Alguns analistas da cena política têm aventado a hipótese de que o dia seguinte à votação do impedimento de Dilma Rousseff será de um grande alívio para a crise em curso: se aprovado, os aloprados seriam postos de lado e um presidente equilibrado assumiria o leme, com o PT alquebrado, levando a uma reversão das más expectativas econômicas; de outro, se rejeitado, à oposição restaria apenas apostar no processo de cassação da chapa Com a força do povo no TSE, como se isso atenuasse a pressão social contra o lulopetismo ou abrisse alguma janela para a normalização econômica.
Na verdade, a hipótese mais provável é de um aumento da tensão em curto e médio prazos: da tensão política, no caso do impedimento; da tensão social e econômica, no caso do continuísmo. Explico melhor.
Aprovado o impedimento, o PT teria dois caminhos a seguir: tentar se reconstruir em torno de lideranças mais sensatas e responsáveis, ou enveredar pela política de resgate de seu legado originário, que hoje teria mais ares de anacronismo do que de radicalismo democrático-pluralista como outrora.
A julgar pela trajetória do PT até aqui, a segunda via é a mais provável, não só por se nutrir da nostalgia de um Lula com ampla credibilidade, mas porque o PT já não é mais o mesmo e a militância que hoje vai às ruas defender seus dirigentes encalacrados exala o cheiro de naftalina dos velhos métodos de manipulação do stalinismo, com seus cacoetes fanático-inescrupulosos; exatamente o oposto daquilo outrara representado pela miríade de grupos alternativos enfeixados no PT dos anos 1980, que empolgou a sociedade exatamente por combater o autoritarismo, a mentira sistemática e o conformismo insosso da política moderada.
Ademais, o tempo fez do PT um partido parlamentar pragmático e, dos movimentos sociais tradicionais, um mero apêndice de partidos que há décadas os controlam, o que implica perda de radicalidade original, cuja fonte era a proximidade verdadeira com as bases sociais. A doença senil da esquerda envolveu a doença infantil, que hoje serve apenas de chamariz para os neófitos, além de eterno combustível dos sectários, comprometendo a promessa do elixir da utopia, que hoje estufa as velas do voluntarismo romântico das seitas anencéfalas que se fizeram sentir na vazante das jornadas de junho de 2013.
A possibilidade de uma repentina tomada autocrítica de consciência dos petistas fica prejudicada também pelo modo como seus setores não-degenerados se comportaram diante da orgia que tomou conta da legenda, preferindo sempre compactuar com a cleptocracia dirigente ao invés de sustentar a divergência com vistas ao inevitável desenlace, que agora se vislumbra. Deste modo, não apenas se limitou o alcance e credibilidade das justas críticas ao desvio de rota partidário, como se deixou aberta a porta para a saída de quadros e seguidores que poderiam sustentar esta luta no plano interno das convenções.
Isto tudo pode significar o lento e seguro isolamento político-social do PT em longo prazo, e mesmo assim na dependência do êxito dos governos que virão. Em curto e médio prazos, todavia, a cleptocracia petista ainda pode contar com uma reserva de apoio entre jovens, intelectuais e sindicalistas, capaz de lançar labaredas na direção de uma sociedade frustrada, em meio a uma crise econômica grave e, até aqui, sem lideranças alternativas capazes de mostrar novos caminhos para a recuperação do país.
No caso da impugnação do impedimento, naturalmente os partidos de oposição refarão seus cálculos na direção do TSE. Porém, é sabido que a influência desses partidos sobre o movimento social de rua é tênue, seja pela desconfiança do público nas lideranças tradicionais, seja porque as lideranças alternativas (PPS e Rede) ainda não se mostraram à altura deste desafio.
Assim, a direita radicalizada, pioneira no enfrentamento ao lulopetismo, poderia ocupar o vácuo, no contexto da grande frutração que se seguiria, quer empurrando alguns segmentos para a violência aberta nas ruas, quer alimentando grupos ilegais no intuito de desestabilizar a ordem pública e provocar uma intervenção militar. Do outro lado do ringue, encontrariam seus antípodas dispostos a colaborar, estúpida e involuntariamente, quer nas milícias sindicais petistas e no, ainda ausente, “exército do Stedile”, quer na juventude carbonária a postos desde 2013 — tendo, inclusive, já produzido um cadáver, em 2014, sem que a Justiça os tenha efetivamente punido e sem que perdessem o status de “ativistas sociais”.
Tudo isso pode não se realizar. Mas, em meio ao ambiente tóxico criado pelo lulopetismo, desde a desastrosa campanha de 2014, não se pode deixar de considerar a hipótese do agravamento político. Mesmo que se possa debitá-lo na conta daqueles que entendam a corrupção como um instrumento legítimo da atividade política e justifiquem sua torpeza com base no equivocado princípio de tirar vantagem do atraso, supostamente para produzir progresso, seus efeitos serão para todos.
(*) Hamilton Garcia de Lima é cientista político e professor do Lesce/UENF).
Fonte: Gramsci e o Brasil
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