O fundador de uma dinastia partidária tinha subido na vida política graças a seu carisma pessoal, que o tinha levado ao trono. Em época nem tão remota, contou com a ajuda de um partido que ajudou a criar, da Igreja que o apoiava e de um conjunto de intelectuais desgarrados com a queda das monarquias comunistas, ditas populares.
Conseguiu ardilosamente vender a ideia, falsa aliás, de que estaria mudando tudo o que estava aí, apesar de, em um acesso de bom senso inicial, ter mantido todas as importantes reformas de seu antecessor. A ilusão vingou e foi compartilhada pela maioria dos súditos daquele reino.
Contudo, a farsa não resistiu por muito tempo. Imbuído de uma ideia messiânica de que estaria resgatando o país e, em particular, os pobres, terminou por criar uma corte — na linguagem moderna, de militantes e aproveitadores dos mais diferentes tipos, alguns riquíssimos. Nela, não faltaram os “bobos da Corte”, na verdade, um bando de espertos que passou a contar com benefícios próprios, oriundos do exercício arbitrário do poder.
Passado o tempo, o rei e o seu grupo partiram para uma próxima etapa, a de apropriação privada dos bens públicos, com os seus membros aparelhando o Estado, uma espécie de assalto ao Tesouro. É bem verdade que continuavam vendendo a ideia, acreditada por muitos, de que estavam pondo o país na rota do “progresso social”, quando, de fato, estavam destruindo o Estado, as leis e as suas empresas.
A rota que seguiam era a do dinheiro. Ávidos em busca dele, esqueceram, inclusive, das Leis do Reino, que disciplinavam, entre outras coisas, a relação entre o público e o privado. Achavam que isto era coisa de “burguês”, nome utilizado para qualificar qualquer inimigo seu. Não havia mais, na visão deles, adversários, mas, tão somente, inimigos a serem aniquilados. O ódio foi instalado.
O rei tornou- se milionário, embora quisesse ocultar para a massa dos seus súditos essa realidade. Fazia parte da ficção de seu poder. Sua fortuna, graças a diligentes funcionários públicos, juízes, promotores e policiais, que não compactuavam com o arbítrio, foi estimada em dezenas de milhões de reais. O império das leis tornou- se o “seu” império. Dom Lula da Silva, o onipotente.
Curioso que o rei apresentava- se como metalúrgico, embora o tenha sido em um período curtíssimo de sua vida, pois, logo, tornou- se sindicalista e líder partidário, sua verdadeira “profissão”. Manteve, porém, esta imagem, porque era- lhe útil para o exercício do poder. Veio a ser o mais ilustre membro da elite dominante.
Entretanto, o reino guardava um traço democrático, o de realização de eleições periódicas, voltadas para a renovação de seus quadros dirigentes. Era uma espécie de monarquia eleitoral. Frente a tal situação e na impossibilidade, naquele momento, de alterar essa regra, embora o tenha cogitado, optou por um esperto estratagema, o de criar uma sucessora que seria a sua própria criatura.
Crédulos, os súditos aceitaram a sua escolha e a ungiram. Nomearam- na Dona Dilma, a desconexa. Sua trama política consistia em seu retorno futuro. Ocorre que sua “criatura” botou os pés pelas mãos, como se diz em linguagem popular. Gastou o que o reino não tinha para gastar, maquiou as contas públicas, colocou o país na recessão, destruiu empregos e empresas e produziu uma perigosa inflação. Um desastre total.
Neste meio tempo, a máscara começou a cair. Os cidadãos crédulos tornaramse incrédulos em relação ao culto dominante. As manifestações iniciaram. Aquele grupo de funcionários públicos dedicados passou a investigar e vasculhar as contas públicas.
Estarrecidos, descobriam que essas contas tinham se tornado privadas, apropriadas pelo rei, pela sua corte partidária e por um grupo de empresários inescrupulosos. Todos juntos participavam do festim dos bens públicos. Aos súditos, as migalhas!
Começaram um impecável trabalho de resgate do império da Lei. Sociedades livres não podem viver sob o arbítrio de poucos, uma oligarquia de esquerda, que vestia tais roupagens com o intuito de esconder os seus crimes. O esforço produziu resultados.
O ex-rei, embora vendesse para os seus crédulos — cada vez menos numerosos — a sua santidade, começou a fugir da Justiça. Foi um alvoroço no palácio e na corte. Todos corriam para todos os lados, chocavam- se sem cessar, até que algum “iluminado” — de poucas luzes — lançou uma ideia genial, própria de gênios desmiolados. Por que não fazer o ex-rei vizir, uma espécie de primeiro-ministro da rainha.
Esta teria inicialmente hesitado em aceitar essa proposta, pois se tornaria uma mera figurante de seu criador. De fato, seria o destino real da criatura. Logo, teve de fazer uma escolha entre ser figurante e coisa nenhuma, pois arriscava perder todo o seu poder.
Ocorre que a impunidade tinha acabado no Reino. Ninguém estava mais fora do alcance da Lei. Dom Lula da Silva, o onipotente, já não mais tinha a potência de antanho. Ficou desacorçoado. Em conversas privadas, primava por insultos e palavras de baixo calão. Coisa de bêbado em botequim. Tomou a decisão de fugir.
A questão foi: para onde? Poderia ter escolhido países “amigos”, com os quais sempre desfrutou de uma relação privilegiada. No continente, havia a monarquia comunista cubana ou o projeto terminal da oligarquia bolivariana venezuelana. Seria, porém, patético!
Optou, então, por fugir para dentro do palácio, como se este fosse um lugar em que as leis não valeriam. A rainha concedeu-lhe uma espécie de salvo-conduto, o título de ministro, como se assim pudesse escapar dos juízes, promotores e policiais que estavam em seu encalço. A manobra foi pueril.
Os ministros da Corte Máxima, insultados por Dom Lula, o onipotente, reagiram com dignidade e proclamaram que o inaceitável tinha sido atingido. As ruas se inflamaram. Os cidadãos disseram em alto e bom som: basta!
Sem medo, proclamaram: abaixo a monarquia esquerdista, viva a democracia!
(*) Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Fonte: O Globo (20/03/16)
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