantos outros já afundaram.
IHU On-Line – Algum outro aspecto tem lhe chamado atenção em relação à atuação do judiciário?
Luiz Werneck Vianna – O judiciário foi aos seus limites em termos de ativismo e agora eles estão entendendo que é preciso tirar o pé do acelerador — eu acho isso bom. Caso contrário, é grande o risco de as instituições perderem vigor.
O Congresso é esse que está aí, foi eleito por nós. Ele é ruim? É ruim. Quando vamos renová-lo? No ano que vem.
IHU On-Line - Depois da euforia das manifestações contra e pró-impeachment e das manifestações pelo “Fora Temer”, os protestos diminuíram. A que atribui isso, especialmente nesse período em que se discute a Reforma da Previdência e há um aumento do desemprego, por exemplo? Por que a população se mantém longe das manifestações?
Luiz Werneck Vianna – A população está se encorpando, mas não do jeito que alguns idealistas desejam. Por exemplo, o carnaval deste ano denunciou uma organização capilar muito poderosa da vida social. Quase todos os bairros do Rio de Janeiro organizaram seu bloco, e isso dá trabalho, precisa de organização, e as pessoas foram ao encontro umas das outras para colocar o “diabo” do bloco nas ruas, fosse o bloco “das Piranhas”, fosse o bloco “Simpatia, paz e amor”. Ou seja, há organização, e escola de samba é um prodígio de organização.
IHU On-Line - Por que essa mesma organização não ocorre no espaço político, ao menos neste momento?
Luiz Werneck Vianna – Porque a nossa política foi feita de forma desnaturada, vinculada ao Estado e aos recursos do Estado, mas nós sairemos diferentes dessa crise.
IHU On-Line – O “Fora Temer” contribuiu para esvaziar um pouco as manifestações?
Luiz Werneck Vianna – Não, continua aí, mas com um sentimento difuso, de rejeição, e dificilmente ele vai reverter o quadro. O horizonte do governo Temer é levar a termo o seu governo em 2018 tendo realizado alguma reforma, presidindo uma associação democrática e entregando ao sucessor o governo do país. Se não conseguir, sei lá.
Eu não consigo ver um cenário catastrófico. Ele passa como uma possibilidade diante dos meus olhos, mas eu me detenho, analiso e vejo que não é possível, que ele não tem fundamento nos fatos.
IHU On-Line - O que seria uma candidatura que romperia com o presidencialismo de coalizão?
Luiz Werneck Vianna – Uma política de coalizão terá que ter, porque no Brasil não há como só um partido governar. A situação regional e as desigualdades impõem uma pluralidade intrínseca, sem essa coisa descabelada que é a existência de mais de 30 partidos; isso é ingovernável.
IHU On-Line – Algum político ou partido está apresentando uma agenda que ajude a pensar o Brasil daqui para frente?
Luiz Werneck Vianna – Não vejo nenhum político capaz de pensar o Brasil. Eles terão que descobrir o caminho caminhando. Não poderá ser o programa de antes, tem que ser o programa de agora, e o programa de agora tem que considerar Trump no governo. Não é só o Trump nos Estados Unidos, mas o mundo de Trump, e quem sabe quem vai estar ao lado dos Estados Unidos. Marine Le Pen estará ao lado dele? É um mundo difícil, e me lembra muito o mundo dos anos 1930, só que os anos 1930 culminaram com a guerra. Talvez seja uma coisa ingênua da minha parte, mas acredito que a guerra não virá, porém o clima de competição por mercados, tal como os anos 1930, vai continuar, vai ser forte, e isso é perigoso.
Nesse contexto, o Brasil não pode observar o mundo através de binóculos, o Brasil tem que ser protagonista desse mundo: lutar pela paz, pelos direitos, pela defesa de suas conquistas sociais. O Brasil é um país extraordinário, muito bem-sucedido, enérgico, vibrante. Ele tem conflitos, não encontrou ainda sua forma política, mas vai encontrar, porque está procurando.
Nós também estamos com um déficit de pensamento muito grande, os nossos intelectuais recuaram, estão defensivos. Se olharmos para a inteligência de outros momentos, ela era irrequieta, ativa, criativa, mas ela tem que renascer agora, porque ficou muito anestesiada nesses anos de governo do PT, como se o paraíso já tivesse sido alcançado.
IHU On-Line – O que vislumbra em termos de futuro ou cenários possíveis para o Brasil neste ano?
Luiz Werneck Vianna – O Brasil vai ter que se ver com o novo cenário mundial, que não é nada fácil. Terá que aproveitar as oportunidades que se abrirem, fugir das armadilhas. Temos algumas virtudes de origem, que se manifestam no clima de tolerância religiosa que existe entre nós, de coexistência racial muito bem-sucedida.
IHU On-Line – Como o senhor tem avaliado os primeiros meses do governo Trump?
Luiz Werneck Vianna – Será um governo duro. A “America first”, a América em primeiro lugar, e o resto que se dane. A globalização é um processo inexorável. As cadeias produtivas estão todas internacionalizadas, e não tem como voltar atrás. A Chicago dos anos 1930 não voltará ao que foi. Lamento que os americanos fiquem com aquelas fábricas em ruínas, mas precisam descobrir outros caminhos, e eles estão descobrindo, com ou sem Trump.
NOTA:
[1] O Quinto constitucional, previsto no Artigo 94 da Constituição da República Federativa do Brasil, é um dispositivo que prevê que 1/5 (um quinto, ou seja, 20%) dos membros de determinados tribunais brasileiros - quais sejam, os Tribunais de Justiça dos estados, bem como do Distrito Federal e Territórios, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais do Trabalho e o Tribunal Superior do Trabalho - seja composto por advogados e membros do Ministério Público em lugar de juízes de carreira. Para tanto, os candidatos integrantes tanto da advocacia quanto do MP precisam ter, no mínimo, dez anos de carreira ("exercício profissional" no caso dos advogados) e reputação ilibada, além de notório saber jurídico para os advogados.